Jornal Hora do Povo
Inquirida, pelo senador Pedro Simon, sobre a cadeia de ilegalidades (ver quadro nesta página) no tramado leilão do campo de Libra, a diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard, não respondeu à seguinte questão: por que “a ANP estabeleceu no edital a exigência de ‘operador A’ para todos os consórcios concorrentes, [se] por lei, a Petrobras é a operadora única do pré-sal“?
“Operador A” (ou “operadora A” ou “licitante A”) é uma companhia credenciada a operar em águas profundas. Pela Lei 12.351/2010 (artigo 2º e 4º – ver quadro nesta página) só existe uma empresa operadora no pré-sal: a Petrobrás. No entanto, o ministro Lobão (portaria nº 218/2013) e a ANP, no edital do leilão, colocaram, como condição, que os consórcios candidatos ao campo de Libra devem ter obrigatoriamente, fora a Petrobrás, pelo menos uma “operadora A”.
Na resolução da 26ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), realizada em 25 de junho de 2013, depois de mencionado o artigo 10º da Lei nº 12.351/2010, que permite ao ministro das Minas e Energia propor ao CNPE a participação mínima da Petrobrás (estabelecida, pelo ministro e pelo CNPE, no mínimo da lei, 30%), pode-se ler: “A indústria do petróleo possui empresas com capacidade técnica, econômica e financeira suficiente para responder pela parcela dos 70% restantes de modo a estimular a competição e garantir maior atratividade na licitação“.
O significado desta frase é, sobretudo, que outras empresas, não a Petrobrás, devem açambarcar e operar os 70% restantes do campo de Libra – o que é totalmente ilegal. Ou, de outra forma, que a Petrobrás não deve passar dos 30% mínimos que a lei determina, e que os restantes 70% devem ser operados por empresas estrangeiras (não existem outras empresas nacionais com essa qualificação) – o que é, repetindo,completamente ilegal.
A única empresa que necessita ter “capacidade técnica” em Libra, no pré-sal e em qualquer área petrolífera estratégica (objeto da Lei nº 12.351/2010) é a Petrobrás, porque ela é a operadora única e legal de todas as áreas e para todas as “atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção” de petróleo no regime de partilha de produção, instituído pela lei que mencionamos.
Sem contar que exigir outra “operadora A” também é exigir que os consórcios tenham, obrigatoriamente, empresas estrangeiras, é evidente que se pretende afastar a Petrobrás como operadora única do pré-sal, e das áreas estratégicas, e substituí-la por essa outra “operadora”. Certamente, os adeptos dessa vergonhosa tese entreguista podem propugnar por isso no Congresso – mas não têm o direito de enfiar no edital do leilão de Libra uma condição que é contra a lei.
Em seu depoimento no Senado, a srª Magda, como mostram as notas taquigráficas da sessão, não respondeu ao senador Simon. Ela sabe que a condição do edital (e da portaria de Lobão) é ilegal – e uma tentativa de golpe contra a lei do presidente Lula. Tem razão o senador quando afirmou que “esta exigência é descabida e cria uma ameaça“.
“MÍNIMO”
No quadro ao lado, o leitor poderá verificar as principais ilegalidades desse pretendido leilão do maior campo de petróleo do mundo. Não são as únicas. São algumas – embora, das maiores.
A Lei nº 12.351/2010 estabelece, em vários artigos (10º, 15º, 18º – v. quadro), que cabe ao ministro das Minas e Energia propor o percentual mínimo de petróleo que, na partilha, ficará com a União.
A primeira ilegalidade foi o estabelecimento do percentual supostamente mínimo em 41,65% (página 40 do edital). A antiga lei de concessões de Fernando Henrique, cujo fundamento explícito era o risco exploratório, estabelecia (artigo 50 da lei 9478/1997) uma “participação especial” a ser paga pelas concessionárias à União “nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade“. Esta participação é de até 40% – é o que paga a Petrobrás nos seus poços mais bem sucedidos.
