Acordo Minicom-teles renega papel estratégico do Estado e interesse nacional em prol dos monopólios privados…
Escrito por Leonardo Severo
O ato da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e da Campanha Banda Larga é um direito seu reuniu mais de uma centena de lideranças sindicais, estudantis, femininas e comunitárias, parlamentares e blogueiros, segunda-feira à noite, no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, em repúdio ao “termo de compromisso” assinado pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, com as empresas de telecomunicações.
“O acordo tem vários problemas e revela a ausência de uma política de longo prazo para o setor das comunicações. Revela também uma concepção política que renega o papel estratégico do Estado e o interesse nacional em prol dos monopólios privados. Não há como garantir o direito de todos os cidadãos a uma internet barata e de qualidade sem ações efetivas do Estado na regulação e na prestação do serviço. Afora essa dimensão política geral, o acordo evidencia outros problemas de várias ordens”, alerta o manifesto aprovado por aclamação no evento.
O documento também reivindica que “o governo federal garanta recursos e volte a investir na Telebrás como instrumento de políticas públicas e regulação econômica do setor, como promotora de franca competição e atendimento às necessidades das diversas localidades em que a empresa tem condições de atuar”. Assim, “a Telebrás, que poderia ter um papel de forçar as empresas de telecomunicações a se mexer, investir em infraestrutura e baixar seus preços, está cada vez mais se transformando em estrutura de apoio para as próprias teles. O problema maior, neste momento, não é nem a empresa deixar de prestar serviço ao usuário final, mas sim o fato de ela ter perdido boa parte dos recursos e deixado de ter o papel de tirar as empresas privadas de sua ‘zona de conforto’, com uma política agressiva de provocar competição por meio de acordos com pequenos provedores locais”.
Conforme Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT, que dirigiu o ato pela CMS, “o acordo com as teles estabelece uma banda lenta, cara e sem universalização, num formato que não aponta para o controle de tarifas, metas de qualidade e continuidade, fortalecendo a concentração nas faixas e locais de maior poder aquisitivo”. Como se isso não bastasse, alertou Rosane, estão previstos outros abusos inaceitáveis como a “velocidade tartaruga, a prática ilegal da venda casada, cláusulas que permitem que as multas às teles virem investimento e o completo abandono da área rural”.
Membros da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação com Participação Popular, os deputados federais Ivan Valente (PSOL-SP) e Luiza Erundina (PSB-SP) exortaram os manifestantes a se manterem vigilantes e mobilizados, atuando também dentro do Congresso Nacional para “barrar retrocessos”. Segundo os dois parlamentares, o acordo é intolerável, “tanto pela forma quanto pelo conteúdo”, pois até mesmo as sanções antes existentes acabaram sendo transformadas em benefício das próprias empresas.
Em nome do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), a advogada Veridiana Alimonti denunciou que a Telebrás vem perdendo centralidade, o que tem acarretado inúmeros prejuízos aos usuários: “direito não se concretiza no mercado, mas com o Estado sendo protagonista. Daí a importância de se fortalecer a Telebrás para que tenhamos serviços de qualidade, que levem em conta o tamanho do Brasil”.
Representando o Coletivo Intervozes, João Brant lembrou que “no mundo inteiro o Estado tem um papel central na regulação ou na ação direta de provimento dos serviços, algo que está sendo abandonado neste acordo assinado com as teles. A lógica da internet como direito cai fora, concedendo ao monopólio privado direitos sem contrapartidas”.
O presidente do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, Altamiro Borges, disse que “o governo está encarando a questão da banda larga como negociação no varejo e problema fiscal”. “Como reconheceu o próprio Paulo Bernardo, estamos diante de um plano chinfrim, que massifica uma carroça e gera segregação. As teles tiveram recentemente R$ 160 bilhões de faturamento. Precisamos de uma estratégia no sentido da democratização da comunicação”, ressaltou Miro.
O secretário de Comunicação da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Roberto Guido, apontou a importância da democratização das novas tecnologias para o aprimoramento da educação no país. “Para fugir do cuspe e giz precisamos engrossar este caldo em defesa de um efetivo Plano Nacional de Banda Larga, com investimento público”, acrescentou.
