Após liderar negociação com usinas de Rondônia, CUT quer mudança nos critérios para geração e distribuição de energia

“Precisamos rediscutir o modelo para que Belo Monte não seja uma Jirau no Pará”, diz secretário cutista…





CUT

Por unanimidade, cerca de 20 mil trabalhadores reunidos na manhã desta segunda-feira (18) diante das usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, ratificaram o acordo coletivo negociado por CUT, Conticom (Confederação dos Sindicatos da Indústria da Construção Civil e da Madeira) e Sticcero (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil de Rondônia) com as empreiteiras responsáveis pela construção das hidrelétricas.

A proposta fechada na última sexta-feira (15), antes mesmo da data-base da categoria, em 1º de maio, incorpora o acordo emergencial definido na semana passada (clique aqui e aqui para ler) e atende a outras reivindicações essenciais detectadas nos canteiros de obras, com destaque para o reajuste salarial de 11%, o aumento da cesta básica para R$ 170 e o pagamento de 70% de horas extras entre segunda e sábado – aos domingos é de 100%. Além disso, a chamada baixada, espécie de licença que os trabalhadores recebem para poder voltar à cidade de origem, também iniciará e terminará aos finais de semana, totalizando nove dias, sendo a empreiteira responsável pelo fornecimento das passagens aéreas para todas as capitais servidas por vôos regulares.

Legítima representatividade

Além de conquistas como o aumento real de 5%, a campanha salarial deixa como legado o fortalecimento das entidades cutistas e o reconhecimento como legítimas representantes dos operários. “O papel da nossa comissão foi organizar os trabalhadores para que fosse possível reabrir e dar tranqüilidade ao processo negocial, focando no que realmente interessava: melhorar as condições de trabalho nas usinas e impedir que disputas na base atrapalhassem a verdadeira luta”, avalia o secretário de Administração e Finanças da CUT, Vagner Freitas, destacado pela central para mediar a negociação no Estado.

Desde o início dos conflitos, no dia 15 de março, quando a precarização das relações trabalhistas provou uma revolta em Jirau e culminou com um quebra-quebra que fechou a usina, a CUT dialogou com a sociedade para expor a situação dos operários e unificar a mobilização por melhores condições de trabalho, seja em atividades como encontros na Assembleia Legistativa de Rondônia, seja acompanhando a visita do ministro do Trabalho, Carlos Luppi, aos canteiros de obras para contar a história que ele não ouviria dos empresários.

A ideia de fortalecer a unidade, porém, muitas vezes esbarra em ações do próprio ministério, como a concessão de registros que dividem o setor entre construção pesada e civil, alerta Vagner. “Não concordamos em fragmentar, mas sim em fortalecer a base para que tenha mais força no momento de dialogar com as grandes empreiteiras”, afirma.

Diálogo, aliás, que sempre faltou nos contatos com os consórcios e gerou a greve de 10 dias em Santo Antônio por conta do tratamento diferenciado oferecido para empregados do alto escalão  e para os operários. Enquanto os primeiros chegavam ao local de ônibus, os outros eram obrigados a seguir a pé por uma escada até o local da obra.

Um novo modelo
Para o dirigente, é preciso mudar ainda o processo de construção das usinas para que os erros cometidos em Jirau e Santo Antônio não se repitam em outras obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). “Não é possível reunir 20 mil trabalhadores de uma só vez para concluir o mais rápido possível a obra, por conta da falta de estrutura que as empresas impõem e pelo impacto social que proporcionam às cidades vizinhas. A aceleração do crescimento que o governo deseja para colocar o empreendimento de pé logo e que o empreiteiro quer para o retorno rápido do lucro acaba prejudicando seriamente os operários”, afirma.

Nos últimos dias, a reportagem do Portal da CUT esteve em Rondônia e conheceu as dificuldades que a construção de Jirau trouxe ao distrito de Jaci-Paraná, localizado ao lado da usina. O inchaço populacional, sem o investimento na oferta de serviços públicos, afetou a qualidade da educação, da saúde, da segurança e alavancou a exploração sexual no local. Clique aqui para ler a reportagem publicada em nosso site.

Da terceirização ao cheque sem fundo
Segundo o secretário, também é necessário que a contratação da mão-de-obra ocorra pelo Sine (Sistema Nacional de Emprego), porém, sempre acompanhada pelo sindicato. “Além de substituir o agenciador no processo de seleção, também é preciso fiscalizar a contratação pelo próprio órgão do governo, porque detectamos casos em que os operários eram trazidos de outro estado, fichados pelo Sine em Porto Velho e ingressavam como se fossem da região. Dessa forma, perdiam o direito à baixada e só podiam retornar para casa durante as férias, diminuindo os custos da empresa com transporte e aumentando o período em que estavam à disposição para trabalhar”, explica ele.

De acordo com Vagner, o excesso de terceirização nos canteiros, onde muitos funcionários convivem com condições e salários diferentes para exercer atividades idênticas, é outro problema. Nosso site acompanhou,  por exemplo, a situação de um grupo de 80 operários que prestaram serviços pela BS Construtura, terceirizada contratada pela Enersus (Energia Sustentável do Brasil), responsável pela construção de Jirau. Uma parte não havia recebido o pagamento e a outra trazia nas mãos cheques carimbados pelo banco atestando a falta de fundos para compensá-los.

Outros critérios
A CUT defende a elaboração de um acordo nacional da construção com regras claras para o setor, semelhante ao pacto vigente para os trabalhadores da cana-de-açúcar, que também contou com a contribuição da central.

Os parâmetros do plano estão sendo discutidos em Brasília com as demais centrais, o governo federal e empresários do setor e já destacaram como prioridade a definição de termos para a intermediação e formação dos operários. A próxima reunião acontece no dia 12 de maio.

Presidente da CUT, Artur Henrique, defende que os editais para a escolha da empresa que irá gerar e explorar a energia não levem em conta apenas a tarifa, mas também as contrapartidas sociais que serão empregadas. “O leilão considera apenas o menor valor na venda da energia, mas para chegar ao preço e ainda ter lucro, o empresário opta por reduzir custos, precarizar as relações de trabalho e deixa de fazer uma série de investimentos para minimizar os impactos ocasionados nas regiões onde as usinas serão instaladas. O barateamento é importante, mas temos que discutir os custos sociais”, acredita.

Conforme destaca Vagner Freitas, é preciso rediscutir o modelo das hidrelétricas para que Belo Monte não seja uma Jirau no Pará. “É imprescindível que o desenvolvimento das comunidades locais acompanhe as grandes obras para que o crescimento do país alavanque as regiões por onde passam.”