No caso do pré-sal – e, menos ainda, no campo de Libra – não existe risco exploratório. A Petrobrás, ao descobrir o petróleo e dimensionar preliminarmente as reservas, já eliminou o risco de não achar petróleo. Exatamente por essa razão, o presidente Lula, sob aprovação geral, após a descoberta do pré-sal, achou necessário elaborar uma nova lei para essas áreas sem risco exploratório.
No entanto, a ANP, com a cobertura do ministro Lobão, estabeleceu como percentual mínimo da União, sob a nova lei, o mesmo que a participação especial da antiga lei. Com isso, o leilão de Libra funciona, para todos os efeitos, como se estivesse regido pela lei tucana de concessões.
Evidentemente, se fosse para a União receber 40% do “óleo-lucro” ou “excedente em óleo” (= petróleo extraído menos os custos de produção), não seria necessária uma nova lei. Para isso, bastava a famigerada lei de Fernando Henrique. Logo, há uma flagrante ilegalidade: esse percentual, supostamente mínimo, é uma tentativa de passar por cima da lei nº 12.351/2010 e usar a lei anterior.
Entretanto, 41,65% não é, em absoluto, o “mínimo” que o edital reserva para a União. Na página 41 do edital, é introduzida uma tabela, cujos percentuais variam de acordo com o preço do barril de petróleo com a produção. Por essa tabela, a parcela de petróleo destinada à União pode variar de 14,8% (se a produção por poço for abaixo de 4.000 barris/dia e o preço abaixo de US$ 60 por barril) a 45,56% (quando a produção por poço for superior a 24.000 barris/dia e o preço estiver acima de US$ 170).
Estabelecer um percentual mínimo é, evidentemente, estabelecer um percentual fixo que seja o mínimo. Trata-se de um percentual fixo de petróleo (não de dinheiro) que decide a contratação ou o leilão. Nada tem a ver com o preço do petróleo ou com a produção diária num determinado momento. É apenas a parcela de petróleo que ficará com o país – e, reciprocamente, a parcela fixa que ficará com a petroleira ou consórcio. Caso contrário, não há percentual mínimo de petróleo ou o percentual mínimo de petróleo passa a ser uma fraude. Este é, precisamente, o caso – uma burla da lei.
Uma burla tão evidente que, pela tabela do edital, quando as condições são mais desfavoráveis, a União (isto é, o país) abre mão de 26,9% (mais de 1/4) de sua parcela em favor das petroleiras, enquanto que, quando as condições são mais favoráveis, as petroleiras abrem mão de apenas microscópicos 3,9% de sua parcela para a União. Como disse Simon, “o risco é todo da União. O consórcio é ressarcido de tudo“.
ROYALTIES
Evidentemente, se as petroleiras são ressarcidas pelos royalties que pagam à União, isso quer dizer que elas não pagam royalty algum. Como é normal, isto é inteiramente vedado pelo artigo 42, inciso I, § 1º da Lei nº 12.351/2010 (ver quadro).
Pois é esse ressarcimento ilegal que está no contrato de partilha – com a malandragem de substituir a palavra ressarcimento por “apropriação originária” (ver quadro, ponto nº 3), o que é mentira, pois, se essa apropriação “originária” é correspondente ao “volume correspondente (…) aos royalties devidos e pagos“, a apropriação não pode ser “originária” (isto é, anterior a qualquer pagamento ou recebimento), e, sim, um ressarcimento.
NACIONAL
Por último (e por enquanto), o artigo 12 da Lei nº 12.351/2010 determina que, em caso de interesse nacional, a Petrobrás deve ser contratada diretamente para a exploração dos campos de petróleo. Naturalmente, esse artigo existe porque não se pode esperar que empresas estrangeiras zelem pelo interesse nacional. Sobretudo em se tratando, muitas vezes, como no petróleo, de monopólios que não zelam nem pelos interesses nacionais de seu próprio país.
Assim, no caso do maior campo de petróleo do mundo, se esse não é um caso de preservação do interesse nacional – portanto, de contratação direta da Petrobrás – qual será o caso em que será necessário preservar o interesse nacional? O que só quer dizer que esse leilão é uma agressão aos interesses nacionais e à lei, que define, precisamente, o que fazer nesses casos.