CUT
Para secretário de Relações Internacionais da CUT, agravamento da crise que afeta os países centrais do capitalismo reforça importância do embate político e ideológico
A agudização da crise que afeta os países centrais do capitalismo, com o agravamento do desemprego, da fome e da miserabilidade de parcelas cada vez mais amplas da população, reforça a importância dos movimentos sociais e das forças progressistas contarem com instrumentos de reflexão e ação para transformar a realidade. Nunca, portanto, precisamos tanto do Fórum Social Mundial (FSM), da amplitude, compromisso e capilaridade dos movimentos que o compõem.
Como as contradições que originaram os movimentos de oposição ao Fórum Econômico Mundial de Davos não só persistem, como se agravam, o FSM tem agora responsabilidade redobrada de articular e consensuar ações globais que deixem claro nossa oposição à globalização neoliberal, aos abusos das transnacionais e do sistema financeiro, apresentando propostas para a construção do outro mundo que queremos.
Com a política de socorro aos bancos e especuladores, adotada por inúmeros governos, milhões de trabalhadores perderam empregos, moradias e o pouco que ainda restava de proteção social, sobrando apenas a pobreza gerada pelas medidas de “austeridade fiscal” em favor do sistema financeiro.
Os números da crise ecoam por si. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) contabiliza 197 milhões de desempregados no mundo em 2012. Destes, 74 milhões são jovens entre 15 e 24 anos. A fome global chega aos lares de 870 milhões de pessoas no mundo, de acordo com dados da ONU/FAO, sendo que 852 milhões estão em países em desenvolvimento. Enquanto mais de 50% da riqueza global pertence a apenas 2% da população, na outra ponta, metade das pessoas mais pobres, que somam cerca de 4 bilhões, dispõem de apenas 1% da riqueza do mundo, o equivalente a US$ 133,5 milhões.
Daí a necessidade do campo político progressista, das forças de esquerda, retomarem a iniciativa, com entusiasmo e ousadia, voltando às ruas para o enfrentamento político e ideológico ao retrocesso.
A CUT participa do Fórum Social Mundial desde a sua fundação em 2001, sendo, juntamente com o MST, os dois primeiros movimentos sociais a formar seu comitê organizador. Sempre o consideramos um espaço de atuação extremamente importante para todos os movimentos sociais e organizações que buscam construir um mundo mais justo e democrático e vamos continuar valorizando este espaço.
No entanto, consideramos que o Fórum já deveria ter avançado na definição de ações consensuadas entre todos os movimentos. O Fórum precisa ir além da reflexão e partir para a definição de ações contra os abusos das transnacionais e da lógica excludente do sistema financeiro. A crise europeia também deveria ser um tema prioritário, bem como a imposição da militarização como lógica das relações políticas entre os países.
O FSM ao organizar seus encontros e eventos precisa superar as suas contradições internas e romper com a lógica do “patrocínio”. Afinal, como ensina a sabedoria popular, “Quem paga a orquestra escolhe a música!”.
A cada evento que o FSM realiza, temos nos defrontado com exigências e ingerências, como infelizmente ocorreu no caso da Prefeitura de Porto Alegre. Em troca de apoios e patrocínios, o poder público municipal tentou interferir nos conteúdos das discussões e nos convidados, chegando ao cúmulo de impor condições para incorporar atores não tradicionais ao FSM, em detrimento do campo progressista. Fatos como esses levaram fundadores do FSM a se retirarem do Fórum Temático 2013, ocorrido na capital gaúcha, tamanha as violações da carta de princípios.
A CUT não é uma indústria de organização de eventos. O Fórum é um dos espaços de atuação internacional da nossa Central, não o único. As mesmas organizações que participaram do Fórum Temático de janeiro de 2012, da Rio+20 realizada em junho de 2012, e do Fórum em Solidariedade à Palestina em novembro de 2012 em Porto Alegre, foram convocadas a participar do Fórum Temático de janeiro de 2013 e também a participar do Fórum Social Mundial da Tunísia em março de 2013. Ou seja, em 14 meses, cinco grandes eventos internacionais. Parece-nos uma enorme dispersão de forças. O Fórum em defesa da Palestina só foi realizado em novembro de 2012 porque a imensa maioria das organizações assim o quis, tanto aquelas que atuam na Palestina, como as que atuam em outros países.
Desprezando esta decisão coletiva, inteiramente na contramão, a Prefeitura de Porto Alegre além de não destinar nenhum recurso para o Fórum Palestina Livre, se submetendo ao poderoso “lobby” pró-ocupação, canalizou uma enorme quantidade de recursos para o Fórum Temático de janeiro.
Ao optar pelo atropelo à histórica autonomia do evento, substituída vexatoriamente pelo vínculo político-financeiro à administração municipal, os que se acreditaram donos do FSM, pouco afeitos ao trabalho conjunto, alijaram a participação de entidades historicamente comprometidas com o evento para a segunda divisão.
O problema da ausência de debate no interior do FSM impede que se avaliem as transformações ocorridas no mundo. Por exemplo: justamente em uma conjuntura de crise, onde o FSM deveria reafirmar seus princípios de luta anticapitalista, ele se deixa sequestrar por setores comprometidos com o “status quo”, de modo a deixar tudo mais soft e light. Esta condição afasta o FSM de seus princípios e objetivos, promovendo a despolitização das relações internas.
Um processo que está se tornando financeiramente pesado, tende a se tornar inviável, justamente no momento em que – reafirmamos – as organizações sociais precisam lutar como nunca para romper obstáculos impostos pelo capitalismo e avançar.
Por fim, no aspecto da condução política do Fórum Social Mundial, entendemos que organizações com ampla base social, portanto com poder democrático de representação, tem maior responsabilidade a assumir. Como principais articuladoras e mobilizadoras do processo, é necessário que ocupem o espaço que lhes é devido no Conselho Internacional (CI), bem como nas demais estruturas de coordenação do evento, para que sejam revigoradas. Os que pensam e praticam o contrário estão alinhados com a velha máxima de Lampedusa: “é preciso mudar para que tudo continue como está”.
Também consideramos extremamente preocupante o fato de alguns “ideólogos” apresentarem argumentos de profundo desprezo pelos movimentos sociais. Suas elocubrações acabam se distanciando tanto da esquerda que passam a abraçar sofisticadas teses elitistas, bem ao gosto da direita mais reacionária.
Queremos recuperar o papel coletivo do comitê internacional e que isso se reflita nos comitês locais e temáticos, de acordo com a carta de princípios e a cultura política do Fórum, impedindo o controle dos poderes econômico, público e de indivíduos, por melhor intencionados que sejam.
Diante de propostas que sinalizam a ruptura do pacto fundante do FSM, continuamos defendendo Fóruns bianuais, com a realização de reuniões no mesmo período do de Davos, para fazer a análise de conjuntura e consensuar o necessário contraponto.
Juntos, vamos construir um Fórum de todos e de todas, fazendo com que os temas a serem abordados sejam amplamente debatidos e assumidos como compromisso coletivo. Para o bem da Humanidade.