A aproximação Rússia-Arábia Saudita de olho no novo ciclo do petróleo: o que isto tem a ver com o Brasil?

Por Roberto Moraes, professor e pesquisador do IFF, em seu blog

O encontro do presidente russo Vladimir Putin e o rei da Arábia Saudita, Salman na primeira semana de outubro mexe no tabuleiro da geopolítica da energia de forma muito significativa. Está se falando do atual maior produtor mundial (Rússia) e a maior exportadora de de petróleo que é também o 2º maior produtor.

A Arábia Saudita (A.S.) tem um acordo histórico com os EUA desde que os dois países assumiram o petrodólar como moeda mundial para comércio desta especial mercadoria para o desenvolvimento do capitalismo que é o petróleo.

Mesmo diante desta realidade de estreita ligação entre a a A.S. e os EUA, os sauditas foram a Rússia e compraram armas como já fazem há décadas com os americanos. A A.S. e a Rússia fizeram acordos para a constituição de forma conjunta de dois fundos de investimentos no valor de US$ 1 bilhão cada (um em petróleo e outro em tecnologia).

A Rússia e a A.S. também acertaram posições de interesse comum em relação ao Irã, e de forma especial, garantiram posturas em relação a controle de produção de petróleo até o segundo semestre do ano que vem.

É de conhecimento amplo a liderança da A.S. entre as nações produtoras de petróleo da Opep. E a Rússia com boas relações entre várias nações “extra-Opep”. Assim, ambos os países possuem condições de juntos definir o tamanho da oferta desta mercadoria especial, que influenciam e podem dirigir as fases do ciclo de preços do produto.

EUA + Arábia Saudita manejaram derrubada de preço do barril produzindo uma nova fase no ciclo do petróleo

Este momento é extremamente oportuno para relembrar que foi um acordo em 2014 (que já pode ser considerado histórico) entre a A.S. e EUA que forçou a baixa dos preços e a mudança de fase do ciclo petro-econômico. Assunto que tenho tratado aqui com certa constância e que faz parte de um dos capítulos de minha pesquisa e tese de doutoramento no PPFH-UERJ [1].

Vale ainda ressaltar que o período entre 2010 e 2014 é único até hoje na história, em que o petróleo permaneceu com o preço variando sempre acima de US$ 100, o barril. Na história da humanidade não há nenhum outro período tão longo e de preços tão altos, a não ser o pico próximo aos US$ 180, o barril, no momento um pouco antes da crise financeira mundial de 2008/2009.

Assim, depois da extinção da URSS e da “queda do muro” pela primeira vez, a Rússia voltava a ter poder e proeminência no leste europeu. Os conflitos da Ucrânia e outros tem relação como o que alguns chamam de novos lances da guerra-feira com os EUA.

A relação da Rússia cada vez maior com algumas nações do Oriente Médio (também mais fortalecidas com o alto preços do petróleo) incomodavam os EUA. De forma semelhante a Venezuela com o Chaves que se articulava com ares continentais também ampliando as tensões com a hegemonia dos EUA.

De outro lado, em 2014, por parte da Arábia Saudita manifestava interesse em criar embaraços para o Irã, seu inimigo no Oriente Médio, antes que chegasse o fim do embargo do Ocidente àquele país, que assim teria mais dificuldades em recriar mercado para o seu petróleo, diante da sobre-oferta e dos baixos preços que se instalaria com a futura mudança de fase do ciclo de preços do petróleo.

Além disso, os sauditas faziam ainda duas outras apostas no mercado mundial de petróleo:
1- testaria o “breakeven” [2] do petróleo do pré-sal brasileiro, que na ocasião se avaliava com custos de extração na faixa dos US$ 70, o barril.
2 – Saberia que fôlego teriam as já famosas do “óleo não convencional”, das reservas de xisto (o tight-oil) dos EUA, seu aliado, diante de um cenário de baixos preços do petróleo.

O que vem depois da aposta EUA-A.S. na virada do ciclo de preços do petróleo?

Pois bem, três anos se passaram nesta fase de colapso de preços do petróleo. O menor preço do barril de petróleo (auge do colapso) se deu em janeiro de 2016, quando o barril desceu a US$ 27. De lá para cá, o barril tem oscilado entre US$ 40 e US$ 50, na maior parte do tempo. Em 2017 tem estado acima deste valor, e hoje, 28 out., o mercado futuro do petróleo registra o valor de US$ 58, para o barril de petróleo tipo brent.

