Prezado Quaquá,
Nos últimos dias assisti em processo de atenção suas equivocadas colocações a respeito de mulheres e política. Com bastante inquietude não me posicionei, pois cá dentro do peito e da alma vieram vários questionamentos. Na verdade, discuti o assunto com meus pares, outros diretores do SindipetroNF e que, sem nenhuma surpresa para mim, houve alguns apoiadores para suas colocações e muitos silêncios. Li sua primeira entrevista para o Metrópoles, dia 29.12.21 e fiquei estupefata, mas aguardei as reações. E houveram muitas, inclusive da CUT Nacional. Vi sua réplica, no portal 247 dia 31.12.21 e fiquei boba com tamanha repetição de erros. Agora, na sua tréplica, publicada ontem na Revista Fórum, me obrigou em responde lo.
“O setorial de Mulheres do PT veio soltar uma nota dizendo que era misoginia. O movimento de Mulheres precisa estar nas favelas, nas comunidades, organizando as mulheres que precisam de salário, de emprego, de creche, e não entrar na luta política. Onde já se viu fazer crítica virar misoginia? Fizeram o escarcéu que fizeram… Tentaram tirar a minha voz“, declarou Quaquá.
Primeira verdade que vou lhe trazer, e espero não choca lo com essa. Sabe porque as mulheres não precisam estar nas favelas??? Porque nós JÁ ESTAMOS LÁ. Seja sofrendo os percalços reflexos da cultura misógina que você desconhece, seja auxiliando e tentando como um colibri apagar esse incêndio. Vou até colocar algumas participações minhas nas comunidades (humildemente tá).
A fome hoje no Brasil tem cor e gênero. Ela é preta e feminina. Basta uma ida breve a comunidade para constatar. A grande questão aqui é desconhecer “Porquê”? Eu lhe respondo: devido a cultura machista. (Não vou usar o termo “misoginia” porque noto que as pessoas ficam muito ofendidas com ele e ainda o desconhecem). O machismo serve ao patriarcado como ferramenta indispensável para manutenção do capitalismo. Sim Quaquá, as mulheres são maiorias nas favelas, porque nossos acessos não são iguais. Não acessamos a educação, emprego formal, capacitação profissional, saúde de forma igualitária. Por isso o feminismo luta por equidade de direitos. Você há de convir comigo que meritocracia não existe num país de desigualdade. Sabe como podemos pensar em modificar essa cultura? Com políticas públicas inclusivas e de assistencialismo, levando em consideração o gênero. Mas daí, vou voltar para sua frase, que afirma que nós mulheres devemos estar nas favelas, comunidades e etc “e não entrar na luta política”. Já lhe trago aqui outra verdade: nós somos minoria na política. Por isso lhe digo, é impossível modificar um sistema, uma cultura, sem alterar as suas raízes e leis. Fazer a assistência nesse momento é importante, trabalhamos com o Petroleiro Solidário e 90% das pessoas assistidas são mulheres. Mas, modificar, transformar, desenvolver uma nova cultura igualitária só se faz por novas leis ou revolução.
Outro aspecto que gostaria de lhe trazer, é que um clássico da cultura machista é culpar a vítima. Quando do feminicídio “também, era uma péssima mulher. Mal se separou estava com outro”. Quando do estupro “você viu como ela se vestia, tava pedindo… e ficou bêbada!”. Quando da não admissão “o currículo dela é muito fraco”. Você nos traz isso contra a Presidenta Dilma, quando a culpa pelo golpe. E você evoca o direito de criticar. Claro, está no seu direito. Porém é importante que você perceba o quanto a crítica é machista. Sim. Porque é crítica não é machista? Não são assuntos que se anulem. Existia um contexto político econômico no momento do golpe, os quais nem vou esmiuçar. Porque, seja qual fosse o contexto, ele só foi possível e realizado porque Dilma era uma mulher. Se não fosse nossa cultura machista, ele não seria aplicado. Quando você culpa a Dilma pelo golpe, alegando falta de traquejo político, você não só faz o julgamento cego pelo machismo arraigado como também comete violência política de gênero, outro assunto proibido no nosso metier.
“Fizeram um escarcéu que fizeram… tentaram tirar a minha voz”. Olha, temos mais um clássico aqui. Quando demonstramos qualquer assertividade, as respostas são sempre as mesmas. “Olha, que grossa!” ‘’Nossa, que histérica” “Só pode estar de TPM”. Nós mulheres não temos o direito de expressar nossas emoções, nem nossa razão, nem nossa assertividade. Me chama a atenção nessa sua tréplica, a resposta indignada direcionada às mulheres do PT. E a nota da CUT Nacional, não lhe incomodou? O texto cirúrgico do Pomar, também não? A nota do Comitê Nacional de Diálogo e Ação Petista também não? Porque será que seu incômodo foi tão seletivo? Eita, essa nossa cultura machista é onipresente hein?
Você não faz a menor ideia do que é ser silenciada. Em definitivo, esse não é seu lugar de fala, imagina de vítima. Você acha mesmo que você faria uma crítica a única mulher presidenta desse país, e as demais mulheres do mesmo partido deveriam ficar caladas? A nós mulheres foi dado esse direito: de silenciar. Na verdade, é um dever, segundo o patriarcado. Não devemos reclamar, reivindicar ou qualquer manifestação de insatisfação. Vou te dar um exemplo. Hoje estamos ouvindo falar de pobreza menstrual. Milhares de mulheres, assim como eu, já passamos pela celeuma de não irmos para a escola porque não havia absorventes. Quando ouço hoje projetos e a negação de sua execução, também me parece “nossa, as mulheres começaram a menstruar agora?” O controle dos corpos femininos não se faz só pela violência, se faz também pela negação de qualquer direito e saúde.
Agora, o principal recado que eu gostaria de lhe mandar: uma crítica machista não desmerece sua carreira política. Repeti, e ficar defendendo, pode lhe trazer percalços. Até porque, em determinado momento, todes fomos machistas de alguma maneira. Mas, porque você não aproveita essa oportunidade para reconhecer o erro e dar mais um up grade na sua carreira política? Sim. Será digno. E nós receberemos muito bem sua retratação. Atribuiremos seu erro a falta de educação social na educação básica, a uma marcante influencia da cultura machista que NÃO isenta ninguém, reconheceremos que precisamos de mais formação a respeito dentro do nosso próprio partido. Sim, porque não? Precisamos que políticos como você reconheçam, como disse Márcia Tiburi, ‘É feminismo ou barbárie”. É muito importante, estimular que outros tantos façam auto críticas e se auto avaliem “será que fui machista com essa atitude? O que fiz hoje para melhorar os acessos das mulheres?”
Não sei quantas mulheres o tem assessorando nesse episódio. Mas, me ofereço para batermos um bom papo e te ajudar a vestir a camisa que eu sei que você defende e acredita: a da equidade de direitos. Como você mesmo disse em uma das respostas “política não se faz com ressentimentos”.
Fraternalmente,
Bárbara Bezerra, mulher, brasileira, nordestina, petroleira, sindicalista, petista.