A secretária de comunicação da CUT fala sobre a importância do debate sobre a mudança da regulação do setor no Brasil







Regular para ter mais!

Diante do importante debate entre ativistas da comunicação no Brasil e representantes do governo, sobre a mudança na regulação do setor, a secretária nacional de Comunicação, Rosane Bertotti, fala sobre a relevância do debate e das diferentes contribuições para a “consolidação deste passo essencial para a democratização das comunicações e do próprio país”.

Após a realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), havia muita expectativa em relação a como seria a materialização das propostas aprovadas, diante do imenso empenho da grande mídia para deslegitimar o debate, identificando na disposição de regulamentação um movimento de censura, contrário à liberdade de expressão. Como o Seminário respondeu a este reclamo da sociedade brasileira?

Em primeiro lugar eu destacaria que o Seminário é fruto do debate da Conferência, ele não caiu do céu. Houve todo um processo de debate e construção de alternativas que permitiram que chegássemos até aqui. Então, o momento que estão vivendo, tanto do ponto de vista da democracia quanto do desenvolvimento econômico, tornam inadiável, imprescindível a constituição de um plano estratégico de comunicação. Evidentemente, não temos como fazer este plano sem realizar mudanças estruturais na comunicação brasileira. É dentro deste processo que surge a necessidade do novo marco regulatório, que o legitima.

O principal obstáculo apontado pelos movimentos que atuam pela democratização da comunicação é justamente a enorme concentração existente, que acaba tolhendo a pluralidade ao silenciar o contraditório, colocando tão somente o ponto de vista dos barões da mídia. O que fazemos para romper este nó, pois mesmo artigos da Constituição de 88 deixaram de ser regulamentados para que tudo permaneça como está?

Não temos dúvidas de que este novo marco regulatório deve olhar para o futuro, para a realidade brasileira e a resolução dos desafios que estão colocados. Vou apontar uma expressão que foi usada pelo ministro Franklin Martins, precisamos regular para ter mais. Mais pluralidade, mais informação, desenvolvimento, geração de empregos, igualdade, mais respeito à diversidade regional, mais respeito às minorias. Olhando para o Brasil como um todo. Para isso precisamos atender as demandas represadas na Constituição e ir além. É claro que isso significa, necessariamente, impedir a continuidade – e a formação – de monopólios de mídia, barrar a propriedade cruzada. Em suma, democratizar.

Nada mais natural, afinal se trata de concessões públicas…

Sempre quando se falava em comunicação, se pensava em radiodifusão. Hoje, com as novas tecnologias, as telecomunicações passam a ser o verdadeiro peso pesado, com a questão da telefonia móvel, da internet. Conforme dados do próprio Ministério, enquanto as empresas de radiodifusão faturaram R$ 13 bilhões em 2009, as de telecomunicações embolsaram R$ 180 bilhões – receita que havia sido de R$ 130 bilhões no ano anterior. Então, regulamentar esta questão é como colocar a mão num vespeiro, pois mexe com interesses poderosos, nacionais e transnacionais. Daí todo o discurso empresarial de se quer calar a “livre expressão”, como se a grande mídia privada desse espaço para o contraditório. O fato é que o mercado por si só regulamenta sempre a partir do mais forte e dos interesses do capital, desprezando o bem público como um direito da coletividade, de proteção aos interesses do cidadão.

O fato do Ministério das Comunicações ter trazido debatedores de realidades tão distintas como a da União Europeia e da América Latina dialogou com a necessidade de romper o cerco de manipulação e mentiras da mídia hegemônica?

Acredito que sim. Acredito que o Seminário conseguiu demonstrar que a regulação está presente em realidades tão diferentes como Portugal, Espanha e França. Obviamente, nós não pretendemos, não vamos e nem queremos, fazer um copiar-colar de nenhuma destas, nem de outras, realidades. O importante é sermos fiéis à nossa trajetória, reafirmar os princípios que temos de respeito à história e à cultura. Repito: todos países da União Europeia tem regulação, inclusive de conteúdo, para garantir direitos, o que nada tem a ver com censura. Esta é uma visão inteiramente deturpada dos que se crêem donos dos meios, quando são proprietários, provisórios, de concessões públicas. É um preconceito que não cabe, muito divulgado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que reúne os donos da mídia no continente, e foi desmontado pelas intervenções dos painelistas. Estas pessoas deveriam conhecer mais e não emitir conceitos sobre o que desconhecem.

Cite uma intervenção em particular que tenha te chamado a atenção…

A do José Alberto Lopes, que atualmente é presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de Portugal. Lá eles têm um Conselho com participação social, amplo e bastante participativo. Acho que conseguiu dar bem o recado: que todo e qualquer órgão que vier a ser formado tem que ser resultado do diálogo com os diferentes atores: movimentos sociais, empresários, parlamentares e governos. O eixo da regulação a ser construída é o da ampliação do número de vozes, não o do silêncio. O problema é que como a mídia privada se acostumou a silenciar, a calar a quem considera oposição, julga a sociedade a partir da sua mordaça histórica e projeta sobre a regulação o medo de que venha a ser tratada como sempre destratou a sociedade.

Qual o papel dos movimentos sociais daqui para a frente?

Acho que é o de se manter unido e mobilizado, apostando sempre na amplitude, na participação popular. Para isso tem de continuar aprofundando o debate e o estudo sobre o que está posto. Se chegamos até aqui, se o governo avançou, é devido a nossa atuação. O caso argentino é  exemplar. Sem que houvesse sido estabelecido um processo de mobilização, antes, durante e depois de aprovada a lei, as conquistas não teriam saído do papel. Não há outro caminho. Agora, cabe ao governo governar, ao Congresso Nacional legislar e aos movimentos sociais participarem ativamente e acompanhar de perto todo o processo, a fim de que a regulamentação da comunicação coloque a democracia brasileira em novo patamar. Para nós, reafirmo, é preciso regular para ter mais.