Brumadinho, um dos maiores acidentes de trabalho da história do Brasil

 

Manchada mais uma vez pela lama, Minas Gerais revive um misto de dor e revolta. Desta vez, ambos os sentimentos são agravados pela dimensão da tragédia de Brumadinho e pela impunidade contra a responsável por mais um crime ambiental no Estado: a mineradora Vale.

No último dia 25, uma barragem de rejeitos de minério de ferro da Mina Córrego do Feijão se rompeu levando consigo inúmeras vidas. A maior parte das vítimas eram funcionários da empresa, que estariam no refeitório ou no prédio administrativo da Vale, ambos localizados na rota da lama.

Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), o crime da Vale em Brumadinho já é considerado “um dos maiores acidentes de trabalho já registrados no Brasil”. Em nota, o órgão afirmou ainda que “estima-se que este seja o mais grave evento de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil”.

Paulo Henrique Ventura do Carmo, de 37 anos, é funcionário da empresa Resgate.com, terceirizada da Vale na área de saúde e segurança. Ele atua como socorrista na Mina do Córrego do Feijão e estaria trabalhando no momento do rompimento da barragem, não fosse um pedido de troca de turno feito por um colega. Ele soube da tragédia pelo WhatsApp e, ao ligar para um colega socorrista, é que teve a confirmação.

“Eu liguei pro meu colega que estava de plantão na hora porque eu não estava acreditando. Então, ele tinha acabado de descer até um ponto onde dava para ver o mar de lama carregando tudo e me disse: ‘está tudo tampado, não dá pra ver mais nada’”.

Paulo Henrique conta que atuava no socorro a vítimas de acidente ou funcionários que, porventura, se sentissem mal na empresa. Também recolhia animais peçonhentos nas dependências da Vale e soltava na mata em volta – era nesse tipo de serviço que ele tinha contato com a barragem. “Eu sempre ia lá soltar cobras, nunca vi nenhum problema ou nenhum tipo de vazamento”.

No entanto, ele afirma que, após a tragédia, ouviu dizer que no dia 25 uma equipe teria sido acionada para verificar um vazamento. No entanto, antes de mesmo de chegarem ao local ou logo em seguida, a barragem se rompeu. As sirenes não foram tocadas e o treinamento de evacuação realizado pela empresa um mês antes não serviu de nada.

“Uma das maiores exigências do governo, desde o rompimento da barragem de Mariana, era a realização de treinamentos. Em dezembro aconteceu o último, envolvendo toda a comunidade e orientando os funcionários a não correrem nem pegarem carros em caso de acidente pois haveria riscos de atropelamentos e etc. Mas, no dia da tragédia, a sirene não tocou e só se salvou quem conseguiu pegar uma caminhonete”, conta. Ele acredita ainda que, se a sirene tivesse soado, os trabalhadores que se encontravam no refeitório da empresa poderiam ter se salvado.

Na tragédia, Paulo Henrique perdeu vários amigos e conhecidos, além de um cunhado e um irmão, ambos funcionários da Vale. O cunhado teve o corpo enterrado na segunda-feira (28). Já o irmão foi localizado e enterrado na última quarta-feira (30).

“Todo mundo aqui em Brumadinho perdeu um parente ou um amigo. Estão todos emocionalmente muito abalados”, disse. Ele afirmou ainda não ter tido apoio da Vale até o momento.

Quanto vale a vida?

Com 150 mortos confirmados e 182 desaparecidos, a tragédia anunciada de Brumadinho trouxe à tona uma das deturpações causadas pela reforma trabalhista, que limitou a indenização das vítimas por “dano moral gravíssimo” a 50 vezes o valor do salário.

Na prática, significa que os trabalhadores e familiares das vítimas da Vale que cobrarem na Justiça dano moral receberão indenizações diferentes, de acordo com os seus salários, de no máximo 50 remunerações. Ou seja, a reforma trabalhista herdada dos golpistas estipulou que a vida vale 50 vezes o salário do trabalhador. Quem ganha mais, vale mais.

“Se um trabalhador morre no trabalho, a família pode reivindicar na Justiça do Trabalho, uma indenização pelo dano moral significado pela morte. A condenação do patrão dependerá de a família conseguir comprovar a culpa do patrão, ou seja, que o acidente decorreu de negligência, imperícia, ou imprudência do patrão, ou que se deu em situação na qual o patrão tinha responsabilidade total pela vida da vítima; claro, dependerá também da boa vontade do juiz. Essa indenização terá um teto de 50 vezes o último salário do falecido. Além desse valor, serão devidas somente as verbas trabalhistas e, no máximo, uma pensão aos dependentes econômicos do falecido, em percentual do salário. Claro, isso se o juiz assim decidir. O fato é que a vida, em si, vale no máximo 50 salários”, explica o assessor jurídico da FUP, Normando Rodrigues.

Segundo apurou o jornal  Brasil de Fato, entre mortos e desaparecidos em Brumadinho, 130 eram trabalhadores diretos da Vale e 179, terceirizados ou moradores. No local, trabalhavam 613 empregados diretos.

Mina Córrego do Feijão

A Mina Córrego do Feijão fica localizada próxima à Mina de Jangada, em Brumadinho. Ambas formam o Complexo do Paraopeba que, em 11 de dezembro de 2018, obteve licença do Conselho Estadual de Política Ambiental, ligado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas, para ampliar sua capacidade produtiva de 10,6 milhões de toneladas/ano para 17 milhões de toneladas/ano. Já a Barragem 1 que se rompeu estava sem receber novos rejeitos desde 2015, mas ainda não havia sido desativada.

Segundo o socorrista Paulo Henrique Ventura do Carmo, até o ano passado, a Vale mantinha dois escritórios administrativos. “Em dezembro do ano passado, a empresa integrou o pessoal de Jangada ao de Feijão, de forma a economizar no transporte. Assim, foram transferidos mais de 100 funcionários, mantendo no alto apenas uma equipe de socorro que era a minha e um pessoal da mecânica. Não fosse essa mudança, mais gente teria se salvado”, relatou.

Ele conta ainda que, tanto o refeitório da empresa quanto a área administrativa da Vale ficavam no caminho da lama e, recorrentemente, se ouvia dizer entre os funcionários que, se a barragem se rompesse, atingiria os prédios. No entanto, essa parece nunca ter sido uma possibilidade levada a sério.


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*Informações atualizadas na quarta-feira (06/02)

[Com Sindipetro-MG]