MST
A proximidade entre alguns dos mais importantes aquíferos subterrâneos do país e as áreas com potencial para a descoberta de reservas não convencionais de óleo e gás, como o gás de xisto, levou cientistas brasileiros a reivindicar a suspensão de concessões com esse tipo de reservas.
O objetivo é intensificar estudos sobre a atividade para evitar a contaminação da água usada para consumo humano e irrigação. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) planeja para novembro a primeira rodada de licitações de áreas com potencial para reservas não convencionais.
O pedido de suspensão do leilão foi feito pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em carta endereçada à Presidência da República, ministérios e autarquias relacionados à área energética . "Embora a tecnologia de extração tenha se desenvolvido muito, é preciso aprofundar estudos sobre as áreas", diz o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Energia e Meio Ambiente e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jaílson Andrade. "As principais reservas estão abaixo de alguns dos principais aquíferos brasileiros", completa.
Andrade cita como exemplo a Bacia do Paraná, considerada uma das mais promissoras para a busca por reservas não convencionais, que está sob o Aquífero Guarani, como é conhecido um complexo de mananciais subterrâneos que ocupa uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados do Mato Grosso ao Uruguai, passando por outros sete estados brasileiros, pelo leste do Paraguai e o nordeste da Argentina. A bacia foi incluída entre as áreas que serão ofertadas no leilão, segundo resolução publicada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no início de agosto.
Além do Paraná, serão licitadas áreas nas bacias do Acre, Parecis (MT), São Francisco (MG), e Parnaíba (MA/PI). Em todos os casos, há mananciais subterrâneos, como Solimões, Parecis, Urucuia e Itapecuru, respectivamente. Além do risco de contaminação pelos poços, diz Andrade, é preciso estudar a origem e o destino da água utilizada no processo de fraturamento hidráulico, tecnologia para ampliar a recuperação de óleo e gás em jazidas não convencionais – assim chamadas porque não se encontram em reservatórios com pouca porosidade.
O fraturamento hidráulico provoca rachaduras na rocha, permitindo a saída do gás. Para isso, usa grandes volumes de água, areia e componentes químicos. Nos Estados Unidos, onde a atividade cresceu exponencialmente nos últimos anos, há uma série de denúncias com relação à contaminação de mananciais com componentes químicos usados na perfuração dos poços. "Em tese, temos uma legislação ambiental e regulatória que é mais que suficiente (para garantir a exploração de jazidas não convencionais). Mas sempre que surge uma tecnologia nova, surge a necessidade de nova regulação", comenta a advogada especialista Andrea Carrasco, do escritório Dannemann Siemsen.
Ela cita a definição de competências entre os órgãos ambientais como uma das questões pendentes. Por se tratar de exploração em terra,diz ela, a competência é estadual, mas o Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pode vir a ter algum papel no licenciamento. Até o momento, a empresa que mais perto chegou da exploração de gás de xisto no Brasil é a Petra, que tem descobertas no norte de Minas Gerais mas ainda avalia o plano de desenvolvimento das jazidas.
A ANP diz que a licitação tem por objetivo ampliar o conhecimento do subsolo brasileiro, com a busca de informações sobre o potencial de reservas não convencionais. Estudo concluído em agosto pela consultoria Advanced Resources International, sob encomenda da Agência de Informações em Energia do governo dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês), coloca o Brasil na 10ª posição entre os países mais promissores neste segmento, com recursos potenciais de 245 trilhões de pés cúbicos – ou quase 7 trilhões de metros cúbicos, sete vezes as reservas provadas de gás no país atualmente.
Nos Estados Unidos, a produção de gás de xisto é vista como um importante passo para a redução da dependência energética do país. Os efeitos econômicos da atividade, como geração de empregos e, principalmente, a redução do preço da energia são usados como argumento para defender a aceleração da exploração no Brasil. "No nosso caso, por melhor que seja a exploração, não temos como chegar ao preço do gás verificado nos Estados Unidos, porque não temos a malha de gasodutos que eles têm", rebate o professor Andrade. "Além disso, temos outras frentes, como o pré-sal e o etanol. Estão colocando urgência em uma coisa que não é urgente."