O governo brasileiro manifesta claramente que quer se tornar líder mundial de uma nova matriz energética, a chamada bioenergia. O esforço desprendido – de inegável timing político – vem provocando reações diversas, algumas apocalípticas e outras, falsamente ingênuas, como a de empresários que ousam dizer que não há trabalho análogo ao escravo no campo brasileiro.
A CUT entrou na discussão e propôs que essa cadeia produtiva seja alvo de uma regulamentação clara e precisa. O desafio da nossa Central é lutar para que os trabalhadores estejam no centro de qualquer projeto de desenvolvimento. Isso inclui a manutenção e ampliação dos direitos trabalhistas, o estabelecimento de relações de trabalho dignas e também o destino dos recursos naturais do Brasil prioritariamente para o seu povo.
Por isso propusemos a criação de um grupo de trabalho, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), para diagnosticar os problemas existentes na produção dos chamados biocombustíveis e, então, elaborar normas para os procedimentos e padrões de avaliação.
Quando o fizemos, nosso objetivo era garantir a dignidade dos trabalhadores. Outras preocupações foram incorporadas aos propósitos do grupo, como é próprio de um fórum composto por diferentes atores sociais, mas todos gravitando em torno das questões propostas pela Central.
Para a CUT há alguns pontos, entre os objetivos expressos do grupo de trabalho, prioritários: levantar e analisar problemas e distorções em todas as etapas de produção e impactos em relação ao meio ambiente e relações do trabalho; viabilização dos investimentos públicos como fator de promoção de desenvolvimento com eqüidade; estabelecimento de regras claras para garantir terras necessárias à produção de alimentos e para promover o desenvolvimento sustentável.
Ainda é cedo para saber se os resultados desse grupo serão traduzidos em projeto de lei ou instrução normativa. Mas desde já temos claro que o Estado brasileiro deve exercer ascendência inequívoca sobre o setor. Os primeiros sinais são positivos nesse sentido. Vários ministérios e órgãos estatais –como o BNDES, o Inmetro e a Embrapa – foram convocados a participar. Queremos também que os sindicatos participem do controle e da fiscalização.
Fui indagado ontem por uma jornalista se o CDES – que volta a ser chamado de Conselhão, após um longo período no anonimato – tem força política suficiente para fazer valer uma nova realidade. Torço para que sim, mas acredito que a preocupação é prematura. Antes de mais nada, será necessário enfrentar um debate ideológico feroz no interior do Conselho.
Outro obstáculo é a indiferença dos meios de comunicação, que embora estejam acompanhando as reuniões do Conselhão, saem de lá sempre com as mesmas notícias: superficialidade e imediatismo. É importante que a opinião dos trabalhadores sobre como o Brasil deve tratar a bioenergia chegue a grandes parcelas da sociedade.
Buscar a liderança no setor de bioenergia envolve riscos muito sérios. Se atualmente cortadores de cana morrem de cansaço, como detectaram pesquisas in loco da professora Maria Aparecida de Moraes Silva, da Unesp, na região de Ribeirão Preto, e as notícias sobre libertação de trabalhadores em regime escravo nos deixam entrever um pouco do que ocorre nos rincões do Brasil, não é difícil imaginar o custo humano de um projeto desse porte que corresse solto.