Os movimentos populares de moradia da cidade de São Paulo (SP) temem que a criminalização das ocupações abra precedente para uma série de ações de despejo no centro da capital paulista.
As organizações se reuniram nesta terça-feira (1º) após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandú, onde viviam cerca de 150 famílias. O incidente, que ocorreu após um incêndio durante a madrugada, deixou pelo menos uma vítima e o Corpo de Bombeiros ainda procura por desaparecidos entre os escombros.
Participaram do encontro a Frente de Luta por Moradia (FLM); a Central dos Movimentos Populares (CMP); a Frente Povo Sem Medo; o Observatório das Remoções, entre outros. As entidades, que se reuniram na Ocupação São João, local próximo ao incêndio, se solidarizaram com as famílias e repudiaram declarações do governador Márcio França (PSB).
Após o incêndio durante a madrugada, França declarou que viver em ocupações era “procurar encrenca” e que é preciso “convencer as pessoas a não morar desse jeito”.
Benedito Roberto Barbosa, advogado e membro da União dos Movimentos por Moradia (UMM), pondera que, desde o desabamento do edifício, os órgãos públicos culpabilizaram as vítimas e os veículos de comunicação comercial construíram uma narrativa que pode justificar reintegração de posse na região.
“Isso vai ter um impacto e a tentativa vai ser despejar as ocupações”, alertou o coordenador da UMM. “O que existe de moradia foi muito pela ocupação e luta dos movimentos. Isso não vai parar de forma alguma e a gente não vai aceitar essa tentativa de culpabilização e criminalização dos movimentos, nós queremos solução de moradias.”
A Prefeitura de São Paulo não tem um levantamento oficial e preciso da quantidade de cortiços, moradias precárias e ocupações no centro da cidade. O dirigente estima que existam mais de 80 ocupações de prédios na região central da capital paulista.
Mais cedo, o ex-prefeito de São Paulo João Doria, candidato tucano ao governo, disse que a “solução” é evitar novas “invasões”. Doria estava em Ribeirão Preto, interior do estado, participando de uma feira ligada ao agronegócio. O ex-prefeito disse ainda que “parte da invasão” teria sido feita por uma “facção criminosa”, mas não detalhou ou esclareceu a denúncia.
Tragédia anunciada
Inaugurado em 1966, o prédio de 24 andares que desabou é patrimônio da União e já foi utilizado como sede da Polícia Federal e uma agência de atendimento do INSS (instituto Nacional do Seguro Social). O edifício foi tombado em 1992.
Desde 2001 estava esvaziado e foi ocupado pelas famílias, sem nenhum vínculo com movimentos organizados de moradia, em 2012.
No ano passado, o prédio foi cedido à Prefeitura de São Paulo, que chegou a realizar o cadastramento das famílias em março deste ano.
Para o pesquisador Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e da UFABC, os órgãos públicos se isentaram da responsabilidade da tragédia.
Diferente de outras ocupações em locais que antes eram apartamentos ou hotéis, o edifício comportava muitas áreas de vãos-livre, característica que ajudou o fogo se alastrar rapidamente, segundo Kohara.
“Nos estudos preliminares da viabilização, não era um prédio adequado para habitação. Como era vãos grandes, tinham muitas divisórias de madeirites e de materiais bastante inflamáveis. Era um prédio que já apresentada situação de risco. O setor público já tinha conhecimento dessa situação de risco, não é de hoje”, apontou.
O Corpo de Bombeiros já havia produzido um relatório sobre a situação crítica do edifício e encaminhou para o Ministério Público, em 2015. No documento, o órgão apontava rotas de fuga obstruídas e problemas com a instalação de gás do prédio.
O pastor Frederico Ludwig, da igreja luterana localizada ao lado do edifício e que também foi atingida, contou que já também havia alertado a administração municipal sobre as condições do local.
Ação preventiva
Evaniza Rodrigues, pesquisadora e militante do movimento de moradia, defende que a Prefeitura poderia ter trabalhado com soluções paliativas, com a ação da Defesa Civil, para evitar a tragédia.
“Existem políticas que poderiam ser feitas, por exemplo, ajudar a organização da rede elétrica, fazer rotas de fugas. Existiu algo muito semelhantes nas favelas de São Paulo, onde houve uma sequência de incêndios na década passada incêndios criminosos e outros por acidentes e que gerou a necessidade de ter uma defesa civil especializada para manutenção das famílias nas favelas”, recordou.
Em coletiva de imprensa, a administração municipal informou que ofereceu albergues às famílias, que não aceitaram a medida. A Prefeitura afirmou que vai encaminhar as famílias desabrigadas para o recebimento do bolsa-aluguel, no valor de R$1,2 mil no primeiro mês e de R$400 nos meses seguintes.
Luiz Kohara afirma que o Poder Público tem que dar uma alternativa concreta e definitiva de moradia para as famílias. “Eles não podem simplesmente chegar para as pessoas e falar para eles irem para o albergue porque elas não aceitam, porque eles [os albergues] não são adequados para famílias, não têm condições e autonomia”, disse o pesquisador.
Para Evaniza Rodrigues, pessoas em situação de vulnerabilidade procuram áreas de riscos e ocupações de prédio quando não têm nenhuma alternativa. “Esse conjunto de omissões nas políticas de habitação, nas políticas para as áreas centrais é que faz com que as pessoas não tenham alternativa recorram a situações degradantes e perigosas de habitação”, afirmou.
A deputada federal Ana Perugini (PT-SP) também esteve presente na reunião dos movimentos populares e prometeu levar o assunto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.
De acordo com a Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo, o déficit habitacional da cidade de São Paulo é de 358 mil moradias. Estudos de entidades ligadas ao movimento de moradia, estimam seria possível a adaptação de 400 mil unidades de moradia nos prédios abandonados ou sem função social. Ou seja, o déficit habitacional poderia ser resolvido sem que as famílias tivessem que deixar a região central da cidade.
[Via Brasil de Fato |Edição: Juca Guimarães]