[Por André Leão, pesquisador do INEEP*]
No mês de setembro, durante a conferência do G20, ocorrida em Nova Délhi, na Índia, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, anunciou a criação da Aliança Global para Biocombustíveis.
Trata-se de uma iniciativa liderada pela Índia, pelos Estados Unidos e pelo Brasil, e que conta com a participação de um total de 19 países e 12 organizações internacionais. O principal objetivo desse novo mecanismo é consolidar o processo de transição energética mundial a partir do aumento da produção e do consumo de combustíveis como o etanol.
Interesses do Brasil na Aliança Global
Sob a perspectiva brasileira, essa aliança simboliza o esforço do atual governo brasileiro de retomar uma política externa ativa e representa uma renovação do principal objetivo da política externa energética estabelecido nos dois primeiros mandatos do presidente Lula: a criação de um mercado internacional de biocombustíveis. A chamada “diplomacia do etanol” pretendia transformar o etanol em commodity, mas esse esforço dependia da participação de outros atores de peso.
Âmbito internacional x Âmbito doméstico
No âmbito internacional, o engajamento da Índia e dos Estados Unidos – maior produtor de etanol do mundo – apresenta um horizonte mais favorável aos interesses brasileiros. No âmbito doméstico, a interlocução entre os ministérios (sobretudo o de Minas e Energia, o de Meio Ambiente e Mudança do Clima e o de Relações Exteriores) é um dos aspectos importantes para o fortalecimento do setor sucroenergético e para a construção de uma política nacional de biocombustíveis.
Esforços dos países para zerar as emissões de carbono
De acordo com a Agência Internacional de Energia, para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050, será necessário triplicar a produção global de biocombustíveis. Atualmente, a participação do etanol no setor de transportes no mundo é de 4%, mas no Brasil já atinge 20%.
Iniciativas da Índia
A Índia também tem buscado um caminho para elevar o uso desse combustível. Como é um país altamente dependente de importações de petróleo e um grande produtor de cana-de-açúcar, tem investido pesadamente na produção de etanol a partir da cana, o que fez com que o percentual de mistura na gasolina tenha atingido a taxa de 10%.
Entretanto, o governo indiano anunciou que tem intenções de ir além, estabelecendo a meta de 20% até 2025. Esse objetivo pode ajudar a Índia a rumar em direção à transição energética mais rapidamente, tendo em vista que o aumento da produção de etanol pode reduzir a dependência externa de petróleo.
Nesse sentido, capitanear uma iniciativa de alcance global para robustecer o mercado internacional de biocombustíveis, aliando-se a outros dois grandes produtores de etanol como o Brasil e os Estados Unidos, é um passo fundamental na estratégia indiana de garantir sua segurança energética. Para os estadunidenses, como maiores produtores mundiais de etanol, a aliança com os países do Sul também é frutífera pois abre mercado para as suas empresas.
Estratégias do Brasil
O Brasil também tem como objetivo ampliar ainda mais o uso de biocombustíveis. Internamente, algumas iniciativas têm sido adotadas para atingi-lo. Em 2016, o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou o RenovaBio, um programa destinado a expandir a produção nacional de biocombustíveis a partir da melhoria de políticas e marcos regulatórios do setor.
Em setembro deste ano, o governo Lula apresentou um projeto de lei ao Congresso, conhecido como “PL do Combustível do Futuro”, por meio do qual se pretende elevar o percentual de etanol na gasolina de 27,5% para 30%.
O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê R$ 540,3 bilhões de investimentos em ações de transição e segurança energética entre 2023 e 2026. Apenas no setor de combustíveis de baixo carbono, estima-se um investimento de R$ 20,2 bilhões no mesmo período.
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O Brasil na agenda ambiental
Essas ações evidenciam que há um entrelaçamento entre a transição energética, o desenvolvimento nacional e a agenda ambiental, que também tem funcionado como um elemento propulsor das ações diplomáticas do Brasil.
A atuação brasileira na construção da Aliança Global para Biocombustíveis foi possível devido à coordenação de ações entre o MME e o Itamaraty, que participaram, em agosto passado, de reuniões preparatórias do G20.
Em reunião do BRICS, ocorrida no mesmo mês, o Brasil assegurou que seguirá buscando soluções para ampliar o uso de fontes de energia limpa e renovável. Em setembro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, lançou o Plano Nacional de Transição Energética justa e inclusiva em um evento na Organização das Nações Unidas (ONU).
Atuação do Governo Lula
Não é novidade que o terceiro governo Lula busca consolidar sua posição de líder ambiental mundial, o que ficou claro a partir do empenho do presidente em garantir que o país se tornasse sede da COP30, que ocorrerá em 2025, na cidade de Belém. Esse fato mostra como a diplomacia presidencial tende a ter um papel fundamental na construção da liderança do Brasil na agenda global de meio ambiente e de transição energética. Os discursos do presidente em arenas internacionais significativas têm potencial para gerar ações futuras que tenham o Brasil como um dos atores protagonistas.
Na última Assembleia-Geral da ONU, em setembro, Lula enfatizou a posição brasileira, ao dizer que o país está na vanguarda da transição energética, tendo em vista que nossa matriz é uma das mais limpas do mundo, e citou o etanol como um dos exemplos de geração de energia limpa.
Além de ajudar a consolidar o Brasil como um dos líderes da Aliança Global para Biocombustíveis, uma diplomacia presidencial mais pujante servirá para remodelar a imagem do país no exterior, reduzindo os danos dos últimos anos, quando o governo anterior chegou a ameaçar retirar o país do Acordo de Paris.
Resta saber se essa postura assertiva da política externa, a aliança global e a transição energética estarão a serviço de um projeto de desenvolvimento nacional, que ajude o Brasil a retomar um processo de industrialização e crescimento sustentável ou se aprofundará nossa posição de grande nação exportadora de commodities.
(*) Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique