Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, a secretária de Comunicação da CUT Nacional, Rosane Bertotti, membro do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) destaca o papel da comunicação sindical na luta de classes e nos 28 anos de luta e conquista da Central Única dos Trabalhadores.
A CUT completou 28 anos em 28 de agosto. Qual o papel da comunicação sindical cutista nesta história?
A privatização da informação e a desmemoria são, cada vez mais, armas do capital contra a classe trabalhadora. A manipulação feita pela grande mídia privada objetiva inibir o coletivismo, a solidariedade e reduzir a nossa auto-estima para perpetuar a dominação. Para deslegitimar e enfraquecer a luta, tentam nos invisibilizar ou criminalizar as ações dos movimentos sindical e social. Nossa resposta deve ser, cada vez mais, investir na comunicação como instrumento de organização, de fomento à análise crítica, de consciência. Este é o nosso papel e é assim que vamos caminhar rumo à construção de uma sociedade socialista: pensando com a própria cabeça e seguindo em frente com os nossos próprios pés. Por ser autônoma e independente de governos, partidos ou patrões a CUT se converteu na maior central do Brasil e da América Latina, e a quinta maior do mundo.
Como os investimentos em rádio, televisão e na própria ampliação do Portal do Mundo do Trabalho dialogam com esta estratégia?
Acreditamos que é essencial arrancar as mordaças que tentam impor sobre a nossa palavra. Ao fortalecer o nosso Jornal da CUT, implementarmos a nossa rádio e a web tv, bem como as redes sociais, que estão completando um ano, ao ampliar e diversificar o nosso Portal, possibilitando que as CUTs estaduais e Ramos tenham acesso sobre o conjunto de ações que estão sendo desenvolvidas, dando voz e vez aos nossos parceiros nos movimentos sociais e na mídia alternativa, começamos a avançar rumo a um novo patamar. Temos a parceria com a Rede Brasil Atual e com a TVT, que demarcam campo com a mídia reacionária e caminhamos para consolidar um amplo leque de apoios em rádios e tevês comunitárias que vão distribuir programas de qualidade que temos feito. Isso tudo é um processo, que está sendo bem encaminhado.
A comemoração de um aniversário sempre é acompanhado por um balanço das nossas ações, que aponta perspetivas. Qual a tua avaliação sobre este momento?
Diz o ditado popular que quem desconhece sua história está condenado a repeti-la. E a manipulação e a concentração dos meios de comunicação pelos grandes conglomerados midiáticos busca exatamente isso: manter o ciclo vicioso da exploração inalterado, preservando a dominação política, econômica, ideológica e cultural dos povos e nações. Usando seu poder midiático, a meia dúzia de famílias que controla a maior parte do que se lê, vê ou ouve em nosso país, usa e abusa de concessões públicas para tentar pautar a agenda social, imprimir gostos e vontades, formatar consciências e padrões de comportamento, refazer leituras sobre o nosso passado, a fim de influenciar o presente e modelar o futuro. Acredito que este é o momento de colocar em xeque esta situação, investindo na comunicação sindical, fortalecendo os nossos próprios instrumentos. Não podemos permitir que a agenda dos derrotados nas últimas eleições se imponha. É inadmissível ouvir um ministro dizer que salário, que os juros mais altos do mundo têm que aumentar, que o Estado deixou de ter papel central no desenvolvimento ou que o mercado interno deve deixar de ser prioridade.
Para vencer esta queda de braço com a desinformação é hora de fortalecer a rede cutista.
Exatamente. Como parte do projeto estratégico da nossa Central, temos estruturado pelo país a rede de comunicação cutista, organizado os sites das CUTs estaduais e ramos, fortalecido redes, debatido mais profundamente sobre o significado político, ideológico e cultural da nossa ação sindical em defesa de um projeto nacional de desenvolvimento que distribua renda e valorize o trabalho. Nestes encontros com centenas de companheiros e companheiras cutistas e da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), muito temos dialogado sobre a disputa de hegemonia e a complexa e cotidiana queda de braço com os setores reacionários que querem emperrar os avanços e empurrar tudo o que for possível para trás. Se não tivéssemos ido até o Senegal, não teríamos a cobertura do Fórum Social Mundial e não teríamos mostrado o protagonismo das nossas lideranças, sua articulação internacional. Sem presença no 10 de agosto, em Brasília, ficaríamos à mercê da boa vontade da imprensa de mostrar os trabalhadores colocando pressão sobre os Três Poderes e mostrando o resultado das audiências com ministros, o presidente do Congresso Nacional ou o presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Esta informação gera reação, coloca pressão, estimula consciência.
Na contramão, a pauta dos derrotados, que já falaste, é a agenda negativa imposta diariamente pelos grandes conglomerados privados…
Sim, é desta forma que a velha mídia converte-se num bom termômetro para diferenciarmos o certo do errado, o avanço do recuo, a verdade da mentira. Prova disso é a sua dedicação em tentar nos convencer da necessidade da privatização de portos e aeroportos, da visão de que o salário é inflacionário e de que a política de fortalecimento do mercado interno deve dar lugar a uma visão mais “globalizada”, isto é, desnacionalizante, de desmonte do Estado público, inteiramente submissa aos interesses das grandes corporações transnacionais. Da mesma forma, os barões da mídia atuam em uníssono na defesa dos seus anunciantes do sistema financeiro, manifestando-se em oposição a qualquer medida que vise disciplinar a exorbitância dos ganhos especulativos, contrários a qualquer ação que vise estancar a sangria dos recursos públicos via pagamento dos mais altos juros do mundo.
Para os senhores do latifúndio midiático, o que vale é a virtualidade dos seus patrocinadores – grandes bancos e multinacionais – e não a realidade. Para nós, a construção de instrumentos próprios de comunicação sindical, além de permitir um contato mais próximo com o fato concreto, possibilita uma expressão mais íntima – e legítima da base -, o que aumenta o grau de mobilização, organização e consciência da classe trabalhadora.
Como a campanha em defesa da banda larga se encaixa neste movimento pela democratização da comunicação?
Uma das importantes bandeiras que temos sustentado neste período é o direito à internet banda larga, rápida, barata e de qualidade. Nosso compromisso militante com a universalização da banda larga nos impele a tecer considerações sobre os desafios colocados pela conjuntura no embate entre a afirmação de um projeto estratégico nacional de digitalização, no qual o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) se insere, e a manutenção da lógica das teles que controlam o setor. Para nós, combatentes pela democratização da comunicação, a manutenção de tão desastroso monopólio representa o avesso de tudo o quanto buscamos: a universalização dos serviços com o acesso à internet a baixos custos e com qualidade para todos, o que necessariamente deve estar articulado ao processo de digitalização da TV e do rádio em curso no país. Em tempos de convergência digital, uma Telebrás microscópica ou amarrada à lógica privatista, incapacitada pelos sucessivos cortes de recursos, é tudo o que não precisamos. Pois é exatamente o que as teles querem, para que nada mude. Elas atuam somente nas “áreas atrativas”, inferior à metade do nosso território, onde vivem 58% da população, excluindo, antes de mais nada, 42% dos brasileiros. Conforme a Telebrasil, associação das teles, existem no país apenas 10 milhões de usuários da banda larga. E cerca de 95% dos acessos de Internet vendidos no país estão na mão de cinco empresas, sendo que 85% na mão de três – a Telefónica, a Oi e a Net/Embratel.
Na prática, no bolso, o que representa o acordo com as teles?
Todos sabemos o que representa o controle das teles: desembolsamos preços exorbitantes por serviços de péssima qualidade, onde se dão ao luxo de poder nos oferecer somente 1/16 do contratado, ao que se soma um rol de abusos, incapacidade permanente de atendimento e péssimos serviços. Não por acaso, elas estão entre os campeãs de reclamação no Procon, com recordes sucessivos. Só para lembrar: em 2008, o faturamento da Telefónica, Embratel, Oi, Vivo, TIM, Brasil Telecom e Claro foi de US$ 58,1 bilhões, mais da metade dos US$ 110 bilhões de faturamento das 200 maiores empresas de tecnologia instaladas no país. Em 2010, o faturamento das sete teles acima foi alavancado: alcançou U$ 96,5 bilhões.
Outra questão relevante é o controle público e social com a existência de regras claras para coibir abusos e desmandos no setor comunicacional.
Poucas palavras vêm sendo tão deturpadas e estigmatizadas como “controle social”, transformada pelos barões da mídia numa espécie de violação ou estupro das liberdades individuais. Algo como um ímpeto totalitário de quem deseja impor os seus interesses acima da “liberdade de expressão”, encarada pelos negocistas da informação como “liberdade de empresa”, não como direito da coletividade. Uma completa inversão de valores, onde tudo o que os conglomerados midiáticos praticam de mais lesivo e deformador é debitado na conta dos seus opositores, sempre silenciados ou marginalizados por não disporem de instrumentos para se fazer ouvir.
O que fazer diante de tamanha concentração e tanta ausência de regulação?
Em nosso país, apenas quatro megaempreendimentos mandam e desmandam na telinha: a Globo controla 342 veículos; a SBT, 195; a Bandeirantes, 166; a Record, 142. Indecentemente, cada um deles é parte de um poderoso conglomerado com ramificações em rádios, jornais e revistas que, com todos os seus filtros uniformizadores, deixam a opinião pública cada vez mais vulnerável na batalha pelo direito a uma informação veraz. Portanto, é imperiosa a necessidade do controle público. A defesa do controle social foi uma das bandeiras aprovadas pela Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que é um importante instrumento de consulta e de diálogo tripartite, imprescindível para o avanço e enraizamento da democracia em nosso país.
Por onde começar?
No nosso entender, em primeiro lugar pela democratização do acesso às verbas publicitárias, que devem deixar de servir aos senhores feudais da mídia e à reprodução de veículos que são mais do mesmo, para proporcionar a mais ampla e plural participação. Sem apoio à mídia alternativa, a imprensa popular continuará sendo marginalizada, pois sabemos das condições para o estabelecimento de uma publicação de âmbito nacional em um país com as dimensões continentais do nosso. Da mesma forma, as rádios e tevês comunitárias precisam de apoio para que possam ter estruturas de qualidade e possam contribuir com seu olhar diferenciado, mais vinculado ao dia-a-dia das comunidades. Sem isso, continuariam condenadas a virar presa fácil da lógica comercial, do balcão de negócios, reproduzindo no seu microcosmos as mesmas práticas – e visões – das grandes emissoras.
Quais os pontos da Confecom que, na sua opinião, mais incomodam os barões da mídia?
A Constituição determina que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (art.220); estabelece princípios para a produção e programação das emissoras de rádio e televisão (221); determina que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país (222); sublinha que Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (223) e Institui o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso (224). Afogadas no abecedário neoliberal da “grande” imprensa, tais determinações legais viraram letra morta.
28 anos de CUT. No plano da comunicação, e agora?
É hora das entidades cutistas assumirem, cada vez mais, a comunicação como investimento estratégico na luta por uma nova sociedade. De levantarmos coletivamente a voz, milhões de vozes, contra a ditadura midiática que nos quer mudos e paralíticos. Façamos com que se ouçam os gritos dos protestos amordaçados e ensurdecidos nas câmaras de tortura editorial e que, enfim, se vejam por inteiro, o calor e a energia da vida dos que combatem, sem trégua ou descanso, pela primavera da justiça, que é a verdade florescendo no que está por vir.