A ativista alerta sobre a necessidade de criação de redes de proteção social para complementar a Lei Maria da Penha










Desde o dia 7 de agosto de 2006, as mulheres contam com um importante instrumento para se defenderem da violência familiar e doméstica. Conhecida como Maria da Penha, a Lei 11.340 inclui essa modalidade de violência no Código Penal e a transforma em agravante de pena. Nos casos em que considerar necessário, o juiz pode até mesmo fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima.

Resultado de uma luta histórica por reparação e igualdade de gênero, a Lei Maria da Penha homenageia uma farmacêutica que ficou paralítica depois de sofrer agressões e duas tentativas de homicídio por parte do marido. Ele só foi punido 16 anos após ter baleado e eletrocutado a esposa.

Somente no primeiro semestre de 2010, foram registradas mais de 62 mil denúncias de violência contra as mulheres. Em entrevista à Radioagência NP, a integrante da Rede Feminista, Télia Negrão, alerta que se não forem criadas redes de proteção social, a lei corre o risco de perder sua funcionalidade. Ela afirma que, além das marcas físicas, a violência doméstica afeta a saúde mental e emocional das mulheres, o que exige acompanhamento especializado.

Depois de quatro anos de vigência da Lei Maria da Penha, podemos afirmar que os direitos das mulheres são respeitados no Brasil?

Mesmo que essa lei seja boa e esteja muito próxima do que gostaríamos, se ela não for implementada em sua integralidade, deixará de ser uma lei abrangente quanto aos direitos humanos. Os direitos humanos são integrais e indivisíveis. Estamos falando de direitos civis, políticos, sociais e culturais. O direito humano à saúde é tão importante quanto o direito humano à justiça e a reparação.

O que é necessário para que esses direitos sejam respeitados?

Nós queremos redes integrais estruturadas. Isso implica em ter delegacias da mulher, juizados especiais, casa-abrigo, defensoria para a mulher, serviço de atendimento à saúde física e psíquica, assistência social para as mulheres que estão em situação de vulnerabilidade, além de tratamento aos agressores.

Os casos de violência doméstica eram enquadrados na Lei 9099, de 1995. Por que aquela lei precisou ser substituída?

Logo que começou a ser implantada, nós percebemos que ela não se adequava aos crimes cometidos contra as mulheres. Era uma lei voltada para tratar de briga de vizinho, de mordida de cachorro e nós sempre consideramos que a violência contra mulher é de grande potencial ofensivo. Toda violência contra as mulheres, mesmo que não deixe marcas físicas, deixam marcas psíquicas e marcas sociais.

Quais as principais mudanças ocorridas em relação aos direitos das mulheres depois de a Lei Maria da Penha entrar em vigor? 

A Lei 9099 permitia que se transacionasse por cestas básicas as ocorrências de violência contra as mulheres. Hoje, a partir da Lei Maria da Penha, os agressores são chamados na Justiça e obrigados a se justificarem. Quando é caracterizado que esse homem passa por problemas emocionais ou mentais, eles são levados a tratamento e as mulheres têm mais garantias na sua defesa.

A suposta fragilidade é o único fator que caracteriza as ações violentas contra as mulheres?

Existem outros fatores que fazem das mulheres pessoas mais vulneráveis à violência. Existe a questão do racismo, da pobreza e da idade. Quando uma mulher é muito jovem ou muito velha, ela passa a ser alvo da violência. Enfim, elas se tornam foco e vítimas de violência por suas condições específicas, além de serem mulheres.

Quais as consequências mais danosas provocadas por essas ações?

Mulheres que vivem em situação de violência entram em sofrimento mental e emocional. Elas precisam ser acolhidas e precisam de tratamento. Quando é uma violência continuada, as mulheres acabam se afastando da vida social.