A necessária revisão do plano estratégico da Petrobras

O Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) publicou hoje (15/02), no Le Monde Diplomatique Brasil, o primeiro artigo de uma série de cinco que têm por objetivos analisar o plano estratégico da Petrobras para o período de 2023 a 2027 e identificar potencialidades para a empresa.

O primeiro artigo A necessária revisão do plano estratégico da Petrobras será seguido de outros, sempre às quartas-feiras, com os seguintes temas: exploração e produção (22/02), refino (01/03), biocombustíveis (08/03) e perspectivas (15/03).

Neste primeiro texto, o Ineep lembra que, em artigo recente, o atual presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, informou que pretende rever a atuação no refino e a posição da companhia na transição energética, uma vez que “manter a estratégia de se concentrar apenas na produção de energia suja e continuar dependente das importações de derivados é que ameaça [a Petrobras] com um passado conhecido de perder soberania energética e contribuir com a poluição do planeta”.

— Leia na integra o artigo publicado pelo Le Monde:

No dia 30 de novembro de 2022, a Petrobras aprovou um novo plano estratégico para o período 2023-2027. Comemorado pela gestão antiga da estatal, pois consolidou a Petrobras “como a maior investidora do país e incluía todos os projetos que apresentaram viabilidade econômica segundo os critérios de governança e aprovação da empresa”, o plano trouxe poucas novidades estratégicas em relação aos últimos anos.

O crescimento dos investimentos foi relativamente baixo (cerca de R$ 6 bilhões) e manteve a atuação da Petrobras fortemente direcionada para o segmento de Exploração e Produção (E&P), que representou cerca de 83% dos projetos que pretendem ser realizados pela companhia. Além disso, não houve uma revisão das diretrizes estratégicas nos demais segmentos da cadeia de valor. Particularmente em relação à transição energética, os investimentos continuaram focados em E&P, isto é, foram privilegiados projetos de descarbonização da produção de petróleo em vez daqueles de produção de novas fontes de energia. Dos R$ 4,4 bilhões de investimentos dedicados à transição energética, cerca de R$ 3,7 bilhões foram em projetos de descarbonização.

Os compromissos centrais da companhia chamam mais a atenção do que os números. Os eixos estratégicos foram mantidos, a saber: o foco industrial continuou centrado na exploração e produção; as métricas de topo da companhia preservaram questões de endividamento; e o principal público para geração de valor foi o acionista.

“Norteados pelo compromisso de gerar valor para a sociedade e acionistas, ao longo de 2022, entregamos uma performance operacional e financeira com plena aderência ao nosso Plano Estratégico 2022-2026, mostrando nossa resiliência e solidez, aumentando, dessa forma, o grau de confiança na consecução de nossas metas. Seguimos na nossa trajetória de entrega de resultados consistentes e sustentáveis. A estrutura de capital foi mantida em nível saudável e o caixa atingiu um patamar compatível com as nossas necessidades financeiras, alcançando a primeira e a segunda maior marca trimestral de EBITDA [lucro antes de juros, impostos depreciação e amortização] e fluxo de caixa operacional de sua história, nos segundo e terceiros trimestres de 2022, respectivamente. Nesse contexto, o novo PE 2023-27 foi elaborado preservando a visão, os valores e o propósito da companhia”, disse a empresa na divulgação do plano estratégico.

Embora esses aspectos sejam importantes para a sustentabilidade de longo prazo da companhia, ele ignora fatores fundamentais explorados por outras empresas do setor para guiar sua atuação futura e até mesmo aqueles que já nortearam a estratégia da estatal em anos anteriores.

Até 2014, o Petrobras veio acompanhando os grandes players do setor, buscando ampliar sua atuação no setor de energia – por meio de amplos investimentos em energia alternativa –, desbravar as potencialidades da cadeia de petróleo nacional e se inserir na cadeia global de energia.

