Enfrentando grandes desafios para conciliar a vida profissional com afazeres domésticos e maternidade, mães petroleiras lutam diariamente por uma maior igualdade das relações trabalhistas e sociais
Por Andreza de Oliveira, via Sindipetro Unificado-SP
Choro de criança ao fundo da ligação, somado à dificuldade em conseguir um horário livre na agenda para conversar, compõe o típico cenário da tentativa em entrevistar qualquer mulher trabalhadora que, além de possuir uma infinidade de afazeres domésticos, também é mãe. E com petroleiras que possuem filhos não foi diferente.
É sabido que as funções maternais não são exigidas das mães somente uma vez por ano. No restante, elas precisam estar disponíveis para os filhos e, mesmo quando trabalham pra fora, ainda têm que lidar com as tarefas domésticas. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), considerando essa dupla jornada, as mulheres trabalham toda semana, aproximadamente, 7,5 horas a mais que os homens.
A desigualdade de gênero nas relações trabalhistas não é uma coisa recente. No Brasil, as mulheres só conseguiram o direito de trabalhar há menos de 100 anos, em 1932. E na Petrobrás, empresa fundada em 1953, as mulheres só puderam participar de concursos públicos para os postos operacionais a partir dos anos 2000.
Com pouca representatividade feminina, hoje a companhia ainda é ocupada majoritariamente por homens. Somente cerca de 16% do quadro de funcionários da empresa é composto por mulheres – das quais parte também são mães. Por isso, devido a essa menor representação dentro do espaço de trabalho, as mulheres tendem a lidar com um tratamento diferente neste ambiente, principalmente após a chegada da maternidade.
“Essa ideia de que fazer parte do mercado de trabalho é inconciliável com o papel de gênero feminino é um problema histórico. As mulheres foram definidas como mães e donas de casa e é uma discussão econômica e cultural de que o lugar da mulher é cuidar e do homem prover”, explica a economista e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, Marilane Teixeira.
As mulheres têm enfrentado esses paradigmas, e isso tem gerado um desafio muito maior porque ao mesmo tempo que aumentavam a participação feminina no mercado de trabalho, elas continuavam sendo as únicas responsáveis pelos cuidados com a casa e a família, pois esse trabalho nunca foi dividido com seus parceiros. A crise atual apenas acentua uma questão histórica.
MARILANE TEIXEIRA, ECONOMISTA E PESQUISADORA DO CESIT/UNICAMP
Lidando diretamente com esse desafio, Ana Souto é mãe há 8 anos e técnica em operação na Refinaria de Paulínia (Replan) desde de 2004. Ela conta que, apesar de gostar muito de trabalhar em turno, teve que fazer escolhas para conseguir adaptar sua jornada à criação da filha. “Não foi fácil, precisei de uma logística para conseguir administrar tanta coisa. Tive que fazer malabarismo”, lembra.
Casada com um petroleiro há mais de 15 anos, a divisão de tarefas num mundo ideal deveria ser igual entre os gêneros, mas não é. Por isso, entende que ainda é a mulher quem tem a decisão de ter ou não filhos, porque sempre fica responsável por mais coisas.
“SINTO QUE A DECISÃO DE TER FILHOS É SEMPRE DA MULHER, E TEM QUE MUDAR ISSO. MAS É SEMPRE A MULHER QUE DECIDE PORQUE [A RESPONSABILIDADE] FICA PRA ELA. A GENTE ACORDA PENSANDO NA JANTA PORQUE, QUANDO DECIDIMOS SER MÃES, TEMOS QUE ABRAÇAR O MUNDO”.
ANA SOUTO, OPERADORA NA REPLAN
Compartilhando de desafios semelhantes, Ana Marcela trabalha em horário administrativo, iniciou sua carreira na petrolífera em 2012, no Edifício Sede (Edise) localizado na cidade do Rio de Janeiro e, atualmente, está lotada no Edicon (Edifício Consolação) em São Paulo, trabalhando em regime de teletrabalho.
Mãe de um menino de 2 anos, a petroleira afirma que logo no início da vida maternal percebeu os desafios em conciliar o trabalho com os cuidados do filho: “Quando acabou a licença maternidade eu já senti o impacto. Trabalhava o dia todo e sempre era uma das últimas mães a conseguir chegar a tempo na creche para buscar meu filho”, explica.
