Por Marcelo Aguilar
Tragédias devastadoras como a do Rio Grande do Sul, secas como a que ocorreu na Amazônia em 2023 e ondas de calor como as sofridas em grandes cidades brasileiras são a cara mais cruel de um processo que veio para ficar e sob o qual a humanidade tem sido alertada de forma desesperada por cientistas do mundo inteiro: as mudanças climáticas e o aquecimento global.
Apesar de existir quase um consenso na comunidade científica e nos organismos internacionais de que as mudanças estruturais já não são mais uma opção e sim um imperativo, algumas das soluções que vêm sendo construídas, sobretudo com o objetivo de reduzir a emissão de gases do efeito estufa, tendem a aprofundar desigualdades existentes e perpetuar o sistema atual.
Tal como analisam pesquisadores do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em artigo publicado no boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica*, soluções como os créditos de carbono são importantes, mas não parecem suficientes para enfrentar um desafio de tamanha complexidade: “Os caminhos sugeridos até o momento, indicam que os países ricos tendem a se beneficiar da estrutura sistêmica desse mercado, podendo neutralizar suas emissões por conta de sua capacidade de geração de excedente e do poder de suas moedas. Sob esse aspecto, a ‘solução’ do mercado de créditos de carbono pode ter como consequência uma acentuação das atuais disparidades entre países ricos e pobres e, dessa forma, está longe de ser um instrumento voltado à promoção de uma Transição Justa”.
Não há saída sem os trabalhadores
É esse caminho, o da Transição Energética Justa, que a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos, como o Sindipetro Unificado, acreditam. Essa transição é uma transição que deve considerar as diferenças entre os países, comunidades e regiões, contemplar o grau de desenvolvimento desses locais e as gigantescas diferenças na emissão de gases do efeito estufa. É ao mesmo tempo uma transição que deve garantir a participação intensa dos trabalhadores e trabalhadoras que serão afetados pelas mudanças, direta ou indiretamente. Como os pesquisadores do DIEESE citam no artigo, é preciso investir na formação desses trabalhadores acerca dos problemas ambientais relacionados à atividade em que se inserem e às mudanças climáticas, tendo eles acesso à informação e até mesmo participação na elaboração dos planos das empresas e governos.
Para eles, esse processo só pode ser realizado com uma forte participação estatal no mundo, e no Brasil especificamente, através de suas grandes estatais, como a Petrobrás. No artigo, afirmam: “O debate deve estar calcado em como permitir que o Estado se financie e, ao mesmo tempo, crie mecanismos para direcionar recursos para a transição. Projetos estruturantes são fundamentais e construir infraestrutura verde e resiliente, tende a favorecer o desenvolvimento econômico, aumentar a produtividade, gerar novas oportunidades de negócios e novos empregos. Como imaginar essa transição no Brasil sem a participação decisiva da Petrobras e do BNDES, por exemplo?”.
Tarefa de casa
A Petrobrás sobreviveu – não sem sequelas – à feroz ofensiva que desde 2016 tenta lhe arrancar seu caráter estatal, federal e integrado, e a tentou converter numa máquina de dividendos restrita à exploração petrolífera.
Após a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição de 2022, a preocupação com o meio ambiente voltou a ter destaque na visão da Companhia e no Plano Estratégico 2024-2028 e grandes assuntos relacionados à pauta voltaram ao centro da cena, como a descarbonização e a transição energética.
Para o geógrafo, engenheiro ambiental na Recap e diretor da Regional Mauá do Sindipetro Unificado, Renato Felippe, “ainda falta muito por avançar e é necessário que a Petrobrás assuma o protagonismo no processo de transição energética justa no Brasil”.
Porém, Felippe alerta para assuntos “menores”, que podem parecer triviais, mas são fundamentais na construção diária de uma empresa comprometida com o Meio Ambiente: “existem aspectos e impactos ambientais próprios das unidades produtivas da companhia, e que não podem ser negligenciados. Nas refinarias e terminais, por exemplo, esses detalhes podem estar em um pequeno vazamento, em um resíduo disposto em um local impróprio, em uma fumaça escura na tocha, em um descarte de efluente tóxico para a estação de tratamento, em uma inundação, emissão excessiva de material particulado pela chaminé, na queda de galhos e árvores, dentre outros fatores”.
Em linha com o proposto pelos pesquisadores do DIEESE, Felippe chama à reflexão: “A força de trabalho está ciente dos aspectos e impactos ambientais decorrentes das atividades de sua unidade e as possíveis consequências desses impactos na sua saúde? As lideranças lotadas nessas unidades estão realmente preparadas, engajadas e comprometidas na prevenção e mitigação desses impactos ambientais decorrentes das atividades de rotina, bem como aquelas resultantes do novo normal climático?”.
São muitas as perguntas como essa no caminho rumo à uma transformação das estruturas, transformação que se faz urgente para tentar mitigar ao máximo os graves impactos das mudanças climáticas no Brasil e no mundo.