CUT
Quase 30 anos após o fim da ditadura militar, centenas de militantes, lideranças sindicais e trabalhadores/as realizaram na manhã desta segunda-feira (22) o ato sindical unitário.
A atividade organizada pelo Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” da Comissão Nacional da Verdade (CNV) – formado em abril deste ano – apresentou ao conjunto da sociedade as ações do GT responsável por investigar casos de violência, tortura, desaparecimentos e assassinatos cometidos contra a classe trabalhadora durante o regime militar.
Depoimentos emocionados e reveladores rememoraram a história de resistência e luta e mais uma vez contestaram a ‘versão oficial’ divulgada pelos opressores e respaldada pelos livros de história. Consenso entre os participantes, o período ditatorial brasileiro (1964-1985) foi caracterizado como um golpe autoritário e ilegítimo, de caráter classista e, ao mesmo tempo, reorganizador do sistema capitalista e do modelo político desenvolvimentista.
Segundo a coordenadora da CNV, Rosa Cardoso, “a ditadura impôs à classe trabalhadora sucessivos mecanismos de ataque aos direitos sindicais e trabalhistas – como a lei antigreve e o arrocho salarial – que implicou numa acumulação econômica às empresas que estavam ao lado do regime. São manchas do período que precisam ser lembradas e expostas para a sociedade”, afirmou.
Somente no primeiro dia do golpe (1º de abril de 1964), 409 sindicatos, duas Confederações e seis Federações sofreram intervenções, chegando em alguns locais a serem colocados tanques de guerra em frente às entidades. Apenas nas primeiras semanas foram presas cerca de 50 mil pessoas. Todos aqueles considerados suspeitos perderam a sua filiação aos sindicatos.
Violação de direitos – o local escolhido para a realização do ato, destacou José Luís del Roio, um dos fundadores da Aliança Libertadora Nacional (ALN) junto com Carlos Marighella, possui grande simbologia. Hoje Sindicato Nacional dos Aposentados, à época abrigava o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, centro do ódio da repressão.
Logo após o golpe, recorda, o sindicato sofreu nas mãos dos interventores, que atearam fogo na sede e destruíram todos os materiais ali existentes. “Foi um golpe antinacional e antioperário, visando aumentar a concentração do capital nas mãos de poucos a partir da exploração da classe trabalhadora. Conseguimos romper com a ditadura, mas há uma grande dívida com os trabalhadores já que ainda não conquistamos a recomposição dos salários, os direitos que nos foram retirados e os carrascos que devem pagar pelas atrocidades que cometeram”, opinou.
Segundo o secretário nacional de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, a Central – desde a sua fundação – sempre esteve na linha de frente combatendo a ditadura e construindo a resistência dos trabalhadores. “Com este ato, trazemos para a agenda política a importância de a Comissão Nacional da Verdade e do grupo dos trabalhadores com seus 11 pontos prioritários, posição afirmada em nota divulgada recentemente pelo Grupo, reiterar que se não fosse a organização e resistência dos trabalhadores o golpe não teria caído em 1985”, afirmou.
De acordo com o secretário de Políticas Sociais da CUT-SP, João Batista Gomes, “o capítulo aberto dentro da CNV para apurar as perseguições e mortes dos trabalhadores/as deve incentivar que cada sindicato dentro da sua base dê início imediato ao levantamento das informações”. Em São Paulo, a CUT realizará uma reunião com as suas entidades no dia 1º/8 para iniciar este trabalho.
Para João, caso não haja tempo suficiente, será preciso ampliar o prazo para a Comissão investigar os casos. “Depois que as informações estiverem levantadas, o passo seguinte será a punição dos torturadores”.
Marcio Kieller, vice-presidente da CUT-PR e representante da Central na Comissão Estadual da Verdade, apontou que foi deliberado no Estado um calendário de oitivas públicas. Em Curitiba, a audiência está marcada para setembro, onde será realizada uma reparação simbólica dos mandatos dos deputados cassados na década de 40 e também na ditadura militar.
Sobre as apurações, Rosa Cardoso destacou que um dos principais acervos está no Ministério do Trabalho. “Solicitamos ao órgão a disponibilidade do arquivo e, a partir disso, iniciaremos o processo de audiências públicas”. Segundo ela, esses materiais apresentam informações de quantos sindicatos sofrerem intervenção e quantas lideranças foram cassadas no período do golpe.
Greve de 83: caminho para a redemocratização – fundamental para o processo de cessão da ditadura militar, a greve geral do dia 21 de julho de 1983 mobilizou mais de dois milhões de trabalhadores/as do setor público e privado.
Com a greve, a classe trabalhadora expressava seu repúdio às medidas de arrocho salarial que serviam apenas para alimentar a especulação e aumentar ainda mais a exploração e a miséria.
A classe trabalhadora saiu às ruas de forma pacífica para dizer ao governo militar que a prioridade para o desenvolvimento passava pelo fortalecimento do mercado interno, com redução das taxas de juros e moratória da dívida externa, pondo fim a especulação financeira e permitindo a aplicação dos recursos públicos em setores vitais para a maioria da população, extinguindo, assim, a verdadeira fonte de inflação e desemprego.
Djalma Bom, que integrou a Comissão Nacional Pró-CUT e esteve na organização da greve na região do ABC, recorda que a repressão atuou de forma ostensiva, inclusive contra os jornalistas que estavam cobrindo as movimentações na região.
Nos concentramos no Paço Municipal e saímos em caminhada pelo município de São Bernardo do Campo até a Praça da Matriz, onde todo o aparato policial estava concentrado. Informaram aos presentes que se em 5 minutos os trabalhadores não se dispersassem a polícia iria ‘tocar’ o cassetete. Os trabalhadores resolveram se dirigir ao Salão Paroquial, mas mesmo assim jogaram bombas de gás contra a Igreja. Ao sairmos do local, diversos trabalhadores foram agredidos.
A greve de 83 foi, sim, uma referência, porém não podemos esquecer os vários movimentos e greves anteriores que contribuíram para que este movimento fosse organizado com sucesso”, atentou.
Para Arnaldo Gonçalves, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos, a organização da classe trabalhadora foi fundamental para o restabelecimento democrático. “Por isso a nossa luta pela reparação não só política e econômica, mas uma reparação da história que destaque a participação dos trabalhadores na trincheira de luta pela democracia”, concluiu.
Próximas ações– no dia 30/7, o GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” irá se reunir em São Paulo para discutir o levantamento de informações e o calendário das audiências.
“Vamos fazer um calendário de audiências públicas convocando pessoas e entidades, ouvindo depoimentos, buscando trazer a público o conjunto de arquivos com nome, referências de local e o maior número de informações possíveis. Nossa expectativa é que consigamos fazer uma profunda apuração dos fatos para que, ao final, a Comissão Nacional da Verdade possa cumprir seus objetivos, apresentando um completo e consistente relatório que colabore na reparação política e material a todos os dirigentes sindicais, trabalhadores e familiares das vítimas do golpe”, afirmou Solaney.