O líder Nacional do MST desmente as acusações de vandalismo na área da Cutrale

"As famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada…

MST

"As famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das familías, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade", afirma.

João Pedro também ressalta as diferenças entre o modelo de produção do agronegócio e da pequena agricultura: enquanto 98% do suco de laranja do país é exportado, o MST reitera seu compromisso com a produção de alimentos que cheguem à mesa do povo brasileiro.

Leia na íntegra as respostas da entrevista, concedida por e-mail ao jornal Folha de S. Paulo neste sábado (10/10) e publicada nesta segunda-feira (12/10).

Independente da situação legal da propriedade (o MST diz que é grilada), a ação em Iaras chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles pés de laranja?

O fato de a área ser grilada, confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a autonomia das familias de nossa base tomar suas decisões, a partir das circunstâncias que vivem. As familias estão acampadas há mais de cinco anos. Entendemos a indignação daquelas familias. À distância, a população pode achar que derrubar pés de laranjas foi uma atitude desnecessária. A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar as imagens contra a Reforma Agrária, se articulando com meios de comunicação para usá-las insistentemente. Nunca a Globo denunciou a grilagem, nem a superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?

Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar a produção de alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja, para chegar à mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área de exploração da laranja diminiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O movimento ainda o enxerga como um aliado dos trabalhadores sem terra?

Nós também condenamos todos os vandalismos. Usar 713 milhões de litros de venenos agricolas por ano, que degradam o meio ambiente, envenenam as águas e os alimentos tambem é um vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado. Pois as famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das familías, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade.

É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos milhões de pobres do país, é desfavorável ao MST?

Os dados do censo agropecuário do IBGE revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. Cerca de 30% dos moradores do meio rural não sabem ler e escrever! E 80% não terminou o ensino fundamental. A renda média dos assalariados do campo é menos do que um salário mínimo. Diante dessa realidade, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios – em equilíbrio com o ambiente e sem agrotóxicos – para o mercado interno. Os que acham que a Reforma Agrária não é mais necessária estão completamente alheios aos problemas e aos interesses do povo brasileiro.

Essa conjuntura deixa o MST sem foco?

Ao contrário. Nunca antes na conjuntura brasileira foram tão necessárias essas mudanças. Os grandes proprietários de terra se misturaram com o grande capital financeiro. Bancos e empresas transnacionais controlam a agricultura. E quando ocupamos uma terra para pressionar a aplicação da Reforma Agrária, enfrentamos todo esse mundão de interesses. O Brasil precisa de um projeto popular de desenvolvimento voltado para o povo, que de fato combata as causas estruturais da desigualdade social e garanta o acesso à terra, educaçao, moradia e saúde a todos os brasileiros, e nao apenas a uma minoria. E essa é a bandeira do MST.

Algum nome colocado para as eleições de 2010 anima o movimento? Dilma? Marina?

O MST sempre preservou sua autonomia. Nossos militantes participam das eleições como qualquer cidadão brasileiro. Infelizmente, cada vez que chega o periodo eleitoral, a direita se assanha para enquadrar as candidaturas contra o MST e a Reforma Agrária. Esse pedido de CPI tem apenas motivaçao eleitorial. O Roberto Caiado [líder do DEM na Câmara e fundados da UDR] confessou que o objetivo da CPI é provar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação no mínimo é ridicula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva como todo latifúndio.