Com ato nacional, CUT oficializa abertura do mês da consciência negra

CUT

Imagine uma escola particular onde há uma maioria de alunos negros e uma minoria de brancos. Uma segregação social e racial evidente, enraizada em atos preconceituosos e discriminatórios impetrados por alunos negros dentro da própria sala de aula. Professores, também em sua maioria negros, que estimulam e dão vozes a história oficial que destaca os negros como classe dominante e os brancos escravizados. Uma menina branca sonhadora e esforçada, Maria, que tem como objetivo ser “Miss Festa Junina” em seu colégio, numa luta contra a lógica social que vai desde a superação do modelo de beleza imposto pela mídia hegemônica, com hostilização do branco e valorização do negro, a empatia dos colegas de escola e a dificuldade para vender os bilhetes por conta principalmente de sua pele/cor.

Sim, esta não é uma história real, mas o enredo ficcional do documentário “Vista Minha Pele”, do cineasta Joel Zito, apresentado nesta terça-feira (6) durante o ato pela igualdade racial, no trabalho e na vida que oficializou a abertura do mês da consciência negra na CUT.

Uma paródia sob o aspecto social e racial da sociedade brasileira repleta de simbologia, onde a inversão de papeis em situações do dia a dia desnuda o preconceito, a discriminação e a mídia segregatória ainda existente em pleno século 21.

O cineasta, que também possui outras produções com a temática racial (Filhos do Vento e Raça), afirmou que o curta-metragem foi baseado em uma pesquisa sobre como as crianças negras se sentiam dentro das escolas. Solidão, medo, olhar discriminador dos professores e dos colegas, são aspectos que faziam/em parte do cotidiano da maioria dos alunos.

“É uma inversão de papeis para ilustrar a importância de se aprofundar o debate sobre a questão racial dentro da sociedade, na escola, em casa, nos espaços públicos. Eu, que tenho uma relação com a CUT desde a sua fundação, creio que avançamos bastante. Não é como antigamente que somente os militantes debatiam a questão racial. Houve uma emergência de consciência. Hoje, faz parte da agenda nacional a compreensão da dimensão racial como estratégica para nos consolidarmos como umas das maiores economias do mundo”, declarou Zito.

As situações cotidianas vivenciadas pelos personagens levaram o público presente, entre sindicalistas, assessores e convidados, homens e mulheres, a momentos de reflexão, perplexidade e diversão. “O título do documentário (Vista Minha Pele) é repleto de simbologia e representatividade. Ainda hoje vivencio no meu cotidiano situações constrangedoras de associação negro/pobre. Por exemplo, como integrante do programa de fidelidade da TAM, tenho alguns benefícios. Já houve casos em que estava na fila de embarque especial e fui abordada por um funcionário perguntando somente a mim, negra, se estava na fila correta. Todos os outros, brancos, passavam sem serem questionados”, relatou Carmen Foro, vice-presidente da CUT.

Durante a mesa temática, o presidente da CUT, Vagner Freitas, recordou que a Central sempre teve o papel de vanguarda na organização de ações de combate ao racismo e ao preconceito e que isto faz a CUT diferente das outras centrais sindicais. “Temos que ter mais ações afirmativas. Há uma dificuldade dos sindicatos compreenderem a importância de inserir dentro das suas convenções coletivas e do debate sobre a negociação salarial claúsulas que abordam a questão racial. Um ponto de grande importância seria a garantia de cotas raciais na contratação de trabalho. Não há nada neste sentido hoje. Existem algumas boas propostas, mas que ainda não se efetivaram”, lamentou.

De acordo com Vagner, sem ações afirmativas e políticas públicas não há reparação da dívida histórica e a consolidação de um processo permanente de transformação social. “É uma luta com corte classista muito forte. Fazer o enfrentamento nos aspectos comportamental e preconceituoso, mas também econômico, porque há uma clara apropiação da força de trabalho por parte da burguesia impetrando aos/as negros/as salários mais baixos e ocupações mais precárias com o objetivo de constituir vantagens econômicas. O movimento sindical necessita ter clareza destas diferenças, buscando ações afirmativas e políticas públicas nos seus estados e municípios.”