Para Ernesto Shuji Izumi, secretário de Imprensa e Comunicação do Sindicato dos Bancários de São Paulo, é fundamental que o conjunto do movimento sindical se aproprie do tema e dê visibilidade em seus órgãos de divulgação, “preparando e mobilizando as diferentes categorias para o embate, potencializando ações pela democratização”.
O presidente estadual da CGTB-SP, Paulo Sabóia, defendeu o fortalecimento da Telebrás como uma das ações “fundamentais para o desenvolvimento da nação brasileira”, fazendo o necessário contraponto à extorsão praticada pelas teles, “empresas que cobram caro e são recordistas de reclamações pela porcaria dos serviços prestados”.
Entre os pontos elencados no documento da CMS está a reivindicação de que o “o governo construa uma política estratégica de médio e longo prazo para o setor das telecomunicações, a partir da definição da banda larga como serviço prestado em regime público, de forma a garantir a expansão constante das redes e a universalização progressiva do serviço, na linha das propostas aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)”. “A definição de regime público não significa que deve ser apenas prestado pelo Estado, mas que podem ser exigidas das empresas privadas metas de universalização, controle de tarifas, garantias de qualidade e continuidade do serviço e gestão pública das redes”, sublinha o documento.
Ao final do evento foi aprovada a proposta apresentada por João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), de realização de uma grande manifestação no dia 25 de agosto em frente ao Ministério das Comunicações, em Brasília. As entidades também decidiram reforçar a solicitação já enviada pela CMS de uma audiência com a presidenta Dilma Rousseff para tratar do PNBL e do novo marco regulatório da comunicação.
Entre outras lideranças prestigiaram o evento o novo presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Daniel Iliescu; o vice-presidente da CTB, Nivaldo Santana; o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Guto Camargo; Sérgio Amadeu, professor de pós-graduação de Comunicação da Faculdade Cásper Líbero; Fátima Zanon, diretora da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) e os blogueiros Luiz Carlos Azenha (Viomundo) e Rodrigo Vianna (Escrevinhador).
Abaixo, a íntegra do documento aprovado pela CMS
O PNBL e a urgência de retomar um projeto estratégico para as comunicações
No final de junho, o Governo Federal fechou um acordo com as empresas de telecomunicações para garantir banda larga de 1 Mbps a R$ 35 em todos os municípios do país até o fim de 2014. À primeira vista, a medida soou como um avanço. Especialmente na região Norte e em áreas mais distantes dos grandes centros urbanos, é a primeira vez em que o serviço será oferecido a um preço razoavelmente acessível.
Contudo, o acordo tem vários problemas e revela a ausência de uma política de longo prazo para o setor das comunicações. Revela também uma concepção política que renega o papel estratégico do Estado e o interesse nacional em prol dos monopólios privados. Não há como garantir o direito de todos os cidadãos a uma internet barata e de qualidade sem ações efetivas do Estado na regulação e na prestação do serviço. Afora essa dimensão política geral, o acordo evidencia outros problemas de várias ordens:
1. O pacote definido no termo de compromisso é limitado e diferenciado, cheio de restrições escritas em letras miúdas, e está longe de garantir a universalização do serviço. Os termos de compromisso assinados foram moldados a partir da disposição das empresas – como consequência, são bons para as teles e completamente insuficientes para os usuários. O termo cria um pacote popular com franquia de download (isto é, limite de uso da internet), promove venda casada com a telefonia fixa e não garante o serviço para todos os cidadãos – ele pode ficar restrito às áreas mais rentáveis dos municípios. Além disso, o instrumento jurídico de termo de compromisso é bastante precário e expressa a dificuldade do governo em impor metas mantendo a prestação do serviço em regime privado. É inadmissível, por exemplo, que se possibilite que as sanções em caso de não cumprimento das metas sejam transformadas em investimentos nas redes privadas.
