A movimentação da Petrobrás contrária à transição energética

A urgência de se intensificar os investimentos em energias renováveis para reduzir expressivamente os impactos das mudanças climáticas a nível mundial não é recente. Ainda assim os investimentos nesse segmento são nitidamente lentos, a exemplo da atuação da Petrobras no setor nos últimos anos. A maximização do lucro da companhia frente à redução de dividendos, além do cenário crítico que o mundo enfrenta quanto a meta de 1,5°C, despertou rumores sobre uma atuação mais disruptiva da estatal no próximo quinquênio (2023 a 2027). Entretanto, o Plano Estratégico para o período evidencia a atuação morna da petroleira na geração de fontes alternativas de energia, enquanto petroleiras estrangeiras alavancam na corrida da transição energética (TE).

Apesar das principais empresas do setor estarem explorando cada vez mais as oportunidades no segmento de renováveis, a Petrobras não tem aproveitado a melhora da conjuntura financeira da companhia para efetuar novos investimentos, principalmente na produção de energia limpa. Além disso, a empresa continua direcionando sua atuação na transição energética em projetos de baixa emissão de carbono, em vez de novas tecnologias de geração de energia verde. O novo Plano Estratégico da companhia (2023-2027) mantém uma atuação “conservadora” da estatal frente à TE.

O total de investimentos em produção de energia limpa, cerca de US$ 600 milhões, representa menos de 1% dos investimentos projetados totais da Petrobras. Se forem incluídos os investimentos em redução de emissão de carbono, esse valor sobe para pouco mais de 5%. Um percentual ainda muito aquém das majors europeias que já têm dedicado mais de 10% dos seus investimentos para o segmento de transição energética. Essa aceleração dos investimentos das majors europeias em TE não é produto apenas de uma avaliação interna das empresas da necessidade de diversificarem sua atuação produtiva, mas também das recomendações internacionais sobre o futuro energético global.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) reforça em seu relatório (fev/2022) a necessidade de uma ação rápida dos governos e organizações diante do agravamento do aquecimento global, principalmente para que não haja maiores danos e impactos, até irreversíveis, tanto ao meio ambiente quanto aos seres humanos.

Os países, por sua vez, estão muito distantes do nível de ambição demandado para atingir as metas do Acordo de Paris. Segundo a ONU, ações extremas e eficientes serão necessárias para alcançar a neutralidade de carbono – emissões líquidas zero de dióxido de carbono – até 2050 e, também, a meta de conter o aquecimento global em até 1,5°C.

O PE da Petrobras mostra que os esforços da empresa para auxiliar na transição energética ainda estão muito aquém e na contramão do que é adotado pelas grandes operadoras europeias. Essas petroleiras vêm apostando cada vez mais em políticas de abastecimento do mercado de renováveis, com investimentos não só na produção de combustível verde, mas também no uso de novas tecnologias como as de geração de energia solar e eólica.

Essa falta de investimentos em energia limpa foi a marca do governo Bolsonaro. O economista Roberto Castello Branco, ex-presidente da companhia (2019-2021), declarou que a Petrobras priorizaria os desinvestimentos em atividades não relacionadas às operações de petróleo e gás no upstream. “Nós não vamos investir em energias renováveis só porque os outros estão investindo. Nós não temos competência nessa área, somos humildes, não vamos sair comprando usinas eólicas offshore ou investindo em transmissão de energia e outras coisas mais. Nós vamos investir naquilo que sabemos fazer bem: produção de óleo e gás”, disse o executivo em um evento do Credit Suisse, no começo de 2021. Isso ilustra como a Petrobras escolheu deliberadamente se afastar do movimento de transição energética realizado pelos seus pares.

Essa visão de Castello Branco, de certa forma, é um espelho da imagem passada pelo governo Bolsonaro sobre a questão da mudança climática. Não foram promovidas ações do governo voltadas a ajudar a controlar o aquecimento global. Os últimos planos estratégicos da companhia apresentaram ações bem tímidas em relação ao tema da TE. No PE 2022-26, a Petrobras destinou um CAPEX [despesa de capitais] de US$ 2,8 bilhões divididos entre produção de bioprodutos, descarbonização das operações e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em soluções de baixo carbono. Enquanto isso, o E&P [Exploração e Produção] recebeu montante de US$ 57 bilhões para iniciar a operação de quinze novas plataformas em seis campos, quase 84% do quantitativo total programado.

A proposta do último PE (2023-2027), lançado em novembro de 2022, prometeu destaque aos projetos de transição energética com foco na descarbonização. Os investimentos passariam de US$ 2,8 bilhões (PE 2022-2026) para US$ 4,4 bilhões distribuídos em iniciativas de descarbonização das operações (US$ 3,7 bilhões), na produção de diesel renovável e bioquerosene de aviação por meio do Programa BioRefino (US$ 600 milhões) e, por fim, US$ 100 milhões em P&D para novas competências. Do total de investimentos direcionado a atividades de descarbonização, a companhia aposta na criação de um fundo de desenvolvimento de US$ 600 milhões para novas iniciativas com menos emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa), principalmente aqueles envolvidos em suas operações. Além disso, “os demais US$ 3,1 bilhões estão detalhados nos segmentos de negócio da companhia, com destaque para captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS); sistemas de detecção de metano; configuração All Electric (eletrificação de plataformas); sistema de recuperação de gases, incluindo flare fechado; eficiência energética e projetos de redução de emissões em refinarias”, segundo informações da Petrobras (2022).

O incremento dos investimentos do último para o próximo quinquênio ainda reflete os interesses individuais da companhia, isto é, centrar seus investimentos nas operações de exploração e produção. A expansão em novos negócios de energia limpa continua no nível de construção do conhecimento e ampliação da cooperação técnico-científica (P&D). Ou seja, ainda não foi dessa vez que a Petrobras garantiu uma movimentação concreta acerca de investimentos em outras tecnologias renováveis, apenas andam intensificando a linha de pesquisa.

O que se via nos dois primeiros mandatos do governo Lula (2003-2010) era a tentativa de dar protagonismo à energia limpa, criando um segmento de investimentos destinados única e exclusivamente à produção de biocombustíveis. O PE 2009-2013 já prometia um investimento de US$ 174,4 bilhões, sendo 2% destinado a biocombustíveis, além dos já tradicionais investimentos em redução da emissão de carbono e em P&D. Para o quinquênio 2011-2015, foi previsto um montante de US$ 224,7 bilhões, com quase US$ 4,5 bilhões (2%) destinados só a esse segmento para expandir sua produção e incentivar seu consumo. Nesse meio tempo, ainda houve a criação da subsidiária PBio (Petrobras Biocombustível S.A.), em 2008, que atraía US$ 2,8 bilhões de investimentos, com foco na potencialização dos negócios de Etanol e da logística de distribuição.

A partir mudança do novo ciclo político em 2015, esses projetos foram praticamente todos descontinuados. Por isso, não é de hoje que o país vem observando um movimento da Petrobras contrário à transição energética. De 2020 até os dias atuais, fazendo um corte temporal curto, a Petrobras saiu do segmento de energia eólica, vendendo sua participação em quatro usinas no Rio Grande do Norte, e colocou à venda a própria subsidiária, a PBio. O último plano estratégico divulgado pela estatal não altera esse panorama.

Enquanto a Petrobras opta por remar contra a maré da TE, grandes petroleiras estrangeiras têm ampliado sua participação em renováveis em território brasileiro, principalmente no ramo de biocombustíveis e bioeletricidade, geração de energias solar e eólica, no caso da eólica tanto onshore quanto offshore. Como uma forma de impulsionar sua entrada no mercado de renováveis, a Petrobras deve retomar seus investimentos na produção de energia limpa, através da PBio e geração de energias eólica e solar. Além disso, a companhia deve se aproximar de start–ups para o desenvolvimento de novas tecnologias e, priorizar negócios verdes que tenham sinergia com negócios de óleo e gás.

A expectativa é de que o novo governo revisite o Plano Estratégico e incorpore grande parte do que prometeu em suas propostas antes de ser eleito. A estatal precisa se posicionar de forma estratégica e efetiva no mercado de renováveis para que a companhia faça parte do futuro da energia no país. A expressiva mudança climática que o mundo vem enfrentando não permite mais o negacionismo e a atuação passiva de uma das maiores produtoras de óleo e gás do mundo frente às metas para conter a variação da temperatura em 1,5°C até 2030.

Por Nathalia Pereira Dias, pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep)

Texto originalmente publicado em Le Monde Diplomatique.