O governo Temer tende a se atolar cada vez mais nos próprios erros e na corrupção. É um governo cada vez mais antipopular e instável. O navio começou a afundar. Se o povo for para a rua, como indicou que está indo nas manifestações contra a reforma da Previdência no dia 15 de março, é possível até uma antecipação das eleições. A avaliação é de João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que esteve no Rio Grande do Sul na semana passada para participar da 14ª Abertura da Colheita do Arroz Agroecológico, em Nova Santa Rita. Em entrevista ao Sul21, Stédile analisou a conjuntura política nacional, apontou as contradições do governo Temer e defendeu o lançamento da candidatura de Lula à presidência da República.
“Lula é o único líder popular que dialoga com as massas. Então, ele tem que ser o nosso porta-voz, percorrendo o Brasil e fazendo grandes atividades para debater com o povo essa crise e a saída para ela”, defende. Para Stédile, esse debate, além de um projeto emergencial para enfrentar a crise, precisa também começar a pensar um novo projeto de país em termos distintos daqueles que presidiram os governos Lula e Dilma:
“Com a derrota da Dilma, foi derrotada também aquela proposta do modelo neodesenvolvimentista e a proposta de um governo baseado na conciliação de classe, onde todos ganhavam. Essas duas estratégias foram derrotadas. Quando falamos, portanto, em construir um novo projeto de país isso significa também construir um novo modelo econômico e um novo formato de governo, mais popular, que encaminhe o Brasil para outro rumo”.
A essência do golpe, diz ainda Stédile, é uma tentativa do grande capital, diante da crise, recuperar as taxas de lucros de suas empresas, aumentando a exploração sobre os trabalhadores, promovendo desemprego para diminuir sua folha de pagamento e se apropriando de recursos públicos. Ele cita estimativa feita pelo economista Marcio Pochmann, segundo a qual, somente em 2016, o setor privado se apropriou de R$ 260 bilhões que estavam destinados a políticas públicas.
Mais de seis meses depois da votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff no Senado, como você definiria o momento político e econômico que o Brasil vive hoje?
Estamos vivendo uma conjuntura muito complexa e muito instável. A sociedade brasileira, desde 2010, vive uma situação de grave crise econômica. Desde aquele ano, a nossa economia não cresce. Já são sete anos de estagnação, portanto. Sempre que há crise econômica, em qualquer país do mundo, as classes se desarrumam na política. Para usar a metáfora do navio, citada recentemente pelo nosso ministro do Exército, o navio começou a afundar. E quando o navio começa a fundar, as classes querem pegar o seu barco e se salvar, acabando com qualquer pacto no Titanic…
Vira um deus nos acuda…
Exato. É um deus nos acuda. Foi isso que aconteceu no Brasil. A burguesia, que já tinha controle absoluto da mídia e do Poder Judiciário, investiu seis bilhões de reais na eleição de 2014 para controlar o Congresso Nacional e o Executivo. No caso do Congresso, foram bem-sucedidos e elegeram o parlamento mais conservador da história do Brasil. No Executivo, eles esperavam derrotar a Dilma, mas foram surpreendidos. A partir daí, passaram a conspirar o tempo inteiro para dar o golpe, que acabou sendo consumado graças à conjugação da crise econômica com um erro crasso cometido pelo governo Dilma.
Que erro foi esse?
Colocar como ministro da Fazenda um homem neoliberal que aplicou uma política econômica contra o povo. Isso ajudou a criar as condições políticas para que eles dessem o golpe e não houvesse a defesa do povo em relação ao governo. O povo não foi para a rua defender o governo Dilma. Durante todo o ano de 2016, nós, os setores organizados, ficamos tentando empurrar o povo pra rua, dizendo “vem, que o golpe é contra você”, mas o povo não acreditou, achando que o golpe era só contra a Dilma e contra os corruptos. Temer assumiu a presidência, no entanto, ele não é fruto de um processo de unidade da classe burguesa, o que faz com que tenha um governo instável.
