Por Artur Henrique, secretário-adjunto de Relações Internacionais e presidente do Instituto de Cooperação da CUT
Falta menos de um mês para o povo de Honduras escolher quem vai ocupar a Presidência do país nos próximos quatro anos. Com a eleição, marcada para 24 de novembro, os trabalhadores e trabalhadoras hondurenhos esperam começar a consertar os vários e graves problemas criados ou calculadamente aprofundados pelo golpe de Estado de 2009.
Embora a candidata do recém-criado partido Libre (Liberdade e Refundação), Xiomara Castro, apoiada pelo movimento sindical, lidere as pesquisas de opinião até aqui, a eleição não está garantida. As forças de situação, conduzidas à cadeira presidencial em uma eleição duvidosa, logo após o golpe, vai recorrer à fraude se necessário para impedir a posse da oposição. A estrutura de poder gerada pelo golpe e seus principais autores foram preservados no interior das instituições, enquanto vozes críticas vão sendo removidas com justificativas vis e atos de exceção.
Como não poderia deixar de ser, outras dificuldades virão mesmo após a desejada eleição de Xiomara e sua posse. Será necessário, segundo relatos de nossos companheiros das centrais sindicais hondurenhas e de reportagens independentes que nos chegam, reconstruir o Estado e a infraestrutura do país e especialmente reconduzir a atividade política ao centro das decisões, hoje submissas ao perfil militarizado e de sítio imposto à população. A extrema violência – 85, 5 homicídios por 100 mil habitantes – teria sido, segundo analistas que vivem o cotidiano de Honduras, sutilmente tolerada a fim de justificar a opressiva militarização das ruas observada atualmente. Para visualizar melhor o quadro, talvez ajude citar que no Brasil a taxa de homicídios em 2010 foi de 27,4 por 100 mil habitantes.
Na tentativa de cooperar com a lisura das eleições e garantir a liberdade de ir às urnas, o movimento sindical de nosso continente vai enviar uma delegação de dirigentes para Honduras nos dias que antecedem a votação e que de lá sairá apenas após a apuração. A iniciativa, liderada por nossa CSA (Confederação Sindical de Trabalhadores das Américas), já conta com a adesão da CUT, da estadunidense AFL-CIO e da canadense CSN, entre outras.
Essa iniciativa é mais uma de um projeto de cooperação que mantemos com os nossos amigos e amigas de Honduras, cujo objetivo estratégico é contribuir para a consolidação da democracia e da construção de um projeto de desenvolvimento que, a partir de cada nação, conduza a América latina à autodeterminação política, à autonomia econômica e à integração dos povos. Temos desenvolvido projetos semelhantes em outros países de nossa região. Em todos, e cada qual com sua peculiaridade, o princípio é aperfeiçoar a organização sindical e consequentemente ampliar as bases de representação e o número de filiados, e somar forças para alcançar as mais que necessárias liberdade e autonomias sindicais, sem o que não há verdadeira democracia.
Daqui até o ano que vem haverá novas sucessões presidenciais – Uruguai, El Salvador, Chile, Argentina, Brasil, Colômbia, Bolívia – e a vitória de candidatos com histórico e compromisso de emancipação das velhas receitas estadunidenses para a região, agora sintetizadas na proposta da Aliança do Pacífico, é extremamente importante para impedir recuos e manter abertas as oportunidades de maiores avanços sociais.
Quando o movimento sindical não participa desses processos, pressionando por mais direitos, representatividade política e aumento da participação do trabalho nas rendas nacionais, os resultados não são nada animadores. Seja por repressão aos sindicatos, seja por fraqueza do próprio movimento, exemplos não faltam a respeito do empobrecimento material da população quando a política e a economia prescindem dos trabalhadores organizados.
Nosso dever, portanto, é contribuir para consolidar em todos os países vizinhos um sindicalismo mais forte, influente, transparente e conduzido a partir de suas bases.
No caso já citado de Honduras, o quadro só não pode ser classificado de sombrio por causa da fé e da disposição dos companheiros e companheiras sindicalistas que lá militam. Por sinal, o bom estado de ânimo demonstrado por esses amigos diante das dificuldades é uma lição de vida e de luta e uma das principais recompensas para quem de nós pôde conhecê-los. Porém, objetivamente, a atuação sindical lá enfrenta diversos obstáculos, como a perseguição a dirigentes sindicais, regras antigreve feitas a toque de caixa nos tribunais herdeiros do golpe, e uma postura subserviente do governo diante das múltis, notadamente as estadunidenses, às quais são concedidas várias vantagens sem que se peça quase nada em troca.
Outro país que temos tido oportunidade de conhecer é El Salvador. O povo salvadorenho vai escolher o próximo presidente em fevereiro de 2014. A história deles é belíssima, feita de drama e heroísmo, e inspirou muitos de minha geração. Atualmente, a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) ocupa a Presidência, com Maurício Funes. Como não há reeleição por lá, a Frente vai às urnas com um líder histórico, Salvador Sánchez Cerén.
A campanha, iniciada oficialmente este mês, vai bem. Porém, há pouco mais de um ano, os sinais eram menos promissores. Divisões no movimento sindical salvadorenho contribuíam para um quadro de muitas incertezas quanto às possibilidades de vitória nas urnas. De posse desse diagnóstico, desde o primeiro trimestre deste ano estamos reunindo as principais correntes do movimento sindical daquele país para debater e elaborar propostas de consenso para o desenvolvimento sustentável. Através de seminários, o que os companheiros e companheiras de El Salvador estão construindo é uma plataforma da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que consolidam unidade em torno da candidatura que tenha compromisso histórico com distribuição de renda, superação das desigualdades, ampliação e manutenção de direitos e da liberdade como pilares de um projeto de nação.
No próximo dia 30 de novembro, os sindicatos de El Salvador farão uma assembleia nacional para lançar a plataforma, dar visibilidade ao projeto que propõem e arrancar compromisso por parte da candidatura que defendem. Processo inspirado na experiência da Jornada do Desenvolvimento, capitaneada pela CUT entre os anos de 2008 e 2010, quando criamos a “Plataforma da Classe Trabalhadora”, lançada oficialmente por todas as centrais no estádio do Pacaembu, São Paulo, em defesa de um projeto democrático-popular, às vésperas das eleições de 2010.
Mais que uma ação de corrida eleitoral, essas experiências são intervenções concretas na disputa pelos rumos nacionais, e as propostas formuladas servem de referência de luta e de agenda sindical para os anos seguintes.
Com esse mesmo espírito a CSA e a CUT, em conjunto com entidades sindicais da região, estão elaborando a Plataforma pelo Desenvolvimento das Américas (Plada). Embora ambicioso, aqui nosso objetivo também é possível de atingir. A Plada proporá uma agenda sindical comum aos países da região, com eixos gerais que orientem a luta por desenvolvimento econômico que integre as dimensões política, social, cultural e ambiental.
Com isso, estamos participando de um esforço por uma unidade latino-americana que transcenda o aspecto comercial – hoje predominante – e que coloque a integração entre pessoas, valores culturais e direitos humanos como prioridades.
Lembremos que a América Latina tem surgido como referência democrática de superação de desigualdades através de crescimento e inclusão social. Com todas as suas contradições e sua ainda imensa dívida social, nossa região vive uma experiência que pode balizar a esquerda em todo o mundo. Isso é uma oportunidade. E uma responsabilidade imensa. Temos de fazer o possível para cooperar com o avanço e aprimoramento desse momento histórico.