O ato que os movimentos sociais fizeram na tarde desta quinta-feira contra a proposta de dar autonomia ao Banco Central (BC), realizado na Avenida Paulista, serviu especialmente para ajudar as pessoas a entenderem os males que essa medida causaria à maioria da população.
Maria José Ferreira estava à espera do ônibus, numa parada bem em frente à sede paulista do banco, quando os manifestantes chegaram no local, ao som dos discursos feitos sobre o caminhão de som. Observando a cena, foi questionada sobre o que achava da manifestação e o que pensava ser a autonomia do Banco Central.
“Pelo que estou ouvindo, essa medida vai prejudicar quem mais necessita. Se o Banco Central existe para fiscalizar os outros bancos e controlar a economia, deixar ele livre vai ser ruim”, respondeu ela, que trabalha num consultório médico próximo dali.
“Um tipo de privatização”
Ednete Serafim, que participava do ato e faz parte da União Nacional por Moradia Popular, disse não entender muito bem o que significa o tema do protesto, e deu sua definição: “Acho que vai ser um tipo de privatização. E isso pra nós, pessoas comuns, vai fazer tudo ficar mais difícil”.
No carro de som, os dirigentes dos movimentos se esforçavam para explicar. “O Banco Central tem a tarefa de controlar o fluxo de dinheiro na economia, de definir a taxa básica de juros, de colocar regras sobre os bancos, de fiscalizar como os bancos usam nosso dinheiro”, disse Juvândia Moreira Leite, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
“E quando alguém propõe dar autonomia ao Banco Central, isso quer dizer tornar esse banco independente do governo”, emendou ela. Atualmente, o BC não pode tomar todas as decisões sem consultar o governo federal. “Com autonomia total, o controle sobre o sistema financeiro vai ficar mais frouxo, e os bancos privados, que já não cumprem sua função social, vão ter ainda mais liberdade. Se dependesse desse bancos, o Brasil já estaria numa recessão”, completou.
Na Europa, recessão e desemprego
Presidente da CUT, o bancário Vagner Freitas recorreu ao exemplo europeu para explicitar o que significa, para o povo, dar autonomia ao BC. “O Banco Central Europeu é autônomo, e dita as regras para os governos dos países daquele continente. Os burocratas daquele banco, que não foram eleitos pelo povo, têm mais poder hoje do que o presidente de um país, que foi eleito pelo povo. E está destruindo o sonho de construir uma Europa unida e desenvolvida. As regras que o Banco Central Europeu impõem aos povos está provocando recessão e desemprego”, afirmou.
“O presidente do BC será eleito diretamente pela classe trabalhadora ou será uma vontade absoluta da Federação Brasileira dos Bancos? É isso que o povo tem que entender, que os banqueiros querem mandar no Brasil sem terem sido eleitos para tal”, já havia dito Vagner, durante entrevista a uma rádio que acompanhava a manifestação.
Política econômica X impacto social
O ato desta quinta-feira foi planejado pelo Comando Nacional dos Bancários, que estão em greve por todo o país, e teve apoio da CUT. Reuniu lideranças e militantes de outros movimentos sociais, como o MST, a União Nacional de Moradias, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), a CTB, UNE, Intersindical, organizações da agricultura familiar e do Levante Popular da Juventude. Com vento frio e chuva fina, juntou aproximadamente 1,5 mil.
A proposta de autonomia do Banco Central foi feita pela candidata Marina Silva, em seu programa de governo. O governo FHC, do mesmo partido de Aécio Neves, tentou aprovar essa proposta, e só não o conseguiu por completo por causa da oposição dos movimentos sociais. Mesmo assim, criou em 1996, por lei, o Copom (Comitê de Política Monetária), que passou a ter a função de definir a taxa básica de juros (Selic) e as metas de inflação sem obrigação legal de se reportar ao governo. O Copom é integrado por conselheiros ligados ao sistema financeiro, a quem interessa a elevação da taxa de juros. Essa liberdade do Copom abre espaço para decisões que contrariem a política mais geral do governo.
“A autonomia do Banco Central permitiria que ele tomasse decisões econômicas sem se importar com impactos sociais. Então, a principal preocupação de determinado grupo social que defende essa autonomia é o controle da inflação com o uso de uma taxa de juros mais alta, o que provocaria um quadro recessivo e taxas de desemprego mais altas”, explica a economista Adriana Marcolino, coordenadora da subseção Dieese da CUT Nacional.
Para ela, “como o Banco Central regula questões que são importantes para todos os cidadãos, não dá para que ele seja autônomo, independente, de um governo que pensa a economia de uma forma mais geral”.
Raposa no galinheiro
Durante o ato de hoje, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Sistema Financeiro (Contraf-CUT), Carlos Cordeiro, definiu com ironia a proposta: “Estão querendo criar o sindicato nacional dos banqueiros”. Ele lembrou que os setores que pedem a autonomia são os mesmos que defendem, em entrevistas, análises e palestras, que o desemprego deveria ser maior para segurar a inflação.
Júlio Turra, da Direção Nacional da CUT, disse que a autonomia seria o mesmo que “colocar uma raposa para cuidar de um galinheiro”. Edson Carboni, dirigente da Condsef-CUT (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal) e técnico aposentado do BC, lembrou que na tentativa de dar autonomia ao banco, o governo FHC nomeou para chefiá-lo economistas ligados a bancos ou fundos especulativos, como Armínio Fraga, que havia trabalhado para o megaespeculador George Soros, ou executivos que tiveram participação em escândalos como a quebra do banco Marka, em 1999. “Esse grupo sustentou as maiores taxas de juros da história do Brasil, muito maiores que as existentes hoje”, disse.
“Tem de cuidar disso aí, né. Se esse banco ficar livre desse jeito que estão falando, a coisa vai ficar muito ruim pra gente”, disse, durante a manifestação, Aparecido Lopes, trabalhador rural do assentamento Julio Brunete, na cidade de Altair, interior de São Paulo. “Já não é fácil o acesso ao crédito para agricultura familiar e se o BC se tornar independente vai nos prejudicar muito”, completou Edna Araújo, militante do MST e moradora da cidade paulista de Promissão.
Fonte: CUT