A essência do golpe é uma tentativa da burguesia, diante da crise, recuperar as taxas de lucros de suas empresas, aumentando a exploração sobre os trabalhadores, promovendo desemprego para diminuir sua folha de pagamento e se apropriando de recursos públicos. Segundo estimativa feita pelo economista Marcio Pochmann, somente em 2016, a burguesia brasileira se apropriou de R$ 260 bilhões que estavam destinados a políticas públicas. Outro objetivo do golpe é subordinar a economia brasileira a dos Estados Unidos. Fizeram isso em 1964 e quiseram repetir agora. Só não entenderam que o capitalismo está em crise e não virá para cá para investir, mas somente para aumentar os seus lucros.
Hoje nós temos pelo menos quatro polos de poder político que se posicionam na luta de classes no Brasil. O primeiro é o poder econômico, representado pelo Henrique Meirelles no governo. As empresas que integram esse poder estão interessadas em recuperar a sua taxa de lucro. O segundo polo é formado pelos lumpens (degradados) da política que detém o poder político no Congresso, mas, objetivamente, não tem força na sociedade. São figuras como o Eliseu Padilha, o Romero Jucá e o próprio Temer. É o núcleo lumpen da burguesia que age em proveito próprio e não em proveito da classe.
O terceiro polo, o mais perigoso, é o núcleo ideológico, comandando pela Globo, pelo Dallagnol (coordenador da Força Tarefa Lava Jato), pela Procuradoria Geral da República e pelo Poder Judiciário. Esse núcleo está fazendo uma luta ideológica contra nós. Eles sabem que a crise do capitalismo é grave e precisam impedir que as ideias de esquerda avancem. Para isso, ficam repetindo o tempo todo que a esquerda é corrupta. Quem inventou a corrupção foi o Estado burguês. E o quarto núcleo, que não está se manifestando, mas ainda tem poder, é representado pelas Forças Armadas, que estão apavoradas com o que está acontecendo no Brasil.
Esse núcleo representado pelas Forças Armadas vem dando algum sinal mais objetivo dessa insatisfação?
Sim. Um deles foi a entrevista que o comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, gaúcho de Cruz Alta, concedeu em fevereiro ao Valor, quando disse que o país está à deriva. A sociedade não entendeu a gravidade do que ele disse e a mídia não se interessou muito em repercutir. O governo golpista está aprofundando cada vez mais as políticas antipovo e, mesmo assim, não consegue tirar a economia da crise. O resultado disso é um governo cada vez mais antipopular e instável, o que pode dar em qualquer coisa.
Eu fiquei muito satisfeito com o balanço do que aconteceu nos dias 8 e 15 de março. Foi um termômetro. A classe trabalhadora começou a se mexer. Quem foi para as manifestações no dia 15 não foi mais a estudantada indignada, mas a classe trabalhadora, que tem uma capacidade de multiplicação muito grande. Ao querer mexer com a aposentadoria, eles avançaram muito na ousadia deles, pois essa questão afeta todas as famílias.
Há quem considere uma possível candidatura de Lula em 2018 como uma chave para a superação da crise atual. Como vê essa questão?
Desde o final do ano passado, estamos em campanha aberta para que Lula assuma o comando. Na atual conjuntura, creio que ele tem dois papeis fundamentais a cumprir. Primeiro, ele é o único líder popular que dialoga com as massas. Então, ele tem que ser o nosso porta-voz, percorrendo o Brasil e fazendo grandes atividades para debater com o povo essa crise e a saída para ela. Ao fazer isso, ele se tornará o candidato natural das esquerdas, podendo eventualmente fazer alianças com outros setores. Lula é o nosso principal representante para disputar as eleições e sua candidatura é fundamental para a correlação de forças. Sobre isso não há dúvida e acho que ele já se convenceu. Lula deve conduzir uma caravana nacional de denúncia do governo Temer.
