Por Deyvid Bacelar, coordenador-geral da FUP
Artigo publicado originalmente no Brasil 247
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu 28 de abril como o Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho,em memória às vítimas de acidentes e doenças relacionadas à atividade laboral. Em 2021, o evento chama a atenção para o enfrentamento da Covid-19 no ambiente profissional.
É emblemático que uma das primeiras mortes por Covid-19 no Brasil,em março de 2020, tenha sido a de uma mulher de 63 anos, empregada doméstica no Rio de Janeiro, que contraiu o vírus de sua patroa, recém-chegada de viagem à Itália. Além dela, milhares detrabalhadores já perderam a vida no país por causa da doença, infectados no local de trabalho ou no trajeto, aglomerados nos transportes públicos em horários de pico.
Na Petrobrás, a pandemia se alastra. Desde março de 2020, os dados oficiais do Ministério de Minas e Energia (MME) mostram que a Petrobrás já registra 6,4 mil empregados infectados. Isso equivale a13% do total de trabalhadores e trabalhadoras do Sistema Petrobrás, hoje na casa dos 46,4 mil. Segundo os números oficiais, foram 23 mortes até a semana passada.
Esses números, porém, não refletem a realidade.
Primeiro, porque não abrangem terceirizados. Maio de 2020 foi o último mês em que o MME mencionou os terceirizados em seus boletins semanais de monitoramento da Covid-19. À época, o ministério contabilizou 151,5 mil pessoas trabalhando para a Petrobrás, entre próprios e terceirizados. Donde se conclui que para cada trabalhador próprio há dois terceirizados, e que, portanto, para cada contaminado Petrobrás podemos considerar dois terceirizados infectados. De acordo com nossos cálculos, baseados em denúncias, somando próprios e terceirizados, já são mais de 80 mortos.
Segundo, porque mesmo entre trabalhadores e trabalhadoras próprios, há subnotificação. A Petrobrás testa mal, protege mal e também não faz o devido acompanhamento epidemiológico.
A companhia ainda vive uma “caça às bruxas” desde janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República e Roberto Castello Branco, a presidência da Petrobrás (este segundo, felizmente, já se foi do cargo). Há uma pressão cada vez maior sobre trabalhadores e trabalhadoras, com condições de trabalho cada vez mais inseguras e insalubres, bem como ameaças de transferências e suspensões. Há quem escondeu a doença para não sofrer punições. Imaginem entre terceirizados.
Mas, felizmente, em meio a essa tragédia, vem crescendo o entendimento entre legisladores, juristas, pesquisadores e cientistas de que a Covid-19 é também uma doença ocupacional.
A lei previdenciária em vigor (8.213/1991) exige a comprovação de nexo causal em doenças endêmicas para que sejam consideradas laborais. O artigo 20, § 1º, consideradoença profissional “aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social”. A mesma lei considera também “doença do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”.
O problema é que a comprovação desse nexo causal ficava a cargo do trabalhador e dependia da avaliação de cada tribunal. Isso se deu também quanto à Covid-19.
No entanto, recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e Baixada Santista) considerou a Covid-19 doença ocupacional, obrigando os Correios a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para os empregados que contraírem o vírus, por entender que a empresa não tomou todas as medidas para prevenir a contaminação no ambiente de trabalho.
No caso dos petroleiros, a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), emitiu parecer científico em outubro de 2020 sobre as “contaminações por Covid-19 a bordo de plataformas e contribuições para investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás”. O documento aponta que “o diagnóstico da Covid-19 em petroleiros é presumidamente relacionado ao trabalho”.
A Petrobrás se recusa a emitir a comunicação, mas o parecer elucida o motivo. O reconhecimento da Covid-19 como doença do trabalho e a emissão da CAT implicam elevar a Taxa de Acidentes Registráveis (TAR), um dos indicadores de desempenho das empresas do setor, vinculado à dinâmica da concorrência internacional. Isso se reflete, portanto, nas ações da Petrobrás na Bolsa de Valores, sobretudo em Nova York.
A Fiocruz reforça a recomendação de emissão da CAT.“Para todos os trabalhadores petroleiros com diagnóstico de Covid-19, os empregadores devem emitir CAT e registrar o evento na Ficha do Sistema de Informações dos Agravos de Notificação (Sinan) para fins de Vigilância Epidemiológica e Vigilância em Saúde do Trabalhador.”
Estamos no pior momento da pandemia no Brasil. Já são quase 400 mil vidas perdidas, e chegamos a contabilizar mais de 4 mil mortes por dia, por causa da postura criminosa do governo Bolsonaro, que insiste em minimizar a gravidade da crise sanitária.
A Petrobrás enfrenta graves surtos de Covid-19, tanto em plataformas como em refinarias. Teima em manter paradas de manutenção, dobrando ou até triplicando o número de profissionais trabalhando presencialmente em refinarias.E continua descuidando do embarque para as plataformas.
A postura da empresa coloca em risco a vida de trabalhadores próprios e terceirizados, de seus familiares, da população das cidades onde as refinarias e heliportos estão localizados.A todo tempo, esses profissionais estão potencialmente em contato com o coronavírus, no local de trabalho ou no percurso.O nexo causal é evidente.
A Petrobrás está assumindo o risco de contaminação. Que assuma também suas responsabilidades com cada trabalhador e trabalhadora.