Em entrevista exclusiva, ex-presidente da Petrobrás, o economista José Sérgio Gabrielli, aponta inconsistências na decisão do TCU, que o condenou a pagar U$S 453 milhões pela compra da refinaria do Texas
Por Guilherme Weimann, com participação de Cibele Vieira
Edição: Marcelo Aguilar
Assista: https://www.youtube.com/watch?v=3M4VW6kiv8M&feature=emb_imp_woyt
“Eu saí da Petrobrás, mas a Petrobrás não saiu de mim”. A frase é uma síntese dos sentimentos contraditórios que se avolumaram desde 2012, quando José Sérgio Gabrielli deixou a gestão mais longeva à frente da maior estatal brasileira, iniciada em 2005. Por um lado, o orgulho de ter feito parte de uma empresa “pujante”, que se construiu a partir do “brilho nos olhos” dos seus trabalhadores e da vontade de construir um país. De outro, as consequências de estar envolvido no que ele próprio denomina como uma “guerra híbrida”.
“Eu acho que a guerra híbrida é predominantemente uma ação que não tem um Estado-Maior articulando as ações nas diversas frentes, mas tem um Estado-Maior que cria as condições para as diversas frentes atuarem”. É assim que o economista descreve a forma como se estabeleceram os ataques reputacionais à Petrobrás, vindos dos mais variados atores – incluindo, de acordo com Gabrielli, órgãos de inteligência norte-americanos, judiciário brasileiro, mídia e partidos políticos.
Essa ofensiva ganhou um novo capítulo há uma semana (14), quando o Tribunal de Contas da União (TCU) responsabilizou Gabrielli e outras seis pessoas pela compra da refinaria de Pasadena, localizada no Texas, nos Estados Unidos, no ano de 2006. Pelo suposto prejuízo aos cofres da Petrobrás, o economista foi condenado a pagar U$S 453 milhões. “Esse é um processo absolutamente kafkiano. Esse é um processo político, de caracterização de um prejuízo com base em suposições. Não tem prova, não tem indício, mas tem suposição, tem convicção. Eu estou sendo condenado por isso”, opina.
Nesta entrevista exclusiva, o professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) aponta as inconsistências das investigações movidas pelo TCU, defende a aquisição de Pasadena pela Petrobrás e narra as consequências dessas acusações na sua vida pessoal. “A família toda sofre. Mesmo as pessoas que apoiam você na maior da boa vontade, no fundo acham que tem alguma coisa… E só o tempo vai tirando essa dúvida”.
Confira a entrevista na íntegra:
Quem é o José Sérgio? Quais foram os caminhos que, posteriormente, te levaram a escolher a economia e a política como ferramentas de atuação?
Lá se vão 71 anos. Amanhã eu tomo a segunda dose da vacina. Sou filho de uma família de classe média, meu pai era médico e minha mãe professora de piano. Nasci em Salvador, mas passei a infância em uma cidade que era o centro do mundo, chamada Coaraci, que tinha 5 mil habitantes na época. Estudei a minha vida toda em escola pública e fui militante do movimento estudantil, desde o tempo da ditadura militar, em 1964, quando eu tinha 15 anos. Estou nessa luta, portanto, há muitos e muitos anos.
Fui militante da esquerda organizada brasileira. Integrei a APML [Ação Popular Marxista-Leninista] e, por essa atuação, fui condenado e passei pela prisão. Sempre tive participação política ativa. Em um primeiro momento, entrei no MDB [Movimento Democrático Brasileiro] Popular, depois fui um dos fundadores do PT [Partido dos Trabalhadores].
O que te fez entrar na luta e, apesar de todos os reveses dos últimos anos, continuar acreditando nela?
Eu comecei a militar contra a ditadura militar. E a motivação contra a ditadura militar tinha muito a ver com a luta pela liberdade. Nesse período, antes dos meus 18 anos de idade, me formei muito a partir de uma visão de defesa da soberania nacional e da democracia.
