Para o bem e para o mal, comunicação e cultura são indissociáveis, o que torna a reflexão sobre ambas mais do que necessária, urgente. Estudos apontam que o brasileiro fica em média quatro horas diárias em frente à televisão, o equivalente a 70% de todo o tempo de que dispõe, excluído o de trabalho, transporte, alimentação e de repouso. Isso num país em que 91,3% dos mais de 53 milhões de lares possuem pelo menos um aparelho de TV. Inegavelmente um poder absurdo, que pauta o nosso cotidiano, influencia as relações interpessoais e os padrões culturais e comportamentais. Algo que deve servir para a reflexão, principalmente quando se nota a baixíssima qualidade do que é veiculado na maioria das vezes.
Enquanto alargam-se os espaços para o que vem de fora, por imposição da indústria cultural, como fica a já reduzida produção nacional? Segundo a Ancine o filme brasileiro ocupa apenas 10% do mercado nos cinemas, 5,5% na TV aberta e insignificantes 0,5% na TV por assinatura. E somente 8% dos municípios possuem sala de cinema, freqüentadas por apenas 12% da população.
As produtoras independentes, que produzem 70% da música nacional, ficam com inexpressivos 8% do espaço de difusão no rádio e TV, enquanto que os oligopólios, embora gravem só 9% da nossa imensa e rica diversidade cultural, controlam 90% do espaço de difusão em rádio e TV, impedindo que o público tenha acesso à maior parcela do que de melhor se produz em termos de música brasileira. Além de uma forma imoral e ilegal de controle pela liquidação da concorrência, este domínio é um dispositivo de censura.
O alerta do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães no artigo “Por uma política cultural eficaz” é extremamente atual para o debate que envolve a II Conferência Nacional de Cultura, a ser realizada entre os dias 11 e 14 de março em Brasília: “A sociedade brasileira se encontra hoje sob a hegemonia cultural estrangeira, em especial da produção cultural norte-americana, que decorre das estruturas de mercado que se criaram ao longo do tempo, devido à incompreensão, miopia e omissão dos governos em relação à política cultural, de comunicação e de educação. Esta omissão de política cultural, ou melhor, esta miopia da função política da cultura e das inter-relações entre produção cultural, estruturas econômicas de produção e de comercialização cultural, fizeram que, em nome da liberdade de expressão e de manifestação cultural se condenasse a ação corretora do Estado e se permitisse a formação e a ação de estruturas oligopolísticas”.
Da mesma forma que parcelas do empresariado viram na realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) indícios de uma suposta predisposição à censura – como se não fosse necessário o estabelecimento de critérios para regrar um setor tão estratégico para o imaginário coletivo – também enxergaram na de Cultura uma ameaça de “regulação”.
A privatização deste espaço público por meios meramente mercantis é agravada com a participação do capital estrangeiro na propriedade dos veículos de comunicação, que acaba fazendo tábua rasa do entretenimento saudável, da cultura, da educação e da informação. Assim, via de regra nos veem como depósito do pior da indústria cultural dos países centrais, onde despejam seus lixos enlatados, que comprometem a formação de ouvintes e telespectadores e acabam por impor um gosto estético.
A esta influência externa – que abafa a rica diversidade existente dentro dos seus próprios países – se soma a “ética” veiculada pelo coronelismo eletrônico, que barra espaço ao contraditório, criminaliza os movimentos sociais e investe contra a informação veraz e a própria auto-estima do nosso povo. Ou seja, em vez de valorização das nossas raízes, da nossa história, da nossa língua, dos nossos saberes, sabores e vivências, temos a hegemonia cultural estrangeira ou “desnacionalizada” ditando a formação do nosso imaginário social. Desta maneira acabamos nos vendo pelo espelho do outro, que nos deforma, quando não nos invisibiliza ou imbeciliza.
Investir para que a TV pública contemple, para além de sua programação, o entretenimento, com produção e veiculação de novelas de qualidade, com transmissão de jogos esportivos como o futebol – preferência nacional, e coberturas criativas do Carnaval e das mais diferentes manifestações folclóricas será uma importante contribuição para o desenvolvimento cultural, educacional e informativo do povo brasileiro.
A compreensão do papel ideológico da política cultural como imprescindível para o pleno desenvolvimento das nossas potencialidades enquanto povo e nação, aponta para o necessário resgate do papel insubstituível do Estado como agente indutor. É desta forma que melhor aproveitaremos o extraordinário potencial criativo da nossa gente, fortalecendo a geração de emprego, renda e de divisas da produção e da distribuição cultural, não deixando seu uso e abuso às forças cegas dos oligopólios.
Conforme aponta o texto base da Conferência da Cultura, “o monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante”. Daí a importância da regulamentação dos artigos referentes ao tema na Constituição Federal, particularmente “o que obriga as emissoras de rádio e televisão a adaptar sua programação ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, bem como a que estabelece a preferência que deve ser dada às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, à promoção da cultura nacional e regional e à produção independente (art. 221). Da mesma forma, cabe regulamentar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de rádio e tv (art. 223)”.
A defesa destes artigos já foi aprovada na Confecom e agora ganha importante reforço dos ativistas do setor cultural.