A crise capitalista em curso no mundo e, por conseguinte, também no Brasil, não deve ser encarada como um episódio isolado. Para ser verdadeiramente dimensionada, precisa ser apreciada e compreendida em sua real dimensão histórica, como resultante de um processo que envolve disputas e conflitos.
Quem paga a conta?
Em permanente luta pela sobrevivência, o sistema capitalista utilizou-se, sobretudo a partir dos anos 80, de uma nova roupagem. Com ela, procurou revestir velhos conceitos teóricos, perseguindo a mais ampla desregulamentação da economia a fim de liberalizar ao máximo o fluxo de capitais em todo o mundo.
Como complemento ao receituário no qual o Estado tornava-se desnecessário até mesmo como ente regulador, ativos públicos foram transferidos para a iniciativa privada, o trabalho foi precarizado, históricos direitos trabalhistas foram atacados – quando não suprimidos, e a economia foi progressivamente financeirizada.
Finalmente, depois de propagado e encampado por elites econômicas e políticas em todos os continentes, esse modelo de criação de riqueza virtual sucumbiu. E sob os seus escombros, vozes que antes o enalteciam, hoje fazem uma espécie de “mea culpa”, buscando nos cofres do Estado que tanto combateram a saída para a sobrevivência do próprio sistema.
Por outro lado, aqueles que resistiram e combateram tais fundamentos, sobretudo, por sentirem na pele as conseqüências nefastas da implantação do “novo” modelo, não ficarão imunes. Os efeitos da crise, que teve como epicentro o capitalismo financeirizado, em verdade, já se fazem sentir na chamada economia real.
É como disse o vice-presidente da CTB, Nivaldo Santana, em recente manifestação: “Quando a economia está em processo de crescimento, os últimos a serem beneficiados são os trabalhadores e trabalhadoras, mas quando ela está em desaceleração, são os primeiros e primeiras a serem chamados para pagar a conta".
O papel da mídia
Diante da crise e de seus possíveis desdobramentos, as forças políticas e sociais tendem a intensificar as disputas no terreno econômico e, principalmente, no plano ideológico. No Brasil, isso fica mais evidente pelo enfoque e dimensão que a chamada grande mídia vem dando ao assunto. Logo ela, destacada porta-voz do pensamento neoliberal.
À serviço das forças conservadoras, esses veículos tratam já de preparar um ambiente mais propício para a grande batalha eleitoral de 2010, para, no momento certo, jogar toda a responsabilidade pelas conseqüências econômicas e sociais da crise na "incapacidade" do Governo Lula para enfrentá-la.
Encruzilhada política
Diante das circunstâncias, podemos afirmar que o Governo Lula vive uma encruzilhada política (e não só econômica!): ou decide destravar as amarras que hoje impedem um crescimento econômico capaz de enfrentar o atual cenário, buscando o fortalecimento da economia nacional e dos seus instrumentos indutores (sistema financeiro público e empresas estatais) para fomentar o consumo popular e a atividade produtiva, ou continua com sua híbrida política macroeconômica, de viés contracionista, que tem na manutenção das mais altas taxas de juros do mundo um dos grandes contra-sensos, sobretudo na realidade atual. E essa última opção – claro – põe em risco as conquistas do próprio governo.
A decisão do COPOM do Banco Central, em sua última reunião, de manter as taxas de juros atuais, expressa essa dualidade e a força política que a elite brasileira e seus aliados ainda detêm, dando a essa instituição um caráter independente, deslocado de um projeto nacional de desenvolvimento. Não à toa, ele está dirigido por um banqueiro.
A depender da escolha do presidente Lula sobre qual o caminho a trilhar, podem se estabelecer as condições objetivas favoráveis ou não à sua sucessão.
A crise, a Petrobras e o sistema financeiro público
Enquanto empresa de economia mista e tendo o Estado brasileiro poder de decisão sobre ela, a Petrobras, ao longo do Governo Lula se constituiu num dos grandes instrumentos indutores de nossa economia: ampliou seus níveis de investimento; focou em exigências nos índices de nacionalização nas contratações de bens e serviços, propiciando a retomada de várias atividades econômicas, com destaque para a indústria naval e toda a sua cadeia produtiva; descobriu reservas que colocam o Brasil entre os grandes no cenário energético mundial.
O Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, passo importante dado pelo Governo Lula no rumo de uma agenda desenvolvimentista, prevê investimentos de R$ 503,9 bilhões, sendo 34% deste montante oriundo da carteira de projetos do sistema Petrobras. Não à toa, a atividade petrolífera no Brasil representa hoje 10% do PIB.
Realçamos, mais uma vez, esses dados para melhor compreendermos as razões pelas quais a coalizão da direita brasileira, centrada no PSDB/DEM/PPS, realiza uma tática desestabilizadora sobre a gestão dessa empresa. As mesmas atitudes eles patrocinaram quando da aprovação da medida provisória 443 que possibilita o fortalecimento do papel do sistema público financeiro brasileiro (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) e quando da criação do fundo soberano.
Na verdade, a direita sabe que a viabilização e a consecução vitoriosa desses programas e medidas, podem constituir importantes contra-tendências aos efeitos da crise capitalista no país e por isso, a todo custo, lutam para inviabilizá-las. Eles apostam no pior para tentarem chegar em melhores condições políticas no pleito de 2010.
O papel dos movimentos sociais
As conseqüências econômicas e sociais da crise, as medidas que o Governo Lula venha a adotar para enfrentá-la, como também as do segmento industrial e de serviços no país, combinadas com a disputa política de 2010, tendem a elevar a temperatura da luta de classes no Brasil. E dentro dessa perspectiva, cresce ainda mais o papel dos movimentos sociais.
O êxito da V Marcha à Brasília, com a presença de 35 mil pessoas, é uma manifestação dessa tendência. Ali, os movimentos sociais, sobretudo, os trabalhadores e trabalhadoras coordenados pelas mais representativas centrais sindicais do Brasil (CUT, CTB, Força Sindical, UGT, CGTB e Nova Central), deixaram um recado ao executivo, ao parlamento e ao patronato: não admitiremos pagar mais uma vez uma conta que não geramos. Essa Marcha, apesar de muito importante, foi apenas um começo para as necessárias batalhas que ainda haveremos de realizar.
A unidade política é decisiva
Devemos também realçar um fato importante para os movimentos sociais e, em particular, para o movimento sindical: uma das razões – além daquelas de ordem objetiva, para o sucesso do recente ato na capital brasileira, foi o maior amadurecimento político do sindicalismo brasileiro, sem o qual não teria sido possível uma estratégia de unidade na ação política, e nem a elaboração de uma plataforma comum entre as centrais sindicais envolvidas, pautada na defesa da adoção de um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho.
Esse patrimônio político acumulado pelo movimento precisa desenvolver-se ainda mais e as amplas e necessárias mobilizações contra a especulação financeira, pelo controle dos fluxos de capitais e do câmbio, pela ratificação das convenções 151 e 158, além da redução da jornada de trabalho sem redução salarial, dentre outras, devem adquirir maior convicção junto a classe trabalhadora brasileira.
Para cumprir esse objetivo, que já está na ordem-do-dia, miremos o exemplo dos trabalhadores e trabalhadoras franceses. Em fevereiro do próximo ano, eles realizarão um grande encontro nacional para formular e unificar ações que sejam capazes de enfrentar os efeitos da crise capitalista atual.
Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil: uni-vos, já!
Não é hora de atomizarmos nossa ação política, mas ao contrário: devemos unir nossas forças, politizar nosso diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras, levando-os a refletir sobre as raízes dos problemas atuais e a encontrar formas de interferir na grande disputa política em curso no país.
Está na hora, portanto, de o movimento sindical brasileiro, a partir das centrais interessadas na defesa da agenda daqueles que vivem do trabalho, bem como, na implementação de transformações estratégicas em nosso país, viabilizar, o quanto antes, as condições para a convocação de uma instância política capaz de unificar nossas ações e, com a força dessa unidade política, proteger o povo, a classe trabalhadora brasileira e seus aliados.