A economista e assessora da CNQ fala sobre a PEC das domésticas e as desigualdades entre homens e mulheres

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Em entrevista ao Sindipetro-BA, a economista e especialista em relações do trabalho, Marilane Teixeira, fala sobre a desigualdade entre homens e mulheres, a importância da Lei Maria da Penha, a conquista das trabalhadoras domésticas e a luta que as mulheres precisam encampar por mais direitos. Marilane é assessora da Confederação Nacional do Ramo Químico (CNQ) e participou também do I Encontro Nacional das Petroleiras Fupístas, realizado entre os dias 05 e 07 no Rio de Janeiro.

Na sua opinião, o que significa para a sociedade brasileira e para as trabalhadoras domésticas a aprovação da PEC, que amplia direitos trabalhistas de trabalhadores domésticos?

Trata-se de um grande avanço, é inconcebível que mais 8 milhões de mulheres estejam dedicadas ao emprego doméstico e apenas 25% tenham acesso a carteira assinada. A formalização é um direito, as trabalhadoras domésticas precisam ter garantidos os seus direitos previdenciários, mas certamente há muita resistência porque se instalou uma cultura que de que a trabalhadora doméstica faz parte da família, muitas residem no seu próprio trabalho e as horas extraordinárias devem ser pagas na forma de hora extra o que certamente gerará uma pressão sobre essa trabalhadora dentro dos domicílios. Precisamos de instrumentos eficazes para garantir o cumprimento desses direitos.  A sociedade também precisa criar mecanismos para incorporar essas trabalhadoras em atividades com perspectivas profissionais, e o trabalho doméstico deve ser compartilhado entre os membros da família. Não é aceitável que um país como o Brasil com tantas possibilidades de desenvolvimento tenha na atividade doméstica a principal forma de emprego das mulheres.

Você afirma que existe uma construção social dos sexos. Como se deu esta construção ao longo da história?

Não há uma definição precisa sobre a origem das desigualdades, os estudos em sociedades primitivas já indicavam que existia uma divisão sexual do trabalho em que as tarefas estavam divididas de acordo com o sexo. Essa divisão aparece em qualquer sociedade, ou seja, em qualquer período considerado. Entretanto, não se estabelecia relações de hierarquia de forma tão evidente como na sociedade capitalista, ou seja, as tarefas embora distintas se complementavam.

Sem dúvida, é na função específica do trabalho reprodutivo como atribuição das mulheres que encontramos a origem da divisão sexual do trabalho presente em todas as sociedades e que se estrutura a partir de um princípio hierárquico, ou seja, produção “vale” mais do que reprodução, produção masculina “vale” mais do que produção feminina. Esse problema do “valor” do trabalho não no sentido econômico perpassa toda a reflexão da divisão sexual do trabalho e sugere uma hierarquia social.

O caráter social presente nas desigualdades entre homens e mulheres é uma contribuição dos movimentos feministas que eclodiram na década de 1960, conhecidos como   “segunda onda do feminismo”.  Portanto, tem um caráter econômico, também é cultural; mulheres e homens criam sua identidade de gênero na interação com o seu meio social. Não há uma essência masculina ou feminina, “ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher” já dizia Simone de Beauvoir.  

Podemos dizer que o Capitalismo contribuiu para o aprofundamento dos preconceitos e da desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho? 

O advento do capitalismo representa uma ruptura com uma forma de organização do trabalho social. No período anterior ao desenvolvimento da manufatura, o trabalho produtivo da mulher na agricultura era quase a metade do trabalho e da produção necessária das áreas rurais, embora houvesse uma nítida fronteira entre o que era trabalho de homens e mulheres. Os homens eram encarregados da agricultura e da produção de ferramentas e outros bens manufaturados. As mulheres eram encarregadas da produção de produtos acabados usados pela família e pela comunidade, tais como fios e tecidos, roupas, comidas em conservas, cobertores, acolchoados etc. Quando os meios de produção domésticos e da comunidade rural começaram a ser controlados por mercadores e especuladores, a produção doméstica passou por uma revolução profunda. Tanto a produção artesanal masculina quanto a doméstica feminina se tornaram trabalho assalariado, seja dentro de casa ou na fábrica.  O trabalho doméstico feminino assalariado passou a ser considerado “ trabalho para fora” e, em uma etapa posterior, o trabalho deslocou-se do interior da residência para a fábrica, para a produção mecanizada.  Criando novos papeis nas economias, tanto para homens quanto para mulheres.  À medida que o capitalismo se desenvolvia permaneciam os preconceitos patriarcais. As mulheres ficavam em casa, eram encaminhadas a “profissões femininas”, como enfermagem e ensino, o que reforça a crença de que as mulheres, sendo menos capacitadas que os homens, só podem exercer funções extensivas de sua tendência “natural”, isto é, cuidar dos outros  Com o advento do capitalismo o trabalho doméstico das mulheres teve sua relação com a exploração de classe ocultada, uma vez que foi separado fisicamente da produção mercantil. O trabalho doméstico cria mais-valia, uma vez que a parte do salário dos homens que sustenta as mulheres é menor do que o valor da produção das mesmas. Desta forma, o trabalho doméstico não pago das mulheres subsidia a produção capitalista, aumentando ainda mais a sua taxa de exploração  As mulheres também constituíam “exército de trabalho de reserva”, sendo incorporadas ou eliminadas do mercado de trabalho conforme as necessidades do sistema capitalista. Além disso, o salário menor pago às mulheres permitia que o capital se apropriasse de uma taxa de lucro extra.

A Lei Maria da Penha  foi um grande avanço na luta de proteção às mulheres. Mas temos visto na mídia casos cada vez mais freqüentes de agressão às mulheres. Como você analisa isto?

A questão da violência está associada ao patriarcado, trata-se de um conceito importante para entender o poder que os homens exercem sobre as mulheres. Certamente o problema se torna mais grave quando a mulher depende financeiramente, por isso, é muito importante a conquista da autonomia econômica.  Quanto mais independentes mais força terão para enfrentar a violência, No âmbito do governo federal está  sendo desenvolvida várias políticas de combate a violência, portanto, o poder público tem um papel muito importante. A violência contra as mulheres em todas as suas formas (doméstica, psicológica, física, moral, patrimonial, sexual, tráfico de mulheres) é um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes sociais, origens, regiões, estados civis, escolaridade ou raças. Faz-se necessário, portanto, que o Estado brasileiro adote políticas de caráter universal, acessíveis a todas as mulheres, que englobem as diferentes modalidades pelas quais ela se expressa. Nessa perspectiva, devem ser também consideradas as ações de combate ao tráfico de mulheres, jovens e meninas. No caso específico da violência doméstica temos a Lei Maria da Penha, as casas de abrigo, o Disque Denuncia e mais recentemente a Presidenta anunciou uma série de medidas em favor das mulheres vitimas de violência.  Uma das possibilidades de análise para essa onda de violência é o espaço para a denúncia, antes as mulheres não tinham esse acesso.  Em 2012 o disque denúncia recebeu 389 mil ligações e 47 mil vítimas de violência foram atendidas no SUS em 2011.   Por outro lado, há uma banalização principalmente pela forma com a mídia aborda, trata como fenômenos isolados de homens desajustados ou com problemas de infância, e não como um problema social gravíssimo.   Mas  acredito que está crescendo a conscientização na sociedade e, principalmente, entre as mulheres de que não se pode mais conviver com os abusos em silêncio.

É fato que houve muito avanço no que diz respeito aos direitos das mulheres. Mas, na sua opinião, o que de ainda importante falta às mulheres conquistar?

 Sim, em vários aspectos. No mundo do trabalho ainda convivemos com a falta de oportunidades iguais, os  homens estão nas melhores colocações e postos de trabalho. As mulheres mesmo com escolaridade  superior continuam nas piores ocupações e nos setores econômicos que remuneram menos.  A ausência de creches públicas é um grande desafio, atualmente as creches públicas e privadas  para crianças de até 3 anos  cobrem apenas 21% da demanda.   A reforma política através de listas alternadas e o financiamento público de campanha. A ausência de compartilhamento do trabalho doméstico, com grande sobrecarga para as mulheres.  Embora com uma presidenta eleita, as mulheres continuam com muita dificuldade de participarem dos espaços públicos.