Enquanto o combustível sobe e trabalhadores enfrentam precarização, empresa planeja distribuir mais R$ 29,3 bi a acionistas em abril
[Por Daniel Giovanaz , especial para o Sindipetro-SP \ Edição: Guilherme Weimann]
O lucro líquido da Petrobrás em 2021 cresceu 15 vezes em relação ao ano anterior e chegou a R$ 106,6 bilhões. Os dados do 4º trimestre estão no Relatório de Desempenho Financeiro da petrolífera, publicado na última quarta-feira (23) e celebrado pelos acionistas.
Horas antes de divulgar o balanço anual, a empresa comunicou que distribuirá R$ 101,4 bilhões em lucros e dividendos. Desse montante, R$ 72,1 bilhões já foram pagos, e o restante está previsto para abril.
“A Petrobrás está fazendo aquilo que prometeu no governo Bolsonaro [PL]: se tornar uma máquina de dividendos. Praticamente todo o lucro que a empresa teve ao longo de 2021 vai passar para a mão dos acionistas”, critica Rafael Rodrigues da Costa, coordenador técnico do Centro de Economia Política do Petróleo (Ceppetro).
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“Os ganhos da Petrobrás hoje – que na prática puxam a inflação e encarecem a vida dos brasileiros –, poderiam ser empregados em investimentos, inovação ou introjetados na própria companhia, mas só estão servindo aos interesses dos acionistas. É uma obscenidade”, completa.
O Estado brasileiro (governo federal, BNDES, BNDESPar) possui 36,74% das ações da Petrobrás. Acionistas privados estrangeiros detêm 44,42%, e nacionais controlam cerca de 18,84%.
Como o aumento das despesas com transporte impactam no preço final de quase todas as mercadorias, os combustíveis foram considerados os vilões da inflação no Brasil no ano passado. O índice subiu 10,06% em 2021 e atingiu o maior patamar dos últimos 6 anos para o mês de janeiro.
Os reajustes nos postos se devem ao Preço de Paridade de Importação (PPI), adotado desde 2016, que atrela o valor cobrado dos brasileiros às flutuações do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional.
Por que as receitas dispararam
O aumento no volume de vendas no mercado interno e no preço dos combustíveis ajudam a explicar o lucro da Petrobrás em 2021.
“O volume exportado foi menor do que em 2020, mas, como os preços internacionais estão mais altos, a receita de exportação foi maior”, observa o pesquisador do Ceppetro.
O preço do barril de petróleo, ao final de 2021, estava próximo dos US$ 80. Entre 2012 e 2013, a média anual era de cerca de US$ 110, mas os resultados da Petrobrás não eram tão expressivos. O membro do Observatório Social da Petrobrás e do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), Eric Gil Dantas, explica como a taxa de câmbio impacta no cálculo final.
“A média de preço do barril de petróleo vendido em 2021 ficou em US$ 70,73, e em 2012 foi de US$ 111,27. No entanto, a taxa de câmbio saltou de R$ 1,67 por dólar em 2012 para R$ 5,40 reais por dólar no ano passado. Isto é, em moeda nacional o preço do barril vendido pela Petrobrás em 2021 ficou em R$ 382, muito superior a qualquer outro ano”, ressalta.
“Nos postos e revendas, os derivados de petróleo alcançaram suas maiores marcas históricas. Como 60% das receitas líquidas da estatal advêm dos produtos derivados de petróleo, o preço no mercado interno é determinante para os resultados da empresa”, acrescenta Dantas.
O desmonte por trás dos lucros
Outro fator que inflou o resultado da Petrobrás foi a privatização de ativos. Em 2021, a empresa concluiu a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), em São Francisco do Conde (BA), por US$ 1,8 bilhão – em valores atualizados, cerca de R$ 9,3 bilhões.
Além da RLAM, que representa cerca de 13% da capacidade de refino do Brasil, a Petrobrás vendeu a BR Distribuidora, campos de petróleo na Bahia e fazendas eólicas no Rio Grande do Norte.
“Houve uma entrada significativa de dinheiro a partir das vendas de ativos, e essa política de desinvestimento terá sérias consequências para o futuro da companhia”, alerta Rafael Rodrigues da Costa, do Ceppetro.
Entre os impactos do desinvestimento, denunciados pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), estão a precarização das condições de trabalho e o sucateamento de equipamentos – que já produzem vítimas.
Menos de uma semana antes da divulgação dos lucros da Petrobrás, o caldeireiro José Arnaldo de Amorim faleceu durante parada de manutenção de uma das unidades da refinaria de Duque de Caxias (RJ). O trabalhador, terceirizado da empresa C3 Engenharia, desmaiou após a inalação de uma substância tóxica no último sábado (19), foi resgatado 40 minutos depois, mas não resistiu.