Ficam ainda pendentes, como parte da conjuntura, dois outros elementos. O governo Temer tende a se atolar cada vez mais nos próprios erros e na corrupção. Se o povo for para a rua, creio que aquele quarto fator representado pelas Forças Armadas pode pressionar o governo para que haja uma renúncia, o que permitiria anteciparmos as eleições. Essa antecipação seria a situação ideal e necessária para devolvermos ao povo o direito de escolher seus representantes, já que os que estão aí não representam ninguém. Mas isso não depende da minha vontade, depende da correlação de forças. Na pior das hipóteses, devemos ter eleições em 2018, com Lula se candidatando.
Outro desafio que está posto nesta mesma conjuntura é que precisamos começar a debater um plano de emergência para tirar o país da crise. Precisamos dizer ao povo que isso que está aí não é resultado do desígnio divino, mas sim de uma armadilha que os capitalistas armaram contra o povo brasileiro, e que é possível sair da crise com políticas econômicas de distribuição de renda, a favor do mercado interno e do povo que é a melhor coisa que o Brasil tem.
Juntamente com esse debate sobre um projeto emergencial, teríamos alguns meses para ir debatendo com as forças organizadas um novo projeto de país. Com a derrota da Dilma, foi derrotada também aquela proposta do modelo neodesenvolvimentista e a proposta de um governo baseado na conciliação de classe, onde todos ganhavam. Essas duas estratégias foram derrotadas. Quando falamos, portanto, em construir um novo projeto de país isso significa também construir um novo modelo econômico e um novo formato de governo, mais popular, que encaminhe o Brasil para outro rumo.
Está em curso também um movimento para tentar impedir a candidatura de Lula em 2018. O tema de uma possível prisão de Lula ainda frequenta o noticiário. Na sua avaliação, essa ainda é uma ameaça real?
Essa era a vontade do time deles. Eles precisavam inviabilizar a candidatura do Lula, mas, como disse antes, eles têm as suas contradições. A situação é diferente daquela vivida no golpe de 64 ou no governo Fernando Henrique, quando a burguesia conseguiu construir uma unidade. Agora, eles estão divididos naqueles quatro polos que citei. Eles perderam muito tempo para inviabilizar a candidatura do Lula. Em março do ano passado, tentaram prendê-lo. Quem salvou Lula em Congonhas? O brigadeiro Rossatto, gaúcho de Caxias do Sul, para quem o ex-presidente da República continua carregando a simbologia de chefe das Forças Armadas. Ele não permitiu que a Polícia Federal levasse Lula para Curitiba. Foi algo civilizatório. O Brasil precisa ter regras e espero que os militares nos ajudem a respeitá-las.
Além disso, a Globo faz pesquisas semanais sobre a opinião do povo, não só para orientar as suas novelas, mas também para orientar as suas editorias. Nestas pesquisas, eles perguntam lá pelas tantas: e se prenderem o Lula? O povo tem reagido sistematicamente contra isso. Então, eles ficaram com medo. Mesmo o núcleo ideológico, que tem a Globo na mão, recuou e parou de pedir a prisão do Lula. Eles sabem que há uma grande parcela da população, que nem vota no Lula necessariamente, que não deixaria isso acontecer.
Um terceiro fator a ser considerado está relacionado ao tempo judicial. Os nossos advogados dizem que, considerando os ritos judiciais, eles já deveriam ter condenado o Lula já em primeira instância para dar o tempo necessário para o encaminhamento do recurso e do julgamento em segunda instância, de modo a cassar os seus direitos políticos em, digamos, agosto do ano que vem. Esse tempo já foi. A primeira audiência dele na Lava Jato será no dia 3 de maio. Vamos supor que, pela vontade deles, condenem Lula no final do ano, não há mais tempo hábil para uma condenação em segunda instância. Aí a vida deles começa a ficar complicada.
Felizmente, parece que o PT criou juízo e o Lula se convenceu de que é preciso começar a percorrer o país como candidato a presidente. Isso altera também a correlação de forças. Uma coisa é você acusá-lo de ser acionista da Friboi, o que é uma estupidez; outra, é tentar prender um candidato à presidência da República, o que seria outra burrice muito grande. Se houvesse essa tentativa, acho que o Lula deveria manter a candidatura e transformaríamos a campanha eleitoral numa verdadeira disputa de projetos.
VIA Rede Brasil Atual