Neste período grandes “arrumações” e “rearranjos” se processou no setor. Os investimentos foram reduzidos drasticamente em todo o mundo. As petroleiras colocaram à venda alguns de seus ativos para reduzir a relação entre valor do patrimônio e seus endividamentos.

Além disso, as petroleiras reduziram ao mínimo possível, as perfurações e a busca de novas reservas de petróleo e gás. Também pressionaram suas contratas (para-petroleiras), fornecedoras de materiais, tecnologias e serviços, a reduzirem seus valores de contratos, com a ameça de suspensão dos mesmos.

Assim, mais de 3,2 mil fusões, incorporações e aquisições foram feitas entre estas empresas desta cadeia produtiva só entre 2014 e 2015 [3]. Assim formaram-se oligopólios e enormes corporações, com o objetivo de enfrentar menores receitas, naturais na fase de colapso de preços do ciclo petro-econômico. Estes oligopólios com o controle do mercado adiante ditarão preços em suas áreas a nível mundial.

Também como desdobramento da fase de colapsos de preços do barril de petróleo se reduziu o volume mundial das reservas provadas, por conta da produção nos poços e campos em atividade das petroleiras.

O óleo e o gás de xisto americano reduziram seus custos de extração, mas o principal fato que se desdobrou daí e ninguém imaginava a proporção foi o extraordinário desenvolvimento da área do pré-sal brasileiro.

Não apenas com a redução do custo de produção que hoje está contabilizado em US$ 7 (sem os gastos com o endividamento dos investimentos e sem o pagamento das participações governamentais e royalties), mas com a significativa produtividade obtida com a os poços do pré-sal brasileiro.

A colossal produtividade do pré-sal brasileiro diante da geopolítica do petróleo

Nenhum geólogo podeira sonhar – nem nos momentos de maior otimismo – a produtividade tão alta dos poços do pré-sal, equivalente e até superior à extração nos campos do Oriente Médio. [4]

Poços com produção diária de 40 mil barris por dia, que na Bacia de Campos, muitas vezes se equivale a todo um campo (vários poços) de petróleo no pré-sal com produção diária acima de 30 mil barris. Um colosso!

Para não estender de forma demasiada esta análise, vale dizer que o movimento no setor que se assiste hoje em todo o mundo, é o de que as corporações já tomam suas decisões de olho em nova fase de início de expansão do setor de petróleo.

A princípio se imaginava que isso provavelmente, só se deveria acontecer no início da próxima década. Porém, este até então inimaginável acordo Rússia-A.S., auxiliado pelo desconcerto da política externa do Trump, pode estar antecipando o que seria uma nova fase de preços do barril de petróleo, acima do patamar de US$ 70.

Os dois países Rússia e A.S. com suas alianças têm força para segurar a produção do petróleo e voltar a fazer o preço subir. Não mais para o patamar histórico e contínuo de quatro anos acima de US$ 100 (a não ser com o espoucar de graves conflitos regionais), mas para um patamar na casa dos US$ 70, já a partir do ano que vem.

A Rússia tem um interesse enorme em retomar projetos internos e regionais que necessitam dos recursos do petróleo, que entre 2013-2014 era responsável, por praticamente metade de seu orçamento.

A Arábia Saudita que tem ainda mais dependência do petróleo (que é responsável por 87% de seu orçamento), mais da metade de seu PIB e 90% de suas exportações. Assim, a A.S. quer voltar a se dedicar ao seu “Programa Vision 2030” que foi deixado relativamente de lado, neste período. O mesmo visa “diversificar e modernizar” a economia saudita, reduzindo a dependência do petróleo.

Porém, mais que isto, a A. S. quer retomar a venda de um percentual de sua maior empresa, a petrolífera Saudi Aramco com o lançamento de ações (IPO) no mercado internacional. E, por conta disto, o rei sabe que para alcançar maior cotação para vender bem um percentual destas ações 10% a 15%, será necessário que isto seja feito quando o preço do petróleo esteja mais elevado. Assim, se conseguirá captar mais recursos em troca de uma parte da maior empresa saudita. 

Assim se observa que mais que uma hipótese, o acordo Rússia-A.S., na prática desloca o eixo geopolítico e tem potencial para produzir um enorme conjunto de desdobramentos na mundial cadeia do petróleo e em toda a economia internacional, “lubrificada pelo petróleo”, em direção a um novo ciclo do petróleo, para o bem ou para o mal das nações conforme suas condições de produtoras e consumidoras.

Tudo isto observado na dimensão da geopolítica e macroeconômica ajuda compreender o que se tem identificado no movimento do capital financeiro (investidores), das operadoras (petroleiras) e para-petroleiras, na costura de acordos para este novo período nesta fração do capital ligado ao setor petróleo.

O que toda esta geopolítica do petróleo tem a ver com o Brasil?

Entender este processo permite ir para além da compreensão do setor petróleo, mas como tenho insistido ajuda a compreender os movimentos do capitalismo contemporâneo.
 
Porém, mais que isto esta análise da geopolítica do petróleo deixa muito evidente, aos olhos de quem quer ver, como o Brasil com a descoberta das reservas do pré-sal em 2007 e depois com o avanço e desenvolvimento de sua produção – querendo ou não, reconhecendo ou não esta realidade, naquele momento – passou a ser parte importante deste tabuleiro.

Quem fala isto não é o blog, apenas. Os grandes bancos de desenvolvimento, como o BNP Paribas, quase todas as grandes e importantes consultorias que atuam no setor e todas as grandes corporações do setor (petroleiras e para-petroleiras). Estatais (NOCs- National Oil Corporations) ou privadas (IOCs- International Oil Corporations) reconhecem que hoje, o Brasil com o pré-sal tem competitividade compatível com o Oriente Médio com enorme quantidade de petróleo e pressão dos seus reservatórios.

Por isso, a petroleira anglo-holandesa Shell que já é a petroleira estrangeira que mais produz no país (320 mil barris por dia) comprou por US$ 60 bilhões a petroleira inglesa britânica BG – e para isso está ainda vendendo vários ativos no mundo para ampliar e acelerar o desenvolvimento dos seus campos de petróleo aqui. O presidente da Shell-Brasil chegou a afirmar: “o pré-sal brasileiro, pela geologia, é onde todo mundo quer estar”. [5]

A petroleira estatal norueguesa Statoil, facilitada pela “entrega” de ativos da atual diretoria da Petrobras, hoje já possui maior potencial de exploração e produção de petróleo aqui no Brasil, do que no seu Mar do Norte. A francesa Total se dispõe a investir mais e mais para explorar nosso petróleo.

Três petroleiras chinesas avançam para garantir seus espaços na joia de nosso “pré-sal”, de onde já se retira hoje, diariamente, 1,5 milhão de barris. Assim, todas estas corporações juntas afirmam que devem investir até R$ 260 bilhões na próxima década. [6] E melhor, que isso pode se dar já em novo ciclo e fases de preços do barril de petróleo.

Diante deste quadro seria ingenuidade pensar e tratar tudo isto, simplesmente como teoria conspiratória, diante da materialidade dos fatos aqui expostos. O peso e o interesse que o poder econômico desta fração do capital tem são enormes e isto ajuda a explicar a captura do poder político pelo deus mercado.

Assim o mercado do setor de petróleo completamente internacionalizado vibra diariamente e avança fortemente para a consecução dos seus projetos sobre a nossa riqueza mineral entregue a preço vil. As medidas se seguem com o governo surgido com o golpe: o fim do regime de partilha; a Petrobras deixando de ser operadora única do pré-sal; o fatiamento e venda a baixos preços de vários ativos, etc.

Desta forma, a despeito do discurso da Operação Lava jato, eles sangram como nunca em sua a história (nem com os Costas, Barucos, Duques, Zeladas e cia. ltda.) seguem desmontando e desintegrando a Petrobras que antes atuava em toda a cadeia produtiva (do poço ao posto). [7] [8]

A Petrobras se desenvolveu e com seus trabalhadores. Seus guerreiros geólogos descobriram o pré-sal e preparam as bases para este crescimento. E agora, ao invés de servir à nossa população e à nação, colonizadamente, ela engordará os lucros das corporações e do sistema financeiro global.

Os entreguistas renegando toda esta realidade clarividente da geopolítica do petróleo, tornaram o setor no Brasil um mercado livre, desregulado e desnacionalizado.

Neste atual cenário, a Petrobras hoje exporta quase metade de todo o petróleo que produz (e nunca produziu tanto) enquanto vai se tornando um petroleira pequena exportadora de óleo cru e deixa a nação comprando mais e mais derivados de petróleo pelo mundo. [9]

Dói enxergar e descrever esta realidade sobre a qual tenho me debruçado para investigar e entender nos últimos anos. Porém, reconhecer e divulgar os dados, interpretações e análises chamando a atenção para o peso da Política, tanto no momento de construção, montagem, atuação e desenvolvimento da Petrobras, quanto agora, neste arranjo golpista, pode ser mais uma ferramenta para a transformação desta realidade de desmonte e entrega a preço vil da riqueza nacional.

 
Assim, entendo que esta análise e o seu debate podem se transformar em contribuições para o desenho de necessárias estratégias para reverter este quadro. Sigamos em frente!

 

Referências:

[1] Tese de doutorado de Roberto Moraes Pessanha, o blogueiro: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-Porto” como produtora de novas territorialidades”. Março 2017 PPFH-UERJ. Disponível no:

Rede de Pesquisas em Políticas Públicas da UFRJ: em: http://www.rpp.ufrj.br/library/view/a-relacao-transescalar-e-multidimensional-petroleo-porto-como-produtora-de-novas-territorialidades

[2] Breakeven é a síntese mais comumente usada da expressão em inglês Break-even Point (BEP) que é utilizada em economia e finanças para indicar o Ponto de Equilíbrio entre as despesas e receitas de uma empresa, no caso o custo de extração que torna viável um negócio na área de petróleo.

[3] Postagem no blog em 2 de mai. de 2016, reproduzindo e comentando dados da consultoria americana especializada no assunto, A.T. Kearney que apenas nos anos de 2014 e 2015, um total de 3.229 fusões e aquisições aconteceram no setor de petróleo em todo o mundo envolvendo o valor de US$ 950 bilhões. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/05/nos-dois-ultimos-anos-32-mil-fusoes-de.html

[4] Matéria da Agência Estado, Rio, em 19 set. 2017.  Fernanda Nunes. Pré-sal tem competitividade compatível com o Oriente Médio. Reportagem da Agência Brasil em 19 set. 2017. Projetos do setor do petróleo são variados e competitivos, diz diretor da ANP. Disponível: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/projetos-do-setor-do-petroleo-sao-variados-e-competitivos-diz-diretor-da 

[5] Entrevista publicada no Estadão, em 21 set. 2017, com o presidente da Shell Brasil, André Araújo. Pré-sal é onde todo mundo quer estar. NUNES, Fernanda. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pre-sal-e-onde-todo-mundo-quer-estar,70002009782

[6] Matéria no Valor, em 17 out. 2017, P. A7. Leilões vão gerar investimentos de R$ 260 bi em 10 anos, diz ANP. POLITO, Rodrigo e RAMALHO, André. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5158102/leiloes-vao-gerar-investimentos-de-r-260-bi-em-10-anos-diz-anp

[7] Reportagem do portal G1 demonstrando como após o golpe político no país e a Operação Lava Jato foi se operando o desmonte do setor de petróleo e de engenharia com a venda barata de empresas e ativos nacionais em volume superior a R$ 100 bilhões até outubro. A matéria destaca como as maiores vendas de empresas, a NTS, a malha de gasodutos da Petrobras na região Sudeste para o fundo financeiro canadense Brookfield, além de várias outras ligadas à estatal e ao setor de petróleo “Lava Jato levou empresas a vender mais de R$ 100 bilhões em ativos desde 2015. “Quase 50 negócios de grandes empresas impactadas pela operação trocaram de mãos desde 2015, segundo levantamento do G1; vendas foram feitas para reforçar caixa diante da crise de credibilidade”. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/lava-jato-levou-empresas-a-vender-mais-de-r-100-bilhoes-em-ativos-desde-2015.ghtml

[8] O blog publicou dezenas de matérias sobre o desmonte do setor de petróleo, desde a venda de ativos, a desmobilização de trabalhadores (pessoal), a área de gás e os gasodutos, a área de refino, petroquímica, a indústria naval com a redução da exigência de conteúdo local, etc. Estas postagens podem ser facilmente localizadas no buscado Google com as palavras chaves. Abaixo o blog disponibiliza o link de cinco destas postagens. Uma sobre o desmonte do setor de refino; outra de desmonte do setor naval; uma terceira sobre a área de pessoal; quarta sobre a venda da malha de gasodutos para o fundo financeiro Brookfield e quinta sobre a venda de ativos campos e plataformas na Bacia de Campos: //www.robertomoraes.com.br/2017/05/desmonte-na-petrobras-atinge-setor-de.html – http://www.robertomoraes.com.br/2016/07/a-industria-naval-nacional-diante-da.html – http://www.robertomoraes.com.br/2016/08/segue-liquidacao-do-feirao-petrobras.htmlhttp://www.robertomoraes.com.br/2017/05/o-desmonte-da-petrobras-e-tambem-na.html

[9] Postagem do blog em 16 de out. 2017. Brasil exporta hoje quase metade de toda sua produção de petróleo bruto: país deixou de controlar setor de refino e distribuição de combustíveis, os mais lucrativos da cadeia produtiva. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/10/brasil-exporta-hoje-quase-metade-de.html