A secretária nacional de Comunicação da CUT conta como foi a 14ª plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação


A secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, participou em Brasília, nos dias 16 e 17 de maio da 14ª plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). A representante cutista, conselheira do FNDC, foi a mediadora do principal painel do evento, que debateu a Reestruturação do Sistema e o Controle Social das comunicações com a presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Tereza Cruvinel; o deputado Jorge Bittar, da Comissão de Ciência, Tecnologia, Informação e Comunicação da Câmara e o professor Murilo César Ramos, da Universidade de Brasília. Nesta entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, que acompanhou os dois dias de debates da plenária, Rosane Bertotti avalia a importância do evento, "que servirá para ampliar a pressão pela realização de uma Conferência Nacional de Comunicação e também como alerta para os riscos da aprovação do relatório do PL-29, apresentado pelo deputado Jorge Bittar, que possibilitaria a entrada do oligopólio transnacional das telecomunicações, sem nenhum tipo de controle público, trazendo conseqüências devastadoras, de difícil reversão, não só para a rádio e televisão brasileira, mas para a política, a economia e a cultura nacional".

Qual a avaliação do evento?

Em primeiro lugar, creio que esta plenária do FNDC deixou claro que a realização da Conferência Nacional de Comunicação é mais do que necessária, é imprescindível. Principalmente porque a democracia e a soberania estão sendo atropeladas pela convergência tecnológica, onde vêm falando mais alto os interesses do capital, particularmente dos grandes conglomerados transnacionais, cuja entrada liquidaria com a rádio e televisão brasileira, representaria sua desnacionalização. No nosso entender, é preciso enfrentar o latifúndio midiático das seis redes privadas comerciais, mas isso deve ser feito através do fortalecimento do papel do Estado, que deve regular a existência de oligopólios e monopólios e garantir a democratização do setor com a entrada de novos atores, que devem vir para oxigená-lo e não para asfixiá-lo ainda mais, como querem as teles estrangeiras. Nós defendemos a constituição e aprimoramento de redes públicas, comunitárias, universitárias, espaço para que os movimentos sociais, como a CUT, a UNE e o MST tenham seus canais. Temos de aproveitar a confluência tecnológica, a digitalização, para ampliar os horizontes, e não para agravar distorções que terão conseqüências devastadoras, de difícil reversão, não só para a rádio e televisão brasileira, mas para a política, a economia e a cultura nacional.

Diante deste inevitável confronto de interesses, o que fazer?

A apropriação privada de um segmento estratégico para o país, como são os meios de comunicação, precisa ser alvo de debate do conjunto da sociedade, por isso defendemos a realização de uma Conferência Nacional. A natureza pública da comunicação social é garantida pela nossa Constituição, mas exige uma regulação onde a ênfase esteja centrada na demanda social por conteúdo e não apenas na exploração do serviço ou de sua infra-estrutura. Como bem ressalta o FNDC, a lógica histórica de uma apropriação do Estado pelos interesses privados nos levou a uma situação limite de concentração, verticalização e desregulamentação que, neste momento, coloca em risco todo o sistema das comunicações.

A situação é grave…

Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 91,3% dos mais de 53 milhões de lares brasileiros possuem pelo menos um aparelho receptor de televisão, o rádio está presente em 88%. Ao mesmo tempo, apenas 10% possuem assinatura de TV a cabo ou por satélite e 17% têm acesso à internet, apesar de 24% possuírem computador. Segundo a Ancine, o filme brasileiro ocupa apenas 10% do mercado nos cinemas, 5,5% na TV aberta e irrisórios 0,5% na TV por assinatura. Apenas 8% dos municípios brasileiros possuem salas de cinema, freqüentadas por somente 12% da população. As gravadores independentes, que produzem 70% da música nacional, contam com insignificantes 8% do espaço de difusão no rádio e TV, enquanto que os oligopólios, embora gravem apenas 9% da nossa imensa e rica diversidade musical brasileira, controlam 90% do espaço de difusão em rádio e TV.

Está sobrando mal cartelizado e faltando bem público…

Constatamos que não é mais possível deixar as comunicações de fora do princípio de bem público que rege os demais serviços. A Conferência será um freio a qualquer tipo de regulamentação casuística que objetive o aniquilamento dos parcos marcos regulatórios existentes, possibilitando que se discipline a área das comunicações a partir da ótica do controle público, garantindo a inserção de espaços e mecanismos de participação, plurais e transparentes, que preserve a identidade nacional, a diversidade regional, a intensa e rica produção independente.

Qual será a proposta temática apresentada pelo FNDC para a Conferência?

Acreditamos que a Conferência deve priorizar temas que incidem sobre a soberania nacional, a liberdade de expressão, a inclusão social, a diversidade cultural e religiosa, as questões de gênero, a convergência tecnológica e a regionalização da produção. Nossa proposta é que os debates sejam organizados em torno a três grandes eixos: meios de comunicação (tv aberta, rádio, internet, telecomunicações por assinatura, cinema, mídia impressa e mercado editorial), cadeia produtiva (com ênfase nas políticas públicas para universalização, financiamento, regulação e legislação) e sistemas de comunicação (público, estatal e privado), definindo claramente o papel do Estado.

No momento em que os movimentos que atuam pela democratização da Comunicação defendem a realização de uma Conferência para definir um novo marco regulatório para o setor, o que dizer do relatório apresentado pelo deputado Jorge Bittar sobre o PL-29?

Entendemos que é preciso uma maior reflexão sobre os riscos da aprovação do relatório do PL-29, apresentado pelo deputado Bittar, pois ao nosso ver a entrada do oligopólio estrangeiro das telecomunicações, pelos recursos e instrumentos que já dispõe, desnacionalizaria ainda mais o setor. As cotas de produção nacional de 10%, propostas pelo deputado como contrapartida à total abertura de um setor estratégico para a nação e o povo brasileiro não alteram em praticamente nada o atual quadro, que é perverso, de colonização, de crescente hegemonia cultural americana na sociedade brasileira. Hegemonia que como muito bem apontou o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, se exerce de forma absurda através do produto audiovisual, veiculado pela televisão e pelo cinema, articulado com a imprensa, o disco e o rádio. São mecanismos que nos deixam vulneráveis ideologicamente, que mantêm e aprofundam uma consciência colonizada, que é o oposto do que queremos para o nosso povo. Afinal, o fortalecimento da auto-estima e do senso crítico, a crença na nossa própria capacidade, enquanto povo e nação, de pensar com a própria cabeça e caminhar com os próprios pés talvez seja o principal dos avanços que conquistamos com o governo Lula. Para a classe trabalhadora em particular, isto se traduz em mais confiança e ousadia, autonomia e independência, elementos fundamentais à reflexão, mais do que necessária para impulsionar o exercício do nosso protagonismo histórico.

Os estrangeiros querem ampliar seu domínio e tomar mercado…

Ao nosso ver, não podemos deixar que um pequeno grupo de conglomerados transnacionais de telecomunicações (Sky, Telefônica e Telmex) tomem de assalto o setor. Sabidamente, e basta passar os olhos pelas bancas de jornais, pela tv ou computador, para ver que a comunicação no mundo é cada vez mais uma arma ideológica, instrumento capaz de forjar consciências ou deformar mentalidades, promover o conhecimento ou alimentar a ignorância, ampliar os horizontes ou formatar míopes, afirmar o desenvolvimento e a soberania ou fomentar a submissão política, ideológica, econômica, cultural… Sem levar a conta o que está em jogo, o relatório do PL-29 abre o conjunto do setor de TV paga ao capital estrangeiro. Hoje eles estão proibidos de deter mais de 30% de TVs e rádios pela Constituição. Ao mesmo tempo, o projeto não contempla qualquer mecanismo de proteção aos produtores nacionais, aos produtores independentes, de estímulo à pluralidade e à rica diversidade regional. Pelo contrário, solta as rédeas à formação de monopólios e oligopólios que representam exatamente a negação dos nossos valores. O caminho da democratização da comunicação passa, necessariamente, pelo rompimento das cercas do latifúndio midiático. Para esta ação, precisamos cada vez mais de um Estado nacional indutor, que estimule, ampare e promova a produção nacional. Falar de um novo marco regulatório flexibilizando regras já suficientemente frágeis e condescendentes com a invasão audiovisual estrangeira não passa de uma ilusão. Para o bem da comunicação, é hora de romper com esta camisa-de-força.