“Se no setor elétrico, a gente reza pra chover para não pagar tarifas ainda mais altas de luz, no setor petróleo, vamos ter que rezar pra que não haja guerra lá fora que faça disparar o preço dos combustíveis aqui dentro”, afirmou o coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão, em entrevista ao programa “Espaço Cidadão”, do cientista político e jornalista do Grupo Band, Robson Carvalho.
Leão explicou que reduzir impostos não é garantia de queda de preços dos combustíveis. “O principal componente que está puxando essa alta dos combustíveis é a política de preços da Petrobrás. Só para dar um exemplo, o preço médio do diesel, de maio de 2020 a fevereiro deste ano, subiu de R$ 3,20 para R$ 3,76 nos postos, ou seja, R$ 0,56, sendo que os impostos federais e estaduais foram responsáveis por R$ 0,06 desse aumento. O resto do aumento foi da Petrobrás”, afirmou.
Na entrevista, ele também afirmou que o preço dos combustíveis não cairá com a venda das refinarias. “Nós vamos continuar com preços altos e, provavelmente, até desabastecimentos de alguns mercados”, alertou o economista, afirmando que o principal setor que está sendo beneficiado pelo Preço de Paridade de Importação (PPI) são os importadores de derivados.
Leia as principais partes da entrevista e veja no final o vídeo com a íntegra no final do texto.
Por que a gasolina, o diesel, o gás de cozinha estão tão caros? A culpa é dos impostos?
É difícil dizer que há um culpado. Tem várias questões que influenciam os preços dos combustíveis. O imposto é um dos aspectos que precisa ser analisado, mas não pode ser tratado de forma segregada. O preço dos combustíveis é composto por vários fatores. Tem o custo da produção e da importação, tem as margens dos postos de gasolina e das distribuidoras, tem os impostos, tem o preço do etanol, que é misturado com a gasolina. São vários componentes que influenciam na trajetória do preço. Mas, sem dúvida, o principal componente que está puxando essa alta dos combustíveis é a política de preços da Petrobrás. Só para dar um exemplo, o preço médio do diesel, de maio de 2020 a fevereiro deste ano, subiu de R$ 3,20 para R$ 3,76 nos postos, ou seja, R$ 0,56, sendo que os impostos federais e estaduais foram responsáveis por R$ 0,06 desse aumento. O resto do aumento foi da Petrobrás.
Por que isso acontece?
Principalmente, porque a Petrobrás adota uma política chamada PPI, Preço de Paridade de Importação.
O que é isso?
Vamos imaginar que o Brasil deixe de produzir o que a gente consome aqui no país e vamos ter que comprar tudo de fora. Qual seria o preço médio se a gente tivesse que importar todos os produtos que consumimos? Essa é a lógica do PPI. O que a Petrobras faz é reajustar os preços como se a nossