A necropolítica toma conta da Petrobrás

 

[Editorial do Sindipetro Rio Grande do Sul]

Achille Mbembe, historiador, pensador pós-colonial e cientista político chamou de “necropolítica” as políticas de morte para o controle da população. Mbembe mostrou como o biopoder (*) é insuficiente para entender as relações de inimizade e de perseguição contemporâneas, já que há uma necropolítica em curso para produzir os “mundos da morte”. Relacionando a noção de biopoder com dois outros conceitos (estado de exceção e estado de sítio), Mbembe mostra de forma bastante clara como “o estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se a base normativa do direito de matar”, e como o poder  “apela à exceção, à emergência e a uma noção ficcional do inimigo” para justificar o extermínio de outrem. Quando o funcionamento do Estado deixa claro a necropolítica como regime de governo das populações, a desordem passa a ser descrita como “emergencial, conflito armado ou crise humanitária”.

O GOVERNO E A COVID-19

Os conceitos de *biopolítica e necropolítica tornaram-se cada vez mais relevantes nas ciências sociais, caracterizada por um sistema capitalista mundializado, neoliberal,  financeirizado, cuja raiz é a superexploração do trabalho e a concepção do produto como riqueza de poucos e pobreza/ miséria de muitos.

No Brasil, a pandemia do COVID-19 tem evidenciado que a opção do governo Bolsonaro, expresso nas declarações e ações, é cada vez mais minimizar o espaço da biopolítica e maximizar o da necropolítica. A estratégia do governo de extrema direita neoliberal para garantir o processo de acumulação capitalista em tempos de crise estrutural, uma combinação de crise econômica e política-ideológica, é adotar medidas que desprezem a vida da população mais vulnerável (idosos e trabalhadores de menor renda), em favor de uma pequena fração da burguesia (financeira, comercial e agroindustrial) que dá sustentação política ao governo.

NEGAÇÃO DA PANDEMIA

A estratégia do presidente brasileiro tem sido de negação da pandemia nos discursos, tratando-a como uma “gripezinha”, criticando as medidas de isolamento dos governos estaduais e municipais, ou ainda, de menosprezo às vítimas, afirmando que ocorreria no máximo “a morte de alguns idosos”, que já estariam sujeitos à morte por outras doenças infectocontagiosas. A negação da pandemia tem sido acompanhada de medidas econômicas tímidas para os trabalhadores mais vulneráveis e de ações preventivas massivas para o capital, como a aprovação de um socorro de R$ 2,3 trilhões para o sistema financeiro.

Na prática, para os neoliberais do governo, quanto mais idosos e miseráveis falecerem na pandemia, menos recursos públicos serão destinados aos gastos com as políticas sociais, favorecendo o superávit fiscal e o repasse de mais recursos para o pagamento da dívida pública.

UMA PRÁTICA QUE CHEGOU A PETROBRÁS

Na mesma linha do governo, estão atuando os gestores da Petrobrás. Primeiro demoraram a agir. Somente depois de muita pressão tomaram medidas tímidas para evitar aglomerações nos locais de trabalho e para proteger a saúde dos trabalhadores. E, até o momento, ainda estão expondo muitos a infecção pelo coronavírus.

Segundo o diretor do Sindipetro-RS, Dary Beck Filho, desde o início da pandemia, a gestão nacional da Petrobrás vem tomado uma série de atitudes unilaterais, que legam ser para “diminuir a contaminação”, mas que, na prática, nada tem a ver com isso, evidenciando o mesmo descaso da necropolítica do governo.

Trocaram o turno de 5 x 8 para 5 x 12, alegando menos pessoas nas refinarias, por exemplo, mas por outro lado baixaram uma diretriz nacional quanto aos contratados (terceiros) informando que só vão pagar o trabalho realizado. O resultado é que as contratadas vão fazer o óbvio: mandar todos trabalhar, com uma grande quantidade de pessoas na refinaria, mesmo em serviços que poderiam ser feitos mais adiante, ponderou o dirigente.

A mesma opinião é compartilhada pelo economista da subseção do Dieese da FUP, Cloviomar Cararine: “A gestão da empresa é criminosa, aplica a necropolítica, obriga os trabalhadores contratados e os próprios a trabalhar, aumentando o contágio da doença, enquanto os gestores propõem aumentar o bônus do presidente da empresa, Castello Branco, em até três vezes”, disse em Live do SINDIPETRO-RS na tarde da sexta-feira (03).

ESCOLHAS ERRADAS

O momento atual evidencia as escolhas equivocadas feitas pelo governo e pela gestão da empresa, quando se pensa a Petrobrás como a principal empresa na recuperação da economia brasileira no pós pandemia. E os prejuízos estão sendo sentidos mais fortemente agora. A venda da BR e da Liquigás estão, agora, causando dificuldades para a empresa, já que estas não são mais obrigadas a adquirir produtos da estatal e há um abuso nos preços, penalizando a população. A Petrobrás poderia estar tendo um papel fundamental, mas a opção por desistir de ser uma empresa integrada para colocar todos os “ovos na mesma cesta” agora a coloca na contramão de uma empresa de sucesso e do que outras petrolíferas estão fazendo, diz o diretor Alex Frey. De fato, o desmonte promovido na Petrobrás pelo governo Bolsonaro, deixa a situação ainda mais dramática. “A Petrobrás poderia ter um papel de organização para ajudar neste momento, com suporte para políticas públicas, como gás mais barato para atender a população e outras questões, mas o desmonte feito enfraquece sua atuação”, diz o dirigente.

PACOTE DE MALDADES

Mais recentemente, a pandemia do Covid-19 tem servido de desculpa para a gestão da empresa implantar uma série de decisões prejudiciais aos trabalhadores. No último pacote de maldades, anunciado dia 1º de abril, diz que vai cortar salários adicionais, cortar jornada do ADM para 6 horas, pagando somente 2/3 do salário. Já para os cargos de confiança, supervisores, coordenadores, gerentes, a empresa vai postergar o pagamento para setembro. “Os ” peões” vão se ferrar, vão perder dinheiro mesmo e não vai ter volta”, denunciou Dary. Os gestores se limitaram a justificar a medida como reflexo da sequência de quedas no preço do petróleo, devido à pandemia do novo coronavírus e aos conflitos geopolíticos envolvendo países como Rússia e Arábia Saudita. As medidas acontecem poucos dias depois de a empresa anunciar aumento de 26% para a gestão executiva. É importante lembrar que a situação da empresa foi agravada exatamente pela opção do governo/gestores de vender importantes ativos da estatal, como a Suape, BR Distribuidora, Fafens e NTS. As medidas foram tomadas sem negociação com os sindicatos, nem qualquer tipo de consulta à categoria e irão impactar cerca de 46 mil trabalhadores da Petrobrás e 7 mil da Transpetro. Anteriormente, a empresa já havia anunciado suspensão do recolhimento do FGTS, dos pagamentos da gratificação de férias e das horas extras, além do cancelamento do avanço de nível e promoção dos trabalhadores que aderiram ao PCR. A gestão também já havia alterado as escalas de trabalho dos petroleiros offshore e de turnos terrestres, sem falar nas demissões e punições arbitrárias que os gestores estão impondo aos trabalhadores que participaram da greve de fevereiro, descumprindo o que havia acordo com o TST. O Sindicato defende que há outras ações que a empresa poderia tomar, mas, assim como o governo, optou por penalizar os do “andar de baixo”, para privilegiar os do “andar de cima”, quer nos cuidados, quer nas questões financeiras.

Para entender: 

BIOPODER – É um termo criado originalmente pelo filósofo francês Michel Foucault para referir-se à prática dos estados modernos e sua regulação dos que a ele estão sujeitos por meio de uma “explosão de técnicas numerosas e diversas para obter a subjugação dos corpos e o controle de populações”.

BIOPOLÍTICA – É o termo utilizado por Foucault para designar a forma na qual o poder tende a se modificar no final do século XIX e início do século XX. A biopolítica tem como alvo o conjunto dos indivíduos, a população.