A pobreza e a desigualdade não se resolvem simplesmente com a democracia e soberania nacional. É preciso ter uma atenção específica para a questão da distribuição de renda e da riqueza
Me aproximei da classe trabalhadora, da luta sindical e comecei a perceber as limitações que o capitalismo traz à vida das pessoas. A pobreza e a desigualdade não se resolvem simplesmente com a democracia e soberania nacional. É preciso ter uma atenção específica para a questão da distribuição de renda e da riqueza. O elemento de desigualdade estava muito presente na minha vida e a minha opção pelos trabalhadores ocorreu desde a adolescência. E se consolidou durante a vida. Eu sou dedicado à luta pela transformação do país desde sempre.
Qual foi o sentimento quando você foi escolhido para dirigir a Petrobrás, a maior empresa brasileira?
O [Guilherme] Estrella, que exerceu diversos cargos até se aposentar e foi um dos grandes responsáveis pela descoberta do pré-sal, dizia que para entrar na empresa você deveria ter passaporte. Ou seja, a Petrobrás era um mundo à parte, onde as ideias de nação e de responsabilidade com o país estavam muito presentes. As possibilidades de transformação, de aprendizado, de aperfeiçoamento e de brilho nos olhos de ser petroleiro eram muito grandes. Porque a Petrobrás demonstrava vontade de construir o país.
Por que é um mundo à parte?
Poucas empresas de petróleo do mundo são como a Petrobrás, que surgiu sem ter petróleo, sem ter refinaria, fazendo abastecimento sem ter a capacidade de competir com a Exxon e com a Shell, que dominavam o mercado, e, mesmo assim, afirmou-se pela qualidade dos trabalhadores. Quando nós chegamos, em 2003, ela já tinha descoberto a Bacia de Campos, já era considerada uma grande empresa no offshore [produção em alto mar], já tinha o parque de refino basicamente construído e possuía uma distribuição consolidada. Ela estava sendo afastada da petroquímica e nós retomamos investimentos nesse setor, avançamos nos biocombustíveis e investimos na área de gás. Resolvemos massificar o mercado de gás no Brasil, ampliando a capacidade dos gasodutos, integrando as malhas do Sudeste e Nordeste, viabilizando a capacidade de geração a partir das termoelétricas.
A empresa era pujante, crescia. Descobrimos o pré-sal. Tornou-se uma das 10 maiores do mundo. Em 2010, ela conseguiu captar no mercado financeiro internacional o maior volume de recursos em ações de uma empresa na história até aquele momento. A sensação de estar dirigindo uma empresa com esse dinamismo e capacidade era algo muito grandioso.
Pena que ela está sendo destruída, desmontada. E, hoje, ela não é nada próximo do que era há alguns anos.
No auge dos ataques contra a Petrobrás, um petroleiro contou que a professora do filho pediu um trabalho sobre petróleo. Ele recomendou que, além de notícias que estavam sendo veiculadas pela mídia, também buscasse informações no próprio site da empresa. A professora acabou dando nota 0. Ele precisou ir à escola contestar e, só assim, a nota foi mudada para 10. Mas, depois disso, o filho começou a sofrer bullying pelo pai ser petroleiro. Essa história demonstra um pouco dos efeitos causados aos trabalhadores e à própria imagem da Petrobrás…
Essa história é importante, porque mostra o ataque reputacional à Petrobrás, que é de um impacto gigantesco sobre a empresa e seus trabalhadores. Eu ouvi várias histórias. Muitos petroleiros me disseram que andar com o crachá, que antes era motivo de orgulho, passou a ser feito com receio. Quando eles saíam da empresa, tiravam o crachá e guardavam, porque não queriam ser identificados como petroleiros. Aquele “tubulão” enferrujado que a Globo botava em todos os jornais, todos os dias, com a logomarca, associando todos os casos de corrupção à Petrobrás, teve e tem um impacto simbólico gigantesco.
É importante dizer que os volumes de corrupção identificados e confessados pelos dirigentes da Petrobrás, que são réus confessos, são gigantescos. Quando a Petrobrás reconhece no balanço de 2014, que entre 2004 a 2014, o prejuízo da corrupção foi de R$ 6 bilhões, é realmente um volume muito grande. E, evidentemente, as pessoas que cometeram esse roubo devem ser condenadas e punidas.
Eu sempre falo que destacar a corrupção na Petrobrás é fazer o rabo abanar o cachorro
Agora, quando você coloca isso no contexto da Petrobrás, no seu tamanho, você tem que relativizar. Porque foram R$ 6 bilhões, mas a Petrobrás faturou nesse período R$ 2,6 trilhões. Portanto, R$ 6 bilhões é menos do que 0,5% do seu faturamento. Toda empresa tem mais ou menos esse volume de corrupção dentro dela. Mas como elas são menores, o efeito absoluto é menor. Então, objetivamente, é claro que houve corrupção, mas essa não é a característica principal da Petrobrás.
Eu sempre falo que destacar a corrupção na Petrobrás é fazer o rabo abanar o cachorro. Porque a corrupção é o rabo. O corpo do cachorro é todo o investimento e modernização feita pela Petrobrás no setor, em toda a cadeia produtiva. Mas esse corpo é esquecido e só se olha para o rabo. Agora, da forma que foram conduzidos, os processos não atacaram os réus confessos, os principais culpados. As investigações generalizaram, criaram um clima como se a Petrobrás fosse um mar de lama, que não é. E, portanto, elas serviram muito mais para objetivos políticos, de desmoralizar e derrubar o governo da presidenta Dilma [Rousseff] do que, de fato, combater a corrupção.
Como você recebeu as primeiras investigações e denúncias que surgiram? Você já tinha a dimensão da proporção que elas tomariam posteriormente?
Esses ataques e acusações de corrupção são históricos. Eles acompanham a vida da Petrobrás e das petroleiras. Ser acusado de ter desviado grandes volumes, que passaram de forma inadequadas às mãos de algumas pessoas, foi um dos motivos do suicídio do [ex-presidente Getúlio] Vargas, foi um dos motivos do golpe [militar] de 1964 e aconteceu no período do [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso.
Enquanto nós estávamos lá, a Petrobrás também sofreu várias CPIs. Mas as acusações eram sempre discutidas em termos de “foi uma atitude de benefício ou foi uma situação referente à mudança no mercado, ao aumento de custos, às especificidades do setor?”. Isso foi tratado dessa forma até 2014, 2015, quando começou de fato a se perceber a existência de uma campanha sistemática de desmoralização da Petrobrás, justamente a partir do falso prejuízo de Pasadena.
O que significou a compra de Pasadena?
Criou-se um mito de que Pasadena foi um gigantesco prejuízo, o que não é verdade. Pasadena foi um empreendimento perfeitamente integrado com a estratégia da Petrobrás, já definida no período do [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso. Em 1998, o Conselho de Administração definiu que iria aumentar a produção do petróleo do campo de Marlim, da Bacia de Campos. Ao aumentar o petróleo Marlim, a Petrobrás poderia refinar esse petróleo no Brasil ou fora.
O Brasil estava com o mercado estagnado, 10 anos sem crescer. De 1996 a 2006, o mercado brasileiro de gasolina, diesel e GLP ficou estável, porque o país não crescia. Então não fazia sentido aumentar a capacidade de refino no Brasil naquele período. O que a Petrobrás fez? Foi buscar refino no exterior, a partir de 2003 e 2004. Estava correto do ponto de vista estratégico. Isso significava capturar também a margem do refino do petróleo Marlim, que era pesado. Se vendesse somente o petróleo Marlim cru o valor cairia e, com isso, perderia rentabilidade.
Por que a Petrobrás escolheu essa refinaria?
A refinaria de Pasadena tinha várias características interessantes. Primeiro, ela estava situada no Golfo do México, no centro de refino dos Estados Unidos. Existem no seu entorno 3 milhões de barris em capacidade instalada de refino. Isso significa uma vez e meia a capacidade brasileira de refino atual. Pasadena estava ligada via oleoduto aos principais mercados internacionais, tinha área para tancagem, estava no terminal marítimo que era o centro da chegada do petróleo nos Estados Unidos. Ou seja, tinha uma localização logística extraordinária.
É um contrassenso imaginar que uma refinaria com capacidade para refinar 100 mil barris por dia vai ser vendida por U$S 45 milhões. Não existe isso em lugar nenhum no mundo
Em 2006, ela é adquirida. A Petrobrás pagou U$S 7,2 mil por barril de capacidade de destilação. Em 2006, foram realizadas 11 operações de compra e venda de refinarias. A mais barata foi U$S 3,8 mil por barril e a mais cara U$S 18 mil por barril de capacidade de destilação. Isso mostra o grande intervalo na compra e venda de refinarias nessa época. A Petrobrás pagou U$S 7,2 mil, que é menos da metade do valor pago pela compra das refinarias mais caras naquele ano.
O que foi criado na mente das pessoas é de que ela foi comprada pelo sócia, que posteriormente a vendeu à Petrobrás, por U$S 45 milhões. É um contrassenso imaginar que uma refinaria com capacidade para refinar 100 mil barris por dia vai ser vendida por U$S 45 milhões. Não existe isso em lugar nenhum no mundo. Não há a menor possibilidade de existir uma operação nesse valor. No entanto, isso foi considerado como a origem do prejuízo. Como ficou muito evidente que isso era um absurdo, criou-se uma outra versão.
Qual foi essa nova versão?
A nova versão diz o seguinte: uma consultoria, que a própria Petrobrás contratou, chamada Muse Stancil, fez 27 cenários diferentes sobre valores de refinarias para a Petrobrás. Nesses cenários, ela projeta a margem de refino para o futuro baseada nos valores de maio de 2005. Nesse estudo, a refinaria Pasadena passaria a valer U$S 186 milhões de dólares. Como ela foi comprada por U$S 720 milhões, o Tribunal de Contas da União [TCU] diz que essa diferença é o prejuízo. Só que quando você refaz os cálculos da própria Muse Stancil usando os dados reais das margens de 2006, a refinaria deveria valer U$S 966 milhões. Portanto, ao invés de ter prejuízo, ela deu um lucro para a Petrobrás, ao ser comprada por U$S 720 milhões.
Pasadena deve ter dado um enorme lucro à Petrobrás
Além disso, a refinaria permaneceu no parque da Petrobrás de 2006 a 2019. Nesse período, ela teve anos de prejuízo, e teve alguns anos de lucro. A partir de 2013, os Estados Unidos fizeram uma revolução a partir do shale gas. E, ao aumentar enormemente a produção de gás, também produziram condensado associado ao gás. E esse condensado associado ao gás, que é um petróleo de alta qualidade e baixa densidade, poderia ser usado em Pasadena, como foi. Por isso, Pasadena deve ter dado um enorme lucro à Petrobrás nesse período.
O fato é que, em 2019, Pasadena foi vendida. Quem compra? A Chevron. A Chevron compra e paga U$S 562 milhões à Petrobrás, quando as margens de refino eram menores que em 2006. Portanto, onde está o prejuízo? O prejuízo de Pasadena é puramente ficcional. São volumes tão grandes que as pessoas ficam assustadas. Mas esse é um processo absolutamente kafkiano. Esse é um processo político, de caracterização de um prejuízo com base em suposições. Não tem prova, não tem indício, mas tem suposição, tem convicção. Eu estou sendo condenado por isso.
E de onde eles tiraram esses valores de U$S 45 milhões e U$S 186 milhões?
A Astra, uma negociadora de petróleo e derivados belga, comprou Pasadena – que é uma refinaria da Segunda Guerra Mundial – da Crown em três etapas. Primeiro, a Astra alugou a refinaria e pagou um aluguel, durante um ano. Além disso, a Astra pagou uma dívida da Crown. E, no final, o valor residual dessa refinaria foi de U$S 45 milhões, pagos pela Astra. De acordo com os cálculos, toda a operação girava em torno de U$S 320, U$S 340 milhões. Então, o valor que a Astra comprou a refinaria não foi U$S 45 milhões, mas entre U$S 320 e U$S 340 milhões.
O valor que a Astra comprou a refinaria não foi U$S 45 milhões, mas entre U$S 320 e U$S 340 milhões
Mas qual é o problema? Negociação de ativos não se faz pelo valor histórico. Ninguém compra uma empresa sobre o valor que ela custou para o seu dono. Você compra uma empresa porque no futuro ela dará lucratividade. Assim que o mercado funciona. Aí vem o cálculo da Muse.
Como foi feito o cálculo da Muse?
Você pega e calcula quanto aquela empresa vai gerar de recurso no futuro. No caso de Pasadena, foram calculados 10 anos à frente. Então, com base nesse cálculo, você tem o valor presente desse ativo, considerando as margens, os ganhos que você vai ter. Para fazer esse cálculo, a Muse utilizou dados de maio de 2005. Mas quando você pega as margens de refino de 2006, data da compra, é um período que tem grandes variações. Durante o ano, variou de U$S 7 a U$S 17. Porque o refino é assim, muda muito. Quando você pega o histórico real, do que aconteceu no mercado, a refinaria de Pasadena, naquele momento, valeria U$S 966 milhões, e não os U$S 186 milhões como apontou a Muse. Portanto, do ponto de vista do valor futuro, a refinaria também não deu prejuízo.
E, por fim, ela foi vendida por U$S 562 milhões e não por U$S 45 milhões. Porque, em 2019, o preço do petróleo estava baixo, o mercado estava entrando em crise, estava em um momento de redefinição do petróleo no mercado internacional. Pensando agora, brincando, já que eu vou ter que pagar U$S 400 milhões, eu quero meus U$S 565 milhões da venda da refinaria. O que o juiz disse oralmente na defesa do acórdão é que a vantagem obtida por mim foi de base política. Não tem corrupção. O que é completamente sem noção, não tem nenhum sentido.
Você acredita na tese de que essas denúncias e investigações foram articuladas? Quais foram os seus interesses?
Uma das diferenças entre a chamada guerra híbrida e a guerra convencional, é que nessa última o papel do Estado-Maior e do comando é muito relevante na movimentação das tropas. Eu acho que a guerra híbrida é predominantemente uma ação que não tem um Estado-Maior articulando as ações nas diversas frentes, mas tem um Estado-Maior que cria as condições para as diversas frentes atuarem.
Isso cria uma instabilidade e uma opressão kafkiana, no sentido do livro O processo, em que o indivíduo é oprimido pelo Estado e nem sabe o porquê está sendo acusado, o que é insuportável
O que nós estamos vendo no sistema judiciário e nos sistemas de controle do Brasil, nos casos da CVM [Comissão de Valores Mobiliários], TCU e no CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], é um conjunto de ações descentralizadas que acabam reforçando um caminho. O processo da Refinaria do Paraná [Repar], por exemplo, foi desdobrado em 30 processos. Ou seja, uma pessoa vai ter que responder a 30 processos, vai ter que contratar 30 advogados, vai ter que responder a 30 questionamentos. O que significa, portanto, que as condições de defesa são muito distintas, considerando um tribunal de contas que tem centenas de profissionais, contra um indivíduo que recebe um pedido para responder em 15 dias sobre algo que aconteceu há 10 anos. Isso cria uma instabilidade e uma opressão kafkiana, no sentido do livro O processo, em que o indivíduo é oprimido pelo Estado e nem sabe o porquê está sendo acusado, o que é insuportável.
Quem está por trás dessas ações?
Eu acho que foram criadas as condições que possibilitaram essas ações. O sistema de segurança e informação dos Estados Unidos levantou as informações iniciais e municiou a Polícia Federal e os órgãos de controle do Brasil. Paralelamente, houve a ação feita pelo mundo político contra a presidenta Dilma [Rousseff], com a criação de todo aquele clima pós 2013, a partir das manifestações de rua, que transformou o movimento legítimo por mais direitos em algo contra a corrupção. Também houve uma ação da mídia, que criou um clima e um ambiente de mar de lama no país. E, por fim, é importante destacar as ações dos diversos atores políticos que tentaram caracterizar o PT e seus militantes como corruptos, quando na verdade o que se verificou posteriormente é que, do PT mesmo, poucos são envolvidos com corrupção. A maioria dos casos não tem nada a ver com o partido.
O sistema de segurança e informação dos Estados Unidos levantou as informações iniciais e municiou a Polícia Federal e os órgãos de controle do Brasil
No caso da diretoria da Petrobrás, por exemplo, existiam poucos diretores que eram caracterizadamente petistas. José Eduardo Dutra, senador da República. Eu, que era fundador do partido. O diretor Guilherme Estrella, que era presidente do PT em Nova Friburgo, e o professor Ildo Sauer, que na época era ligado ao PT. E não tem nada contra nós, nada. Zero processo na Lava Jato contra os quatro petistas que foram da diretoria da Petrobrás. Os outros eram profissionais de longa carreira na empresa.
Qual foi o impacto individual na sua vida de todos esses ataques?
Trabalhei 36 anos e 2 meses como professor da UFBA, onde me aposentei. E, atualmente, o governo quer caçar minha aposentadoria. Eu vivo dela e, hoje, está sendo ameaçada. Eu ainda estou recebendo apenas porque ganhei uma liminar. Esse foi um dos principais ataques que eu recebi, que foi direcionado à minha sobrevivência.
Em 2014, foi feito esse escândalo sobre Pasadena, e eu chamo de escândalo porque é uma acusação completamente fantasiosa. E, desde então, eu estou com os meus bens bloqueados, ou seja, eu não posso trocar meu carro, eu não posso vender meu apartamento, eu não posso passar recursos para os meus filhos, eu não faço operação bancária, eu sou um cidadão não-bancário. Esse ano foi terrível, eu saí mais de 240 dias com imagem negativa no Jornal Nacional. Quer dizer, se o ano tem 365 dias, eu passei mais de dois terços saindo com imagem negativa em rede nacional. Quando eu chegava no Rio de Janeiro, as pessoas gritavam, ameaçavam, xingavam, era um horror. Aqui na Bahia era um pouco menos, mas também acontecia.
Meus filhos sofreram. Eles já são adultos, mas ainda sofrem. Minha esposa é afetada. A família toda sofre. Mesmo as pessoas que apoiam você na maior da boa vontade, no fundo acham que tem alguma coisa… E só o tempo vai tirando essa dúvida. O fato é que após 70 delações, milhares de depoimentos, milhares de processos, e você não aparece em nada, fica claro que você não cometeu nenhuma irregularidade. Então, as pessoas que antes tinham alguma desconfiança voltam a acreditar mais em você.
O que você espera do futuro?
O tempo cura. O tempo é um elemento muito importante. Já se passaram quase 10 anos que eu estou nessa história. Eu saí da Petrobrás, mas a Petrobrás não saiu de mim.
Agora a luta é jurídica, meus advogados estão lutando para tentar reverter isso no âmbito do TCU. Mas também é uma luta política de narrativa. É necessário fazer uma disputa sobre a história do que aconteceu e do que está sendo dito. Evidentemente, a visão dominante é a da refinaria que foi comprada por U$S 45 milhões e vendida por quase U$S 1 bilhão, e que alguém ganhou dinheiro nisso. Mas eu acho que as coisas vão se tornando mais claras ao longo do tempo. E a luta é maior do que Pasadena.
No fundo, existe um processo político maior de tentar manter alguém que é reconhecidamente petista em cena, depois que o presidente Lula voltou a ser elegível
Eu não tenho nenhuma acusação criminal, nenhuma acusação de corrupção. Nada na Lava Jato ou nas inúmeras investigações administrativas no TCU ou na CVM. A acusação é basicamente a de não cumprir o “dever de lealdade com a Petrobrás” e obter vantagens políticas como diretor e presidente da companhia. Essa é a acusação geral em todos os processos, e são dezenas. Esse último [de Pasadena] é o mais escandaloso.No fundo, existe um processo político maior de tentar manter alguém que é reconhecidamente petista em cena, depois que o presidente Lula voltou a ser elegível. Eu agradeço bastante à fala do companheiro me elogiando, mas logo em seguida veio essa condenação recente, o que pode ter sido um troco. Mas eu vou continuar lutando pelos meus direitos. Acho que é uma condenação absolutamente injusta, sem nenhum sentido. E espero que a justiça seja feita.