No Plano de Gestão e Negócios (PNG) da Petrobras entre 2007-2011, por exemplo, a estratégia corporativa da companhia foi “liderar o mercado de petróleo, gás natural e derivados e biocombustíveis na América Latina, atuando como empresa integrada de energia, com expansão seletiva da petroquímica, da energia renovável e da atividade internacional”. Para isso, as principais iniciativas da estatal estiveram estruturadas na expansão de atuação de vários mercados (petroquímico, biocombustíveis, entre outros), no desenvolvimento integrado dos mercados de gás e energia elétrica, bem como na ampliação das vantagens competitivas na produção de petróleo. A consecução dessas iniciativas demandou gigantescos blocos de investimento nos mais diversos segmentos de atuação da Petrobras. Não foi por outra razão que, em relação ao PNG anterior (2006-2010), os investimentos aumentaram mais de 60%. Entre outros resultados, foram tais investimentos que permitiram a descoberta do pré-sal e uma forte expansão das reservas de óleo e gás da Petrobras. Essa política colocou a Petrobras como um grande ator global tornando-se forte concorrente de gigantes do setor como Shell, BP etc., bem como deu ao Brasil a oportunidade de garantir sua soberania energética e disputar um espaço mais relevante na geopolítica do petróleo.

O redirecionamento estratégico da Petrobras, que ocorreu a partir de 2016, demarcou uma mudança de visão do papel da estatal tanto na economia brasileira, como na sua inserção global no setor de petróleo. Com isso, a empresa passou a adotar uma postura preocupada quase que exclusivamente com a exploração do pré-sal e com seu endividamento, colocando em segundo plano as competências necessárias para sustentar sua posição de grande empresa do setor petróleo e indutora do desenvolvimento.

Essa mudança de mentalidade e o necessário redirecionamento estratégico será o primeiro desafio da gestão da Petrobras do governo Lula. Em vez de direcionar todos na exploração do petróleo e na contenção de investimentos, a gestão da companhia terá a missão de utilizar os recursos gerados pela produção de petróleo no desenvolvimento de novas fontes energéticas, bem como retomar seu papel de fomentar a expansão de outras cadeias produtivas. De forma bastante resumida, o desafio será utilizar os recursos gerados pelo petróleo para novos investimentos, principalmente na verticalização da empresa e no desenvolvimento de novas fontes energéticas, em vez de repassá-los aos acionistas.

Em recente artigo, o atual presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, já apontou que pretende rever a atuação no refino e a posição da companhia na transição energética, uma vez que “manter a estratégia de se concentrar apenas na produção de energia suja e continuar dependente das importações de derivados é que ameaça [a Petrobras] com um passado conhecido de perder soberania energética e contribuir com a poluição do planeta”.

A dúvida que ainda fica é como a Petrobras fará a revisão estratégica. Para isso, será fundamental uma avaliação das lacunas do atual plano estratégico e identificar as oportunidades existentes que não foram exploradas pela empresa.

Visando contribuir com essa tarefa, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), em parceria com o Le Monde Diplomatique Brasil, a partir desta semana, elabora um conjunto de artigos visando analisar as principais frentes do plano estratégico de 2023-2027, bem como identificar potencialidades futuras para a Petrobras.

O presente texto é o primeiro de uma série de cinco artigos elaborados pelo Ineep. O próximo artigo da série apresenta os aspectos gerais da estratégia da companhia, bem como as principais diretrizes estratégicas da empresa para o segmento de exploração e produção. Os dois artigos seguintes discutem os elementos que estruturam a estratégia de negócios da Petrobras, respectivamente, nas áreas do refino e de biocombustíveis. Por fim, um último artigo, traz uma visão de potencialidades que devem ser exploradas pela empresa nos próximos quatro anos, que foram ignoradas nos últimos planos estratégicos da Petrobras.

 

[por Diretoria Técnica do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustiveis (Ineep)]