2. A velocidade estabelecida está fora do que já hoje é considerado banda larga. Se considerado que o valor vai ser alcançado só em 2014, ainda pior. Apenas para se ter uma ideia, o Plano Nacional de Banda Larga dos EUA prevê universalização da internet com 75% da população tendo velocidade de 100 Mbps em 2020, e velocidade mínima de 4 Mbps. O plano brasileiro propõe a oferta em larga escala de serviços de 5 Mbps em 2015, mas não estabelece nenhuma obrigação nem dá qualquer garantia de que isso vá de fato ocorrer;
3. Embora o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) englobe várias outras ações de políticas públicas, este acordo condiciona as políticas de longo prazo e todas as outras ações a serem tocadas no âmbito do plano. Concretamente, ele deixa pouco espaço para se avançar além do que foi acertado com as operadoras agora, sem estabelecer como meta a universalização do serviço, sem garantir controle de tarifas e deixando na mão das empresas as redes construídas a partir de recursos provenientes do serviço público de telefonia fixa;
4. A questão das redes é justamente um dos problemas sérios da ausência de políticas de longo prazo. Na prática, os recursos para o cumprimento das metas do PNBL virão da cobrança da assinatura básica da telefonia fixa. Isso significa que um serviço prestado em regime público, cujos investimentos deveriam resultar em bens públicos (a serem devolvidos à União ao final do período de concessão), ajudará a financiar redes privadas, sobre as quais pesam poucas obrigações de serviço público;
5. A Telebrás, que poderia ter um papel de forçar as empresas de telecomunicações a se mexer, investir em infraestrutura e baixar seus preços, está cada vez mais se transformando em estrutura de apoio para as próprias teles. O problema maior, neste momento, não é nem a empresa deixar de prestar serviço ao usuário final, mas sim o fato de ela ter perdido boa parte dos recursos e deixado de ter o papel de tirar as empresas privadas de sua ‘zona de conforto’, com uma política agressiva de provocar competição por meio de acordos com pequenos provedores locais;
6. O serviço de banda larga tem hoje problemas graves para o consumidor, e essa expansão está sendo pensada sem resolver esses problemas nem garantir parâmetros mínimos de qualidade. Estão previstas resoluções da Anatel sobre isso até 31 de outubro, mas é preciso pressionar para que elas de fato garantam o interesse público e sejam efetivas;
7. A Anatel, que deveria ter o papel de defender o interesse do usuário, não tem atuado desta forma. A agência assume que não tem controlado a venda de bens reversíveis (bens que estão na mão das concessionárias mas são essenciais à prestação de serviços e não poderiam ser negociados sem autorização), estabeleceu um Plano Geral de Metas de Universalização para a telefonia fixa que não cria nenhuma nova obrigação para as empresas e não tem sido capaz de garantir a expansão do serviço para as áreas rurais;
Frente a esses fatos, movimentos sociais reunidos na CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) e as organizações participantes da campanha Banda Larga é um direito seu! manifestam sua preocupação com os rumos do PNBL e apresentam as seguintes reivindicações:
· Que o Governo Federal construa uma política estratégica de médio e longo prazo para o setor das telecomunicações, a partir da definição da banda larga como serviço prestado em regime público, de forma a garantir a expansão constante das redes e a universalização progressiva do serviço, na linha das propostas aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação. A definição de regime público não significa que deve ser apenas prestado pelo Estado, mas que podem ser exigidas das empresas privadas metas de universalização, controle de tarifas, garantias de qualidade e continuidade do serviço e gestão pública das redes;
· Que o Governo Federal garanta recursos e volte a investir na Telebrás como instrumento de políticas públicas e regulação econômica do setor, como promotora de franca competição e atendimento às necessidades das diversas localidades em que a empresa tem condições de atuar;
· Que o Governo Federal e a Anatel garantam a universalização dos serviços de internet na área rural com oferta adequada e barata em todo o país;
· Que a Anatel aprove regulamentos de qualidade e metas de competição que imponham obrigações que garantam de fato o interesse público, em condições proporcionais às capacidades técnica e financeira de cada empresa;
· Que o Governo Federal incorpore o tema da banda larga ao debate sobre um novo marco regulatório para o setor das comunicações, tratando-os de forma combinada, por meio da revisão da Lei Geral das Telecomunicações e da definição de uma política que garanta o caráter público das redes;
· Que o Governo Federal retome o diálogo com as entidades do campo popular para pensar um projeto estratégico para as comunicações e discutir as políticas públicas para o setor.