Durante muito tempo as análises críticas do capitalismo promoveram as relações de trabalho a tema central, a partir das próprias análises de Marx, que definem como centrais as relações capital-trabalho nesse tipo de sociedade. Se deduziam, no campo político, consequências que reduziam praticamente as contradições sociais a essas relações que, uma vez superadas, levariam à emancipação de toda a humanidade.
Temas como os de gênero, de etnias, de meio ambiente, seriam resolvidos pela superação da contradição capital-trabalho. Mais além de saber se os países que se assumiram como socialistas ao longo do século XX aboliram essa contradição central (avançaram nessa direção, mas estatizaram os meios de produção ao invés de socializá-los, abolindo ou quase, a propriedade dos meios de produção, mas transferindo-a para uma burocracia estatal e não para os trabalhadores), nessas sociedades aquelas contradições, apontadas como secundárias, sobreviveram fortemente.
Com as grandes transformações operadas no mundo a partir dos anos 80, o mundo do trabalho passou por um processo de total reversão dessa centralidade, seja pela incorporação positiva de outras contradições – como as apontadas, de gênero, de etnia, de meio ambiente -, mas também como uma enorme desqualificação das atividades ligadas ao trabalho.
Como ressaca daquela centralidade excludente do período anterior, se passou ao seu oposto.
O tema, que era um dos mais abordados na vida acadêmica nas décadas anteriores, passou a ser um entre outros, com interesse claramente declinante. A mídia passou a inviabilizar totalmente as relações de trabalho – tanto o noticiário, quanto a ficção, como as telenovelas, em que o mundo do trabalho praticamente não existe, apenas marginalmente.
Como interessa às elites dominantes ter as centrais sindicais e os sindicatos em situação de marginalidade de fraqueza, esse objetivo foi levado adiante com afinco. Criaram um mundo em que aparentemente ninguém mais trabalha, quando é o contrário o que ocorre: nunca tantos viveram do seu próprio trabalho. Acontece que as duríssimas políticas neoliberais incentivaram o trabalho precário, promovendo a fragmentação da classe trabalhadora. Nunca se trabalhou tanto, nunca tantos trabalharam tanto, mas em condições heterogêneas, com alto desemprego e subemprego, sem carteira de trabalho, sem poder apelar à lei e à organização sindical.
Mas a grande maioria da humanidade vive do trabalho e para o trabalho. Dedica todo o seu dia a isso, desde que se desperta, passando pelo duro transporte até o local de trabalho, por jornadas pesadas, pelo retorno à casa, processo que no seu conjunto abarca praticamente 2/3 do dia, para descansar, repor minimamente as energias e retornar no dia seguinte.
O trabalho continua sendo a atividade que, de longe, mais ocupa a grande maioria da humanidade. Uma atividade precária, mal remunerada, alienada -em que os trabalhadores, que produzem as riquezas, não decidem o que produzem, para quem produzem, a que preço, etc. -, que é o cotidiano de bilhões de pessoas em todo o mundo.
Desconhecer essa realidade ou subestimá-la, é se situar fora do mundo real das pessoas. Não por acaso as políticas que mais distribuem renda – confirmado pelo processo brasileiro – tem a ver com aumentos de salários, em particular do salário mínimo, de tal forma as atividades de trabalho são centrais para a sobrevivência das pessoas.
Se as atividades humanas não podem ser reduzidas às do trabalho, a realidade é que elas cruzam a vida de praticamente todos: negros, índios, mulheres, idosos, crianças (infelizmente) trabalham. Os empresários, por sua vez, vivem do trabalho alheio.
Por isso as atividades do mundo do trabalho e tudo o que as envolve tem que voltar a ser preocupações centrais dos governos democráticos, dos movimentos populares, do pensamento crítico e de todos os que lutam pela emancipação humana, conscientes que as relações continuam a ocupar lugar central no capitalismo – seus economistas não subestimam isso – e tem que ser contempladas centralmente na construção de um Brasil justo e solidário.