Para Eunice Léa de Moraes, representante da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a luta deve ser balizada em dois aspectos estruturantes: racismo e sexismo.

Se o preconceito é evidente na sociedade, muito pior é para as mulheres negras em todas as perspectivas. Na saúde, por exemplo, dados do Relatório Anual das Desigualdades Raciais (2009-2010) comprovam a existência do preconceito e discriminação no tratamento de mulheres brancas e negras nos serviços públicos, com as negras tendo maiores dificuldades ao acesso à exames relacionados a saúde sexual e reprodutiva. Desigualdade no atendimento que se relaciona diretamente à mortalidade materna que acomete com maior proporcionalidade às mulheres negras, sendo que metade dos óbitos relacionados ao aborto são por ação espontânea.

“Por isso, é tão importante fortalecermos a agenda da Secretaria com o movimento social e sindical consolidando ações de promoção da igualdade racial e dos direitos, combatendo este alto índice de mortalidade das mulheres, da juventude negra e o preconceito e discriminação racial”, destacou.

Martvs das Chagas, representando a Fundação Cultural Palmares, militante do movimento estudantil e sindical, lembrou em sua fala que a CUT atua de maneira efetiva contra a desigualdade racial desde os anos 80 e que a partir deste enfrentamento histórico muito já foi conquistado. “Para evidenciar o quanto já avançamos, naquela época lutávamos contra o racismo e discriminação. Continuamos sim, destacando estes pontos, mas agora queremos também igualdade de oportunidades, mais e melhores empregos, educação, saúde. Tudo isso é fruto da mobilização dos movimentos sociais negros, desde a realização da grande marcha à Brasília em 1995 que foi um marco efetivo e que colocou este debate em evidência na sociedade”.

CUT protagonista – A ideia de iniciar as ações no começo do mês, segundo Maria Julia Nogueira, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, é fazer um diálogo com as estaduais e ramos para que em todo o Brasil se consolidem ações marcando não só o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), mas todo o mês de novembro.

 

“Uma agenda repleta de atividades por todo o País, fortalecendo a participação da militância CUTista, pensando ações que possam combater efetivamente o preconceito e a discriminação”, declarou.

 

Além de marcar o mês com atos, manifestações e eventos culturais, a CUT destacará o ínicio da Década Internacional dos Povos Afrodescendentes em dezembro, uma ação da Organização das Nações Unidas (ONU) cujo objetivo é superar os desafios e aprofundar o debate sobre as reivindicações dos/as negros/as de todo o mundo.

 

Abaixo, segue uma lista com as atividades já confirmadas para o mês de novembro:

 

Alagoas – mesa redonda: Ser Negro/a no Mundo do Trabalho, no Sindicato dos Bancários, dia 14 de novembro, às 19 horas, com a presença da secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT.

 

Ceará – seminário sobre Igualdade Racial, no dia 20 de novembro, às 9 horas. Atividade da CUT-CE, FENADADOS e Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados do Ceará com a presença da secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT.

 

Mato Grosso – lançamento da cartilha “Mercado de Trabalho e Igualdade Racial – Subsídios para Negociação Coletiva“, publicação da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo. Ato ocorrerá no Sindicato dos Bancários, no dia 26, em Cuiabá/MT com a presença de Maria Julia e da ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros.

 

Norte Fluminense/RJ – o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense promove no dia 12 de novembro um show popular às 19h na Praça Veríssimo de Mello, em Macaé com o grupo Makala Música e Dança, que faz parte do projeto AfroRegggae.

 

Paraná – audiência pública com o tema: “Mulher Negra e o Mercado de Trabalho“ em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra, às 9 horas, no dia 20 de novembro. Haverá também o lançamento da cartilha “Mercado de Trabalho e Igualdade Racial “

 

São Paulo – confecção de um jornal especial para o mês: clique aqui para visualizar. O enfrentamento à violência contra os jovens negros será foco principal dos debates nos eventos programados pela CUT São Paulo e pelos movimentos sociais para comemorar o Dia da Consciência Negra no próximo 20 de novembro.