Crimes impunes, vidas em vão?

 

Colocar vidas em risco não é acidente. É crime. No entanto, a conta sempre recai sobre a vítima. As barragens de rejeitos de minérios que se romperam em Mariana e em Brumadinho não foram acidentes. As tragédias já estavam anunciadas, mas nenhum executivo da Samarco e da Vale foi responsabilizado pelos riscos a que submeteram os trabalhadores e as populações. A conta da negligência quem paga são as centenas de vítimas.

A história se repete com mais uma tragédia anunciada. Agora, no Centro de Treinamento do Flamengo, onde dez adolescentes foram carbonizados em alojamentos de containers que não tinham sequer alvará para funcionamento.  O presidente do clube, Rodolfo Landim, ainda teve a cara de pau de arranjar desculpas para as negligências cometidas pelos gestores.

Na coluna desta segunda-feira, 11, no Portal UOL, o jornalista Renato Maurício Prado, critica duramente a covardia do presidente do Flamengo, que tenta se isentar diante das responsabilidades da gestão do clube com a terrível tragédia que comove o país.

“Sonhei que o Flamengo tinha um presidente à altura de sua grandeza … No meu sonho, o presidente do Flamengo não fugiria de nenhum questionamento, ainda que não fosse diretamente responsável pela tragédia (até porque assumiu há pouco mais de um mês)… Acordei, empapado de suor e ainda arrasado pela devastadora calamidade rubro-negra. Acorda também, Rodolfo Landim! E assuma, de uma vez por todas, a postura que um presidente do Flamengo tem que ter”, destaca o jornalista em sua coluna.  Leia aqui a íntegra do texto.

A omissão covarde de Landim é a mesma dos gestores que acham que podem tudo quando se trata de garantir o lucro dos acionistas, mesmo que coloquem em risco a vida dos trabalhadores e da população.  Quando o bicho pega, tiram o corpo fora e ainda tentam culpar a vítima pela imprudência e negligência que cometeram.  A conta sempre sobra para o trabalhador.

No Sistema Petrobrás não é diferente. Há quatro anos, uma explosão que matou nove petroleiros no navio plataforma Cidade de São Mateus segue impune. O acidente ocorreu em 11 de fevereiro de 2015, no litoral do Espírito Santo, e deixou 26 trabalhadores que estavam a bordo feridos e 39, traumatizados.  A embarcação pertencia à multinacional BW Offshore que, prestava serviços para a Petrobrás.

As apurações feitas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e demais órgãos fiscalizadores comprovaram que houve erros e negligência dos gestores e tanto a BW, quanto a Petrobrás foram responsabilizadas pelo acidente. No entanto, nenhum executivo foi condenado. A BW, além de subnotificar a emissão de CATs (Comunicados de Acidente de Trabalho), ainda lançou um Plano de Demissão Voluntária, onde obrigou os trabalhadores que quisessem aderir a abrir mão de processos contra a empresa. Um cipista que denunciou as irregularidades e negligências que levaram à explosão também foi arbitrariamente demitido pela BW.

Para que este e outros “acidentes” anunciados no Sistema Petrobrás não caiam no esquecimento, dirigentes da FUP e do Sindipetro ES realizaram uma mobilização nesta segunda-feira nas bases da Petrobrás no estado, reafirmando que  vidas importam e valem mais que o lucro.

Vidas ceifadas pelo lucro

Explosão no FPSO Cidade de São Mateus

Vítimas: 09 trabalhadores mortos, 26 feridos e 39 traumatizados. Segundo o Sindipetro, a maioria das famílias ainda não foi indenizada.

Crime: segundo a ANP, 28 itens do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional foram descumpridos pela BW. A principal causa da explosão foi a estocagem inadequada de condensado, que era feita com a conivência da Petrobrás, apesar de não estar prevista no contrato. O relatório não deixa dúvidas sobre a responsabilidade dos gestores no acidente: “decisões gerenciais tomadas pela Petrobrás e BW Offshore, ao longo do ciclo de vida do FPSO Cidade de São Mateus, introduziram riscos que criaram as condições necessárias para a ocorrência deste acidente maior”, apontou o relatório da ANP.

Punição: a Petrobrás foi condenada por decisão de 1ª instância administrativa a pagar multa no valor de R$ 68.350.000,00 referente às 50 infrações identificadas durante o processo de investigação realizado pela ANP. A empresa preferiu não recorrer da decisão e foi agraciada com um desconto de 30% (previsto na legislação), pagando então uma multa de R$ 47.845.000,00. Nenhum gestor foi punido ou responsabilizado.

Rompimento da barragem da Vale em Mariana

Vítimas: 19 mortos, 400 famílias desabrigadas, 500 mil pessoas afetadas em mais de 40 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo

 Crime: maior desastre ambiental do Brasil, cometido em 5 de novembro de 2015, pelas empresas Samarco, Vale e BHP BIliton, responsáveis pela barragem de resíduos de minérios de Fundão, que rompeu nos arredores da cidade mineira de Mariana.  Pelo menos 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazaram e contaminaram o Rio Doce até desaguar no Oceano Atlântico, no litoral do Espírito Santo, com consequências irreparáveis para o meio ambiente.

Punição: nenhum gestor das empresas foi punido até o momento. Em 2016, foi iniciado o julgamento de 21 diretores e ex-diretores da Samarco, Vale e BHP BIliton. O processo chegou a ser suspenso em julho de 2017 e retomado depois, sem previsão de conclusão ainda.  Das 68 multas aplicadas por órgãos ambientais, apenas uma está sendo paga, em 59 parcelas. Através de acordos feitos na Justiça, as vítimas garantiram o recebimento temporário de aluguel e uma pequena ajuda de custo mensal, mas ainda lutam por indenização.

 Rompimento da barragem da Vale em Brumadinho

Vítimas:  165 mortos, 160 desaparecidos, 393 resgatados com vida. A maioria das vítimas eram funcionários da Vale.

Crime: rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale, no dia 25 de janeiro, na Mina Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais. Informações iniciais apontam que pode ter havido fraudes nos relatórios que atestavam a segurança da barragem, além de uma série de imprudências e negligências cometidas pela empresa. Não foi acionado plano de fuga e nem as sirenes tocaram. Já é considerado o maior acidente de trabalho do país.

Punição: nenhum gestor foi punido ou responsabilizado até o momento.

 Incêndio no CT do Flamengo

 Vítimas:  10 adolescentes mortos e 03 feridos

Crime:  incêndio na madrugada do dia 08 de fevereiro no Centro de Treinamento do Flamengo, onde estavam alojados jogadores de base com idades entre 14 e 16 anos. Os meninos dormiam em containers, quando o incêndio se alastrou, causado, a princípio, por um curto circuito nos aparelhos de ar condicionado, que eram interligados.  Informações iniciais apontam que os alojamentos não tinham alvará para funcionamento, as instalações de ar condicionado tinham gambiarras e o Centro de Treinamento acumulava mais de 30 autos de infração desde 2017.

Punição: nenhum gestor foi punido ou responsabilizado até o momento.

[FUP]