A extensão das linhas de metrô de São Paulo certamente está aquém do que uma região metropolitana do porte da paulistana necessita. Mas a importância central da rede de trilhos subterrâneos que serve à circulação diária de pelo menos 4,5 milhões de pessoas, considerando-se as viagens apenas no Metrô, ou de até 7,5 milhões de pessoas, levando em conta quem faz baldeações pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), coloca os metroviários na posição de uma das categorias mais poderosas da metrópole. Afinal, os metroviários podem parar a cidade sem necessidade de convocar grandes manifestações em vias públicas, mas cruzando os braços.
Prova disso é a greve que durou cinco dias ininterruptos e foi suspensa na segunda-feira (9), a três dias da abertura da Copa do Mundo na Arena Corinthians, em Itaquera, e à revelia da Justiça do Trabalho, que julgou a paralisação abusiva e decretou multa de R$ 500 mil por dia de continuidade dos movimentos. Nos quatro primeiros dias de paralisação, não houve grandes passeatas ou atos políticos de impacto, mas o fechamento de mais da metade das 65 estações do sistema foi suficiente para bater recordes de congestionamento e atrapalhar o ir e vir do paulistano. O Metrô seguiu funcionando parcialmente apenas porque o governo estadual desviou um grupo de técnicos e supervisores para operar os trens, função que, para os funcionários de carreira, toma seis meses de treinamento antes de ser desempenhada.
Por coincidência, sorte ou azar do sindicato, que representa 9,5 mil trabalhadores, o torneio internacional de futebol é realizado no mesmo período da campanha salarial dos metroviários, e o sistema de trilhos, além de ser o mais prático para que os turistas estrangeiros conheçam a cidade, é também uma das principais ligações ao palco do jogo de abertura entre Brasil e Croácia, na quinta-feira (12). Prefeitura e governo do estado de São Paulo confiam no Expresso Copa, trem que promete ligar a Luz às estações Corinthians-Itaquera e Artur Alvim, à frente das duas entradas do estádio, em cerca de 20 minutos. O expresso está no sistema da CPTM, onde as operações não foram interrompidas. Mesmo assim, a visibilidade atraída pelo evento e a dependência de São Paulo em relação ao Metrô dão fôlego à categoria.
Em 2012, por exemplo, uma paralisação foi deflagrada exatamente no dia 5 de junho, mesma data de início da greve deste ano, mas a movimentação não teve força para continuar depois de um dia e a garantia de aumento real de apenas 1,94%. Este ano, a paralisação chegou a segunda maior realizada pela categoria, atrás da greve de 1982, que durou seis dias. Para os trabalhadores, o contexto atípico significou uma oportunidade para tentar avançar bandeiras que estiveram estancadas nos últimos anos.
O salário foi uma questão central da greve, e não apenas pelas negociações. Enquanto defendia as reivindicações por ganho salarial de dois dígitos, acima de 10%, o sindicato teve ainda de enfrentar o senso comum de que a categoria já é muito bem remunerada em relação aos demais servidores públicos, argumento utilizado para diminuir a mobilização. De fato, o salário mais alto pago na companhia, aos diretores, impressiona: são R$ 21 mil, contra R$ 1,3 mil pagos aos funcionários que recebem o piso – os cargos de diretoria, porém, são comissionados, preenchidos por indicação. Os concursados, em sua maioria, são agentes de estação ou de segurança, além dos trabalhadores da manutenção, com salários de até R$ 4 mil. As reivindicações têm muito mais a ver com trabalhar sob uma demanda que não para de crescer: dados do Metrô dão conta de que, entre 2011 e 2013, o sistema passou a receber 100 mil passageiros a mais por dia, enquanto os funcionários da casa receberam poucos reforços. Um dos mais de 100 itens da pauta original dos metroviários era a contratação de mais profissionais.
“Ainda estamos absorvendo o aumento de passageiros que recebemos na época do Bilhete Único”, relembra Jussara de Oliveira, 53, operadora de trens há 12 anos. “No Metrô, parece que a coisa não caminha. As obras de expansão demoram demais, dão problema; hoje mesmo, pouco antes da assembleia.” No mesmo dia em que Jussara conversa com a RBA, uma das vigas instaladas para o futuro monotrilho da Linha 17-Ouro despencou sobre a avenida Washington Luís, deixando um operário morto e dois feridos. A Assembleia dedica um minuto de silêncio às vítimas do acidente.
Marcelo Costa, 48, é agente de segurança do Metrô há 12 anos, e rechaça a ideia de que a categoria deveria deixar de lutar por melhores condições por conta de seu patamar atual de direitos. “Não tem essa de quem ganha mais. Todos têm de brigar por mais direitos. Somos uma categoria que brigou para ganhar, briga para manter e briga para ampliar”, resume. Ele diz que seus rendimentos estão na média de seus colegas da segurança pública, e reclama da forma de contratação do Metrô, com cada vez mais terceirizados. “Cada contratação é com uma regra, com um piso diferente. Isso não é certo.”
Depois que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) demitiu 42 trabalhadores e se negou a reabrir diálogo, no entanto, a pauta única da categoria é o cancelamento das dispensas. Diego Aparecido Madureira, agente de segurança há cinco anos e meio, recebeu na segunda-feira (9) sua carta de demissão a partir do mesmo dia. O motivo dado pelo governador para as dispensas foi a participação em piquetes, mas Madureira afirma não ter participado de nenhuma das ações do sindicato. “Posso provar que estava em outros lugares durante as paralisações. Quando começou a greve, eu fiquei em casa e aguardei o desfecho”, conta. Ele espera que o governo do estado aceite diálogo com o sindicato ou com as centrais sindicais que ofereceram apoio à causa dos trabalhadores para que as demissões sejam revertidas.
Costa foi um dos que votou pela atual diretoria e pela independência do sindicato em relação às centrais sindicais, em 2011. “Não me pego em siglas, em partidos. Votei na direção atual porque as propostas deles pareciam mais adequadas à luta da categoria, e a direção anterior estava aí há muito tempo”, conta. Jussara também prefere não se alinhar a entidades ou partidos. “Os meninos que estão aí são radicais, vêm de partidos menores, com outras perspectivas eleitorais. As pessoas estão revoltadas, então é bom”, avalia. Ela acredita que a atual reaproximação com as centrais sindicais para forçar o diálogo com o governador permitirá “peneirar” quem está ou não ao lado da categoria, mas diz que também votou pela independência do sindicato.
O atual presidente da entidade, Altino Prazeres, e sua diretoria assumiram o comando do sindicato em 2011, depois de uma disputa acirrada nas eleições. Altino é militante do PSTU e compôs chapa com outros companheiros de partido e setores independentes. A vitória foi um ponto fora da curva nas disputas sindicais dos metroviários. Desde 1981, quando foi fundada, a entidade de classe da categoria sempre fora conduzida por diretorias alinhadas à CTB e à CUT, centrais sindicais cujas lideranças militam majoritariamente por PCdoB e PT. No plebiscito que decidiu a independência em relação a centrais sindicais, Altino defendeu a filiação à CSP-Conlutas, próxima de seu partido e do Psol. Os metroviários preferiram a neutralidade.
À mesma época, pelo aparente distanciamento da política institucional, a entidade atraiu a simpatia de militantes ligados ao Movimento Passe Livre (MPL), que tiveram influência visível sobre as paralisações deste ano, em que os metroviários assumiram a proposta de liberação das catracas do metrô em troca da paralisação do serviço durante a greve. O desafio ao governo do estado, que se recusou a aceitar a proposta, avançou ao ponto de o sindicato oferecer a troca de um dia de salário dos trabalhadores pela tarifa zero.
A estratégia, além de colocar o governador Geraldo Alckmin (PSDB) na parede, tinha ainda o objetivo de amenizar a aversão à luta dos trabalhadores por parte da população, e somar às pautas da categoria aquelas que se tornaram pertinentes ao conjunto da sociedade após os protestos de junho de 2013, iniciados em São Paulo pelo próprio MPL. Outros grupos estudantis, como a Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (Anel), também se aproximaram, além do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que chegou a realizar atos semanais com mais de 20 mil pessoas. A parceria não começou agora. Em agosto do ano passado, MPL, MTST e metroviários divulgaram juntos as denúncias do “propinoduto tucano”, esquema de cartel em licitações de trem e metrô que envolve diversos digentes tucanos das gestões de Mário Covas, José Serra e do próprio Alckmin.
A denúncia ao esquema de corrupção que levou o Ministério Público a solicitar pagamento de R$ 2,5 bilhões às empresas envolvidas foi a primeira coincidência que uniu os metroviários aos movimentos que alimentam os protestos de rua. A segunda foi a coincidência entre campanha salarial e época de Copa. Altino diz que gosta de futebol, é santista e irá assistir ao torneio. Mas tem sido um dos principais defensores, dentro da entidade, da adoção de um discurso crítico em relação ao evento. Em sua perspectiva, a realização e o debate sobre sua organização colocou em evidência os lucros vultosos gerados aos empresários, o que alimentou a indisposição da sociedade. Mas, desde que a campanha salarial deste ano se acirrou e a greve se aproximou da data de início da Copa, o sindicalista tem sido cauteloso em ressaltar que não foi por causa da Copa que a categoria decidiu cruzar os braços.
Durante a tentativa de reconciliação no Tribunal Regional do Trabalho no dia 5, a vice-presidenta judicial do TRT, desembargadora Rilma Aparecida Hemetério chegou a fazer uma crítica à pressa da categoria, lembrando que, em anos anteriores, era comum a negociação se estender por meses. Altino negou que a motivação seja atrapalhar o evento, e voltou à tese da coincidência. “Não temos culpa se marcaram a Copa justamente nesse período”, afirma Altino. “Não estamos em manifestações que dizem que vão cancelar a Copa. Não é nossa visão e nem achamos que haja ambiente político para isso. Queremos dar a visão crítica, por isso pedimos transporte ‘padrão Fifa’ nos coletes que usamos durante a campanha salarial. É um grupo muito grande. Mas tem uma visão mais crítica que o normal.”
Para o ex-presidente do sindicato e atual presidente da CTB de São Paulo, Onofre Gonçalves, a pressão no primeiro semestre é normal e a Copa só acrescenta ingredientes à agenda anual dos sindicatos, mas não chega a despertar a antipatia dos metroviários de maneira real. “Na Copa, nós queremos ver a bola rolar. Agora, queremos também um salário, queremos que o governo negocie, atenda. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. E, às vezes, a categoria se irrita de querer misturar uma coisa com a outra”, critica o ex-dirigente.
Desde junho do ano passado, também é possível encontrar Altino em atos dos mais variados, seja pela tarifa zero ou ao lado do MTST. A aproximação com grupos que extrapolam as demandas internas da categoria aumentou a presença de militantes diversos nas assembleias da categoria. A relação é de união, mas há atritos. Na assembleia que decretou a suspensão da greve após cinco dias, um início de tumulto envolveu metroviários e um grupo de jovens apoiadores da greve que vaiava o discurso de um sindicalista, embora não pertencessem à categoria. Os simpatizantes do movimento acabaram afastados da quadra do sindicato onde era realizada a votação.
Altino ressalta que as manifestações de junho do ano passado, por terem uma pauta atrelada à questão da mobilidade urbana e uma repercussão inédita, “entraram na alma” das pessoas e produziram um ambiente mais favorável à mobilização política, incluindo a dos trabalhadores por melhores salários e o seu questionamento por toda a estrutura do sistema metroferroviário. Na interpretação do sindicalista, outro ingrediente de junho que motiva as pessoas neste momento é a percepção de que as condições de vida pioraram nos últimos anos, em contraste com os indicadores econômicos que demonstram a continuidade do desemprego em taxas abaixo dos 5%, valorização de 72% do salário mínimo na última década e mais de 90% dos acordos salariais com aumento real em relação à inflação desde 2008.
“A passagem aumenta e a sensação é que o salário não aumenta junto”, resume. Altino avalia que as revoltas de junho de 2013 criaram o ambiente para que o incômodo se transforme em reação. “Sem junho, a sensação seria de incerteza. Com junho, ficou o sentimento de que é possível mudar. Tanto é que teve categoria que passou por cima dos sindicatos”, pondera, lembrando que, durante a movimentação dos rodoviários de São Paulo, uma semana antes da greve do Metrô, motoristas e cobradores insatisfeitos com o acordo firmado entre patrões e sindicalistas paralisaram a cidade por dois dias. “A mobilização entrou mesmo na alma das pessoas. Isso é muito importante, a psicologia das massas. As pessoas não querem mais ficar paradas, assistindo, querem participar”, afirma.
Fonte: Rede Brasil Atual
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