Carlinhos Cachoeira, royalties e a seca do Nordeste

Mossoró, cidade do estado do Rio Grande do Norte (RN), esteve nimiamente na mídia, em função do mais novo escândalo do Planalto Central. A cidade potiguar serviu de cela ao Sr. Carlos Augusto Ramos,  Carlinhos Cachoeira, empresário de jogos ilegais, e motivo de CPMI no Congresso Nacional.

Porém não é arruído jornalistico o fato de aquela mesma cidade está incluída entre os 139 municípios do RN decretados em situação de emergência, por mais “uma terrível seca”. Como o destaque é apenas para o preso lustrado e suas ramificações demostianas ou mefistofelenas, não releva o fato de essa urbe ser uma das 800 cidades que recebem royalties e participações especiais de petróleo no Brasil. Entre os anos de 1999 e 2011, Mossoró recebeu 249 milhões de reais de royalties de petróleo.

Destacamos uma outra grande destinatária da crescente receita de royalties do petróleo no RN, a cidade de Guamaré, entre os anos de 1999 a 2011 recebeu 216 milhões de reais, também está inserida no mesmo decreto emergencial para a seca.

Ainda no Nordeste, a falta de chuva vai atingir, em Sergipe, uma recebedora de fartos royalties – a cidade de Canindé do São Francisco, que aconchegou em sua tesouraria, de 1997 a 2011, 79 milhões de reais. Diferentemente das duas primeiras, Canindé não recebe royalties pela exploração de petróleo, mas “royalties de água”, que é distribuída para cerca de 700 municípios.

Essa polis possui dentro das suas fronteiras a Hidrelétrica de Xingó, no Rio São Francisco, que lhe derrama suas margens. A exemplo das outras duas, Canindé também está prescrita em decreto de emergência.

Partindo de Canindé do São Francisco, singrando águas do Velho Chico rumo a sua nascente, encontra-se rio acima, na vizinha Bahia, a cidade de Paulo Afonso, que também é grande recebedora de royalties, e igualmente está inserida em decreto governamental, em função de estiagem.

Diferentemente de Mossoró, que teve no Cachoeira uma fonte de problemas, a Cachoeira de Paulo Afonso é alfaia de deslumbrante beleza e generosa receita para a cidade de mesmo nome. Dos frutos de “royalties de água”, esta cidade foi aquinhoada, entre os anos de 1997 e 2011, com 195 milhões de reais.

O recebimento de royalties posiciona todas as quatro cidades entre os maiores PIB per capita (Ppc) dos seus estados, e mesmo do país. Guamaré possui um Ppc de 90 mil reais. É o maior Ppc do seu estado e o 20º do Brasil. O Canindé possui o 2º Ppc de Sergipe, e um dos maiores do Brasil. Entre os mais de 400 municípios da Bahia, Paulo Afonso ocupa a 16º posição no Ppc.

No tocante às suas diferenças, observa-se que os decretos de situação de emergência, igualam municípios abissalmente desiguais, como Guamaré e Serra do São Bento no RN; esse último possui um Ppc de apenas R$ 3.314,72 (Três mil, trezentos e quatorze reais e setenta e dois centavos). Juntam-se e / ou juntaram no mesmo decreto o primeiro e o último Ppc do RN. Exemplo similar vê-se em Sergipe, pois idêntico decreto iguala Canindé à cidade de Poço Verde, que por possuir um Ppc de R$ 4.484,70 (Quatro mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais e setenta centavos), localiza-se também entre os mais baixos Ppc do Brasil.

Desconsideradas as diferenças acima explicitadas, os milhões liberados pelo Ministério da Integração Nacional para “financiar ações de socorro às vítimas da seca” deverão ser distribuídos igualmente, fazendo circularem os tristes, mas “necessários”, carros-pipas pelos empoeirados rincões nordestinos.

É por demais abstruso que cidades com receitas generosas de royalties, sejam de petróleo e gás, sejam royalties de água ou tecnicamente falando “Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos – CFURH”, estejam em situação de calamidade pública, a exigir aporte de recursos da União.

Temos defendido a aplicação do conceito de doença holandesa de tipo diferente, para caracterizar a situação sócio econômica dos municípios produtores de petróleo no Brasil. Análise de estudos dos estados da BA, SE, RN, RJ e ES habilita a utilização do conceito.

A doença holandesa denomina e interpreta o fato de que países detentores de grandes recursos naturais não conseguem replicar essa riqueza nos seus indicadores econômicos e sociais, conformando a maldição dos recursos naturais. Ao perscrutar os municípios produtores de petróleo nos estados acima, identifica-se um claro hiato entre receitas orçamentárias e indicadores de desenvolvimento humano.

Os recentes decretos da seca, a principio, nos permitem ampliar a utilização do conceito de doença holandesa de tipo diferente, aplicando-o também aos municípios recebedores de CFURH.

A exemplo do que ocorre com os royalties de petróleo, os royalties de água não possuem uma destinação específica. Diferentemente de outros recursos como os destinados à saúde e educação por exemplo. Os royalties vão para a conta única dos municípios, sendo utilizados ao bel prazer dos alcaides.

O conúbio com a absoluta liberdade para gastar, sem preciso controle social de conteúdo popular, explica o fato de a cidade de Mossoró ter gasto, no ano de 2000, recursos superiores a 1 milhão de reais com cada vereador do munícipio. Mesmo ambiente que levou a prisão o prefeito de Presidente Kennedy no Espirito Santo, outro grande recebedor de royalties de petróleo, por desvio de mais de 50 milhões de reais dos cofres municipais.

Infelizmente, o movimento em curso no Congresso Nacional em torno dos royalties de petróleo e gás foca efetivamente apenas com a distribuição quantitativa desses recursos. Questões fundamentais tais como: a) Quais os setores nos quais poderão ser aplicados os recursos dos royalties. b) Mecanismos de controle social de conteúdo popular têm passado ao largo de questão tão nua.

*Frederico L. Romão – Dr. em Ciências Sociais/Unicamp, Prof. voluntário do Departamento de Serviço Social/UFS