Por Altamiro Borges
Diante do fiasco da seleção na Copa do Mundo – do vergonhoso 7 a 1 contra a Alemanha, dos 3 a 0 para a Holanda e do amargo quarto lugar no torneio –, alguns deputados sérios e outros nem tanto têm proposto a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar as razões da grave crise do futebol nacional. A ideia é boa, desde que a apuração seja rigorosa e não apenas um jogo de cena. É preciso investigar as relações mafiosas que imperam há décadas na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), dirigida por velhacos dos tempos da ditadura militar. Mas é necessário também apurar a interferência da Rede Globo, que hoje manda e desmanda no futebol brasileiro.
Com relação à CBF, que virou saco de pancadas nos últimos dias, já há consenso de que é necessária uma mudança profunda. A entidade máxima do futebol nativo está apodrecida e corrompida. Durante vários anos, ela foi presidida por Ricardo Teixeira, ex-genro de João Havelange – ambos lançados ao ostracismo, mas com enormes fortunas, após graves denúncias de corrupção. Na sequência, ela passou ao comando de Marco Polo Del Nero e José Maria Marin – este último um ativo colaborador da ditadura. A CBF não mudará sob a direção destes cartolas, que visam apenas o enriquecimento ilícito. Como conclama Bob Fernandes, “renunciem, senhores José Marin e Marco Polo Del Nero”.
O problema é que estes “senhores” estão no comando da CBF graças à engrenagem montada nas últimas décadas pelo consórcio firmado entre os chefões dos clubes e a poderosa Rede Globo. No site “Esporte Fino”, o jornalista José Antonio Lima destrinchou como funciona esta máfia:
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O colégio eleitoral que escolhe o presidente da CBF tem apenas 47 votos, sendo 20 dos clubes da Série A e 27 das federações estaduais. Só. Jogadores, técnicos, árbitros, clubes amadores e das Séries B, C e D não têm direito a opinar. Na última eleição, em abril, Marco Polo Del Nero foi eleito com 44 votos, uma quase unanimidade explicada pelo fato de que tanto clubes quanto federações são obrigados a ser situacionistas diante do domínio exercido pelo complexo CBF-Globo no futebol brasileiro.
O esquema é fácil de entender. Por um lado, a CBF obtém os votos das federações ao conservar um calendário que permite aos dirigentes dessas entidades manterem intacto seu poder paroquial dentro dos estados. Ajuda nesta missão a mesada repassada pela confederação. O nefasto resultado disso é um fortalecimento dos campeonatos estaduais que, como mostram os números, está matando o futebol brasileiro. Os clubes da Série A, por sua vez, votam na situação no pleito da CBF porque são reféns da TV Globo.
Após décadas de gestões catastróficas, os clubes acumulam enormes dívidas e, para sobreviver, dependem em grande parte do dinheiro das cotas de televisão. Seja com os pagamentos regulares ou com adiantamentos, como o recebido pelo São Paulo recentemente, a Globo mantém os clubes sob seu controle. Em troca, a emissora preserva os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro e seus privilégios com a seleção.
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O consórcio CBF-Globo – talvez fosse melhor chamar de máfia – ajuda a explicar a crise do futebol brasileiro. Os clubes menores não têm espaço nesta transação milionária; não há qualquer interesse na formação de novos jogadores, com as escolinhas sem investimentos indo à falência; os jogadores que se destacam viram mercadoria para exportação, tratados como commodities de matéria-prima; os estádios ficam vazios; os jogos mais vistosos são transmitidos de acordo com a grade de programação da TV Globo, em esdrúxulos horários, o que espanta os torcedores. Toda esta engrenagem nefasta, porém, não é alvo de críticas, já que a poderosa emissora interdita qualquer debate sobre o assunto.
Ainda segundo José Antonio Lima, “o assunto é um verdadeiro tabu, graças ao domínio que as Organizações Globo exercem sobre o jornalismo esportivo brasileiro. Por óbvio, quem trabalha em veículos ligados à emissora não pode tratar dele. Quem atua em outras empresas jornalísticas também se sente intimidado, uma vez que criticar um dos produtos mais rentáveis da emissora é fechar as portas para futuros trabalhos em qualquer veículo ligado à empresa. Noticiar os detalhes desta quase simbiose entre a confederação e a emissora, assim, se torna uma aventura”.
Se realmente há interesse em discutir as causas da crise do futebol brasileiro, uma improvável CPI deveria convocar de imediato os cartolas da CBF e os executivos da Rede Globo. Será que os nobres parlamentares topam este desafio?