Jornada de trabalho conflituosa
Exigente consigo mesma em seu trabalho, Ana Marcela comenta ainda que, por passar muito tempo longe dela e em constante contato com outras crianças ao ficar na creche em período integral quando pequeno, seu filho chegou a ficar doente várias vezes. Ela recorda as dificuldades que enfrentou para poder acompanhá-lo nesse período, principalmente por não haver regramentos da legislação que resguardem adequadamente a mãe em situações deste tipo.
“Foi um período bem emblemático para mim, sempre tive compreensão e apoio na minha gerência no período em que tive que dar assistência maior ao meu filho quando ele estava doente, mas também não tive nenhum tipo de abono por não haver normativas que amparem de forma ampla situações desse tipo. Para uma mãe sem uma rede de apoio na localidade em que trabalha, isso fica mais evidente”, relembra.
Operadora da Refinaria de Capuava (Recap), em Mauá, Juliana Gomes trabalha no sistema Petrobrás há 10 anos, é mãe há 3 anos e afirma que também teve dificuldades para conseguir preservar a saúde de seu filho em meio a rotina de trabalho que precisava cumprir. “Como trabalhadora de turno, foi muito desafiador conciliar meus horários com a rotina do meu filho, tivemos que nos adaptar para que não impactasse na saúde dele”, comenta, acrescentando que o marido petroleiro também precisou fazer trocas.
Para ela, o novo turno de 12 horas foi o que mais atrapalhou na qualidade e tempo disponível para passar com a criança, e é um dos principais desafios que prejudica seus planos de ser mãe novamente. “Se pudesse, eu trocaria para o horário administrativo porque com o turno de 12h tenho dificuldade para conseguir dormir, manter minha rotina, estar bem e presente para meu filho”, confessa.
Pouca assistência à maternidade
Tentando estar mais presente na vida dos filhos, principalmente quando precisam de um responsável do lado, muitas mães acabam faltando do expediente para acompanhar os pequenos em algum compromisso, como atividade escolar ou visitação médica. Marilane Teixeira explica que isso ocorre devido a convenções sociais que estabelecem um papel de maior responsabilidade familiar às mulheres. Entretanto, esse encargo traz diversos prejuízos para as mães no ambiente de trabalho.
O papel de responsabilidade com os filhos designado às mulheres não tem nada de natural, é construído socialmente, e quando elas ocupam o mercado de trabalho estão sujeitas a maior negligência por estar pressuposto que faltarão mais e produzirão menos, podendo até desistir da carreira, mas isso tudo é construção social porque as mulheres participam cada vez mais do mercado de trabalho.
MARILANE TEIXEIRA, ECONOMISTA E PESQUISADORA DO CESIT/UNICAMP
Anualmente, os funcionários da Petrobrás possuem o direito a uma folga para acompanhar o filho ao médico até que ele complete seis anos de vida. Juliana ainda explica que conhece muitas mulheres que usufruem desse benefício, contudo, muitos homens nem sabem da existência dele. “Percebo que as mulheres sempre usam, muitas precisam até mais de uma vez, e os homens nem sabem que tem esse direito de levar a criança uma vez por ano ao médico”.
A necessidade que a mãe tem de estar próxima ao filho é perceptível também no relato de Ana Marcela. A petroleira diz se sentir realizada com o período em que cumpriu a licença maternidade e julga sua ausência para dedicação ao trabalho como um dos principais fatores responsáveis por piora na saúde da criança, afirmando que, se pudesse, estenderia o afastamento, só para conseguir acompanhar os dois primeiros anos de seu bebê.
Sei que a Petrobrás presta assistência maternal às mulheres e já possui programas para isso, mas poderia haver mais mecanismos, como por exemplo viabilizar o home office de forma para mãe ou cuidador principal nos primeiros anos de vida dos filhos, haver maior flexibilidade com a jornada de trabalho para não prejudicar uma funcionária por causa de horas, haver conscientização para maior valorização das trabalhadoras que também se dedicam à maternidade. Com regras adequadas, a mulher pode continuar sendo tão produtiva para a empresa, mas também sendo mais presente em casa.
ANA MARCELA, PETROLEIRA NO EDICON
Ela explica que, apesar de um aparente entendimento das dificuldades e empatia com as mães petroleiras, a aceitação desse processo não é ainda uma realidade na sociedade em geral e que, na prática, essas mulheres sofrem as consequências e são vistas como menos disponíveis para o trabalho por precisar conciliar as tarefas do serviço com a maternidade.
Como reflexo da sociedade patriarcal, Ana Souto afirma que, mesmo sem distinção de gênero entre as tarefas demandadas aos trabalhadores de turno, se uma mulher se recusa a fazer alguma coisa em detrimento da vida maternal, vai ser mais criticada do que um homem seria. “Se tem um trabalho especial e a mulher se nega a fazer por não conseguir administrar com os filhos, ela será julgada diferente de um homem que faz isso sob mesma justificativa, que será visto como um pai zeloso”.
Divisão de tarefas
Parte das mulheres afirmam necessitar do auxílio de uma terceira pessoa para conseguir conciliar a jornada de trabalho com os afazeres domésticos e os cuidados com os filhos. Estimativas da ONG Rede Nossa São Paulo apontam que mais de 60% das mulheres paulistanas precisam dividir esses cuidados com maridos, familiares, conhecidos e/ou funcionários.
Apesar de identificar uma evolução nessas relações com o passar dos anos, a petroleira Ana Souto reconhece que, em seu caso, a divisão ainda não é completamente igualitária. “Vejo que muito pai está mais participativo, mas ainda é uma minoria, da pra contar em uma mão, e deveriam ser todos porque filho não se faz sozinho”, comenta.
Em realidade diferente, Juliana tem plena consciência de que faz parte da minoria que consegue estabelecer uma divisão equilibrada dos afazeres e cuidados com o filho com o parceiro. “A nossa relação é meio fora do comum, até nosso salário é o mesmo, então pra gente fica muito claro que tem que ser muito igual e tenho plena consciência de que meu caso está longe de ser a representação da sociedade”, diz.
A necessidade de conscientização dos homens sobre a divisão de tarefas domésticas se faz urgente para que seja possível estabelecer uma jornada trabalhista mais saudável para a população feminina. Marilane explica que não é porque a mulher é biologicamente responsável por gerar a vida de uma criança que ela tenha que cuidar dela sozinha.
“O FATO DE AS MULHERES PARIREM NÃO SIGNIFICA QUE ELAS SÃO AS ÚNICAS RESPONSÁVEIS PELA CASA E CRIANÇAS, A ÚNICA DIFERENÇA ENTRE ELAS E OS HOMENS, É DE QUE ELAS PODEM PARIR, MAS ASSIM QUE O FILHO NASCE, A RESPONSABILIDADE TEM QUE SER DE AMBOS, ESSE É O TRABALHO QUE PRECISA SER FEITO”
MARILANE TEIXEIRA, ECONOMISTA DO CESIT/UNICAMP
A pesquisadora também alerta para a sobrecarga do gênero feminino, que pode se manifestar de diferentes maneiras e, até mesmo, adoecer as trabalhadoras com problemas físicos, causados por movimentos repetitivos, ou com patologias psicológicas por conta do cansaço e da exaustão devido às maiores demandas.
Perspectivas de melhora
Para reduzir os problemas causados pela desigualdade de gênero, a recomendação da economista é que temas como a dupla jornada e desafios enfrentados pelas mulheres continuem sempre sendo debatidos. “Datas como o Dia das Mães são invenções comerciais para reafirmar os papéis sociais de que o lugar de uma mulher é sendo mãe, e não existe isso”, declara.
As recentes mudanças no cenário político brasileiro nos últimos anos e retrocessos em determinados direitos, segundo Marilane, podem ser revertidos a depender das correlações de força e capacidade de luta das mulheres por relações de igualdade mais favoráveis. “É um trabalho do ano inteiro, não pode ser feito duas ou três vezes ao ano e em datas comemorativas. É luta e organização para manter sempre a pauta em destaque”, conclui.
Incentivar ou proteger a maternidade vai muito além de uma licença e uma salinha de amamentação, é toda uma estrutura que a mãe precisa ter para desenvolver o lado profissional, a Petrobrás ainda tem muito para desenvolver. A mãe não tem que ser uma supermulher, a gente tem é que ter igualdade.
ANA SOUTO, OPERADORA NA REPLAN