As mazelas da privatização dos aeroportos brasileiros

"A segurança vai virar uma atividade secundária, o que aumentará os riscos de acidentes”, exalta Francisco Lemos, do Sina.





Brasil de Fato

Com o nome pomposo de “Programa Nacional de Desestatização”, o governo já pavimentou todo o caminho para a transferência à iniciativa privada de três aeroportos do país: Guarulhos, Viracopos (São Paulo) e o de Brasília. A Infraero, empresa pública responsável por administrar os 66 aeroportos (além de outros terminais aéreos, como agrupamentos de navegação aérea e terminais logísticos de carga), o que corresponde a 97% do movimento do transporte no ar do país, já concedeu oficialmente à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) a “responsabilidade por executar e acompanhar o processo de concessão dos aeroportos em tela”, segundo seu portal oficial. A Secretaria de Aviação Civil divulgou no dia 16 os lances mínimos para leilão dos três aeroportos que serão concedidos a empresas privadas até maio de 2012, com prazo de concessão que vai de 20 anos (Guarulhos) até 30 (Viracopos). 

O Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina) denuncia que a concessão à iniciativa privada corresponde à privatização, o que gera um risco de precarização das atividades-fim, aumentando a insegurança dos passageiros e pilotos e a possibilidade de acidentes. Nessa entrevista, Francisco Lemos, presidente do Sina, alerta para a segregação social decorrente desse processo, pois o interesse central passa a ser o lucro, e o público-alvo, quem pode comprar. Ele afirma que a greve da categoria, prevista para esta semana, não é por uma questão corporativista, mas para alertar a sociedade para o risco concreto de precarização e insegurança iminentes. Por isso se articulam com movimentos sociais e outros sindicatos nesta mobilização. “A sociedade precisa se unir e mandar o recado para o governo”, afirma. O Sina previa uma paralisação nos dias 20 e 21 de outubro.

 

Brasil de Fato – Quais são as principais reivindicações dos aeroportuários nas atuais mobilizações?

Francisco Lemos – A nossa reivindicação principal é que as atividades-fim dos aeroportos, ou seja, não só a navegação aérea, mas a operacionalidade, a manutenção especializada, a segurança e a operacionalidade dos terminais de carga fiquem na mão do Estado, porque se esses serviços forem terceirizados, precarizados, é um risco muito grande. Apenas 2% dos acidentes aéreos no mundo ocorrem em voo, 98% dos acidentes de toda a história da aviação ocorreram no processo de pouso ou de decolagem. Os fatores que contribuem para esses acidentes estão vinculados à infraestrutura aeroportuária, à deficiência dos equipamentos, das condições de pátio e pista, ou na programação do aeroporto, não só no controle de voo. Tirar essas responsabilidades do Estado e colocar na mão do empresariado, que está visando apenas ganhar dinheiro com a área comercial, é um risco muito grande. Acho que o empresariado pode vir, administrar a parte de lojas, estacionamento, a questão da exploração visual, os outdoors e painéis, mas a atividade-fim, o Estado é responsável. Até em países como os Estados Unidos, por exemplo, onde há terminais privados, a atividade-fim fica sob responsabilidade do Estado para que a população não corra riscos. Só 15% dos aeroportos do mundo são privados, 85% dos aeroportos continuam na mão do Estado, por ser um desafio muito grande a questão de voar.

 

Como está a articulação com movimentos e centrais sindicais para a greve desta semana?

Os aeroportuários têm consciência que nós vamos parar não só por uma questão corporativista, apenas por nosso emprego, estamos tentando abrir um espaço para dizer para a sociedade brasileira que a gente vai passar a ter uma precarização muito grande do serviço prestado. Porque o critério dos empresários é explorar comercialmente, eles estão mais preocupados com o lucro, por isso chamam os aeroportos de aeroshopping. A atividade-fim da aviação vira uma atividade secundária, eles querem é vender produtos. O alvo deles são as classes A e B, que têm potencial de compra. As classes C e D vão ser segregadas, vão ser alocadas em áreas de periferia dos terminais, deixando o saguão de volta para as classes A e B, que sempre acharam que eram os verdadeiros donos dos aparelhos chamados aeroportos no Brasil. Já que estamos discutindo aeroporto, achamos que a sociedade deve discutir a questão como um todo. Por isso, convidamos os movimentos sociais e movimentos de moradores que vão ser afetados, que a hora é essa. A sociedade precisa se unir e mandar o recado para o governo. Paralelo à nossa ação de paralisação, tivemos diálogos com alguns movimentos, e cabe aos movimentos sociais também questionar o papel do Estado na atividade área, porque o risco de fatalidades com sua privatização é muito grande, maior do que em atividades de telecomunicações, em atividades elétricas, áreas que já foram concedidas ou privatizadas, que é a mesma coisa. 

 

A greve está prevista para durar dois dias mesmo ou pode se estender?

Vamos avaliar durante o movimento de paralisação qual a disposição do governo em realmente escutar a gente. Porque o governo já sentou conosco seis vezes e não acatou nenhuma das nossas reivindicações. Tem muita coisa para ser discutida antes de o governo entregar os aeroportos da forma como está entregando. É uma covardia, no mínimo uma irresponsabilidade, o governo varrer o lixo pra debaixo do tapete. Ele não está resolvendo o problema, pelo contrário, pode estar criando um problema muito maior, como ocorreu com o sistema ferroviário brasileiro. Lá atrás começou um desmantelamento e hoje não existe trem ou um transporte mais barato de integração. Estamos dependendo das estradas, em um país tão grande como o Brasil, e essa é uma logística cara, que todo mundo paga. O país se torna menos competitivo e a população paga mais caro pelos produtos porque não temos uma logística de trilhos, que barateia e custeia o escoamento dos produtos. 

 

Em que pé está o Programa Nacional de Desestatização, que prevê a privatização dos aeroportos de Guarulhos (São Paulo), Viracopos (Campinas) e Brasília?

O governo está a todo vapor. Está anunciando um cronograma, no site da Secretaria de Aviação Civil está disponibilizada a minuta do edital, que pode ser lançado dia 22 de dezembro, às vésperas do Natal. A data é bastante suspeita para se lançar um edital de privatização, porque a população vai estar distraída com o Papai Noel. 

 

Qual a previsão de demissões nesse processo?

Em torno de 5 mil demissões, logo de início. Ao contrário até de outros governos que já privatizaram setores no passado, o governo atual está oferecendo menos tempo de estabilidade para o trabalhador. O sistema de bancos, como o Banespa de São Paulo, deu cinco anos de estabilidade; o setor elétrico deu três anos, o governo Dilma está nos oferecendo apenas um ano de estabilidade. Ou seja, dentro do próprio conceito neoliberal, ela está surpreendendo inclusive os tucanos. 

 

Há previsão para outras privatizações além dessas três?

Ah, sem dúvida. Se essa questão de transformar o aeroporto em loja for realmente lucrativa, sem levar em consideração o critério da segurança do voo, do transporte, do serviço, se isso passar a ser banalizado, com certeza grupos econômicos vão querer assumir os aeroportos visando à questão comercial. Vai ser uma ilusão, até para as classes A e B, que elas voltarão a ter um serviço exclusivo e de segurança. Ao contrário. O governo está entrando numa arapuca, não sei está percebendo, porque é um sistema muito essencial para um país do tamanho do Brasil. E ele está sendo tocado por pessoas que vieram do Banco Central e do BNDES. Não tem ninguém do setor aéreo participando disso, muito menos alguém com visão social. Quem está definindo os rumos desse processo são tecnocratas do governo que não têm nenhum compromisso com os movimentos sociais. 

 

Por que privatizar os aeroportos às vésperas da Copa do Mundo?

O governo precisa tocar as obras e coloca a culpa na lei orçamentária 8.666 [que institui normas para licitações e contratos de Administração Pública] e no TCU, que está dificultando a ampliação da infraestrutura. O número de usuários de aeroportos, entre 2003 e 2010, cresceu 118% e a infraestrutura não acompanhou esse crescimento. Então, o governo não só precisa de dinheiro, mas se “livrar” desses órgãos controladores. Mas acho que essa é uma discussão para a sociedade civil. O sindicato está mais preocupado nesse momento com a ameaça mais direta ao passageiro. Em alguns países, como os países africanos e a Rússia, por exemplo, onde não há muito critério para a infraestrutura aeroportuária, ocorre quantidade muito expressiva de acidentes aéreos, no pouso ou na decolagem. E isso vai começar a ocorrer no Brasil também. 

 

O que cabe aos aeroportuários, aeroviários e aeronautas? Qual o tamanho da base da categoria dos aeroportuários?

Os aeronautas trabalham voando, os aeroviários são aqueles que trabalham para as companhias aéreas em terra e os aeroportuários são os administradores de aeroportos. São 15 mil trabalhadores aeroportuários no Brasil. Quando se fala em administração de aeroportos, a gente lembra que o voo começa no chão e termina no chão. Para se ter uma ideia, o aeroporto de Guarulhos hoje tem 600 pousos por dia e 600 decolagens. Para que essas 600 decolagens ocorram sem nenhum transtorno, há quatro vistorias de pista todos os dias, avaliando fragmentos na pista, condições de pavimentação, programação prévia dos voos, manutenção especializada nos equipamentos de navegação aérea. Podemos ver por outros setores privatizados, como setor elétrico e de telefonia, que eles terceirizam sem muito critério e a gente sente os reflexos. Agora imagina isso em um avião pousando… Com a precarização do sistema de aferição dos instrumentos, o piloto pode pousar sem visual nenhum, e quando ele perceber está pousando na Dutra! 

 

Como é a proposta de aeroporto popular defendida pelo sindicato?

A atividade aérea se popularizou. Não foi planejado, aconteceu com a ascensão social do Brasil e pela necessidade do país continental. A aviação passou a ser um meio de integração social. E isso causou, por parte de uma fatia da sociedade, um preconceito em ver pessoas antes confinadas a rodoviárias passarem a frequentar os aeroportos. O conceito de aeroshopping quer trazer de volta àquele público o conforto. Os aeroportos serão aparelhos de infraestrutura do Estado, administrados pela iniciativa privada, o que vai privilegiar cada vez mais as classes A e B. As classes C e D vão ficar confinadas às periferias dos terminais ou voltar para a rodoviária.