Duas vezes Ministro das Relações Exteriores, a última durante oito anos no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim foi também Ministro da Defesa no governo Dilma. Estudioso dos assuntos de defesa, em diálogo com petroleiros e petroleiras de todo o Brasil, ele analisou o governo Bolsonaro e as mudanças no governo americano e na geopolítica.
A exposição do ex-ministro começou chamando a atenção para um fato recente, que passou quase despercebido em meio à avalanche de notícias que nos atropela: a visita de William Burns, diretor da CIA, agência de inteligência do governo norte-americano, que reuniu-se semana passada com ministros do governo Bolsonaro, em Brasília, na volta de sua passagem pela Colômbia. Para Amorim, foi um fato surpreendente, pois “geralmente essas autoridades se deslocam na véspera de um conflito, ou situação muito dramática. Por isso mesmo, a vinda do chefe da CIA despertou várias especulações. Todas elas respeitáveis”, afirmou.
Após destacar que Colômbia e Brasil foram os dois únicos países que votaram contra a resolução que condena as sanções contra Cuba na ONU, e que “são os dois países cujos presidentes estavam mais ligados a Trump”, Amorim acrescentou: “Acredito que essa visita do chefe da CIA foi para tomar o pulso em ambos os países. Eles (referindo-se aos EUA) estão olhando para América Latina e tentando entender como vão se posicionar. Não acredito que ele (William Burns) esteja aqui para apoiar um golpe, seria muito evidente e contraditório com a forma de atuação da CIA. Me parece que seja mais uma necessidade de entender”.
Mudança de tom
Amorim divide em duas frentes as mudanças ocorridas na política norte-americana, após a vitória de Joe Biden. Internamente, destaca mudanças: “no sentido de uma política mais social, um retrocesso do neoliberalismo, e um aumento do investimento público”. Mas, do ponto de vista da política internacional, ele diz que “mudou muito pouco”. Porém, Amorim enxerga “uma mudança de estilo, com menos ameaças, uma diferença no tom, há vários indícios disso, o que não significa que os objetivos tenham mudado”.
Para o ex ministro, os EUA continuam a ver a América Latina sob a ótica da luta pela hegemonia mundial com a China e a Rússia: “A cabeça norte-americana em relação ao continente ainda é muito moldada pela visão de América Latina como quintal estratégico”. Porém, afirmou que “em política internacional, uma mudança de tom pode significar salvar milhares de vidas e não pode ser desprezada”. E apontou: “Os Estados Unidos com Biden decidiram voltar ao mundo, mas parece que ainda não perceberam que o mundo mudou e que essa hegemonia que eles exerceram durante tanto tempo terá que ser compartilhada. É algo que o Brasil e a América Latina têm que entender também para se posicionar”.
A Caserna e a política
Ministro da Defesa no momento mais tenso da relação entre os governos progressistas e as Forças Armadas, que foi a instauração da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2011, Amorim afirma que existe um processo de politização dos militares, mas defende a necessidade da existência das Forças Armadas.
“Há um ranço da caserna com a esquerda, que vem dos anos 30, se acentuou com a Guerra Fria e ficou amenizado durante os governos Lula e Dilma, graças aos progressos feitos e a forma respeitosa com que foram tratados”, afirma, acrescentando: “A Comissão da Verdade mexeu em feridas, é verdade, que poderia ter sido feito de outra maneira, talvez, mas não devemos puxar para nós a responsabilidade de uma coisa errada deles, que foi se meter em política”.
Para o ex-ministro da pasta da defesa, o que o presidente Bolsonaro está tentando fazer com as Forças Armadas é “neutralizá-las”, ou seja, “fazer com que numa situação caótica, gerada com apoio de setores das polícias ou milícias, as Forças Armadas não atuem”. Apontando um certo “desconforto de setores do alto comando”, Amorim acredita que “dificilmente os militares apoiariam Bolsonaro numa aventura de golpe”.
Mas Amorim reafirmou a necessidade da existência das forças militares: “Um país de dimensão continental, com dez fronteiras, com o maior litoral no Oceano atlântico do mundo, uma riqueza como o pré-sal, um espaço aéreo gigante, não pode deixar de ter Forças Armadas. Mas elas têm que entender que sua missão é proteger a soberania da nação”.
Desafíos nacionais
No tocante à realidade nacional e à conjuntura política, o diplomata apontou a necessidade de reforçar a luta pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro: “O ideal seria que Bolsonaro fosse derrotado por Lula nas urnas. Mas as coisas ruins que podem acontecer até lá no campo humano, político, cultural e econômico, não nos permitem abandonar a linha de exigir o urgente impeachment do Bolsonaro”.
“Não devemos ter medo da palavra impeachment. Precisamos restabelecer a democracia no Brasil. Estamos falando de quase 530 mil mortes, uma economia que não cria emprego, situação de carestia que atinge sobretudo os mais pobres e vulneráveis”, afirmou.
Para Amorim, “a elite econômica está descontente com esse comportamento absurdo do Bolsonaro em relação à pandemia, que teve efeito contrário. Além das mortes, as elites económicas sabem que as soluções para a economia não deram certo. Querem um governo estável, não uma crise por dia. Isso está enfraquecendo a base política de apoio do Bolsonaro”.
Para sair desta situação, o ex-ministro aponta Lula: “Um líder que transcende o Brasil, enxergado no mundo como uma liderança importante, que pode reconstruir esse país”. E acrescenta: “O Lula está tendo uma atitude muito coerente e muito correta nesse momento. Lula é uma figura agregadora que tem que ser preservada e conquistar a Presidência da República”.
[Da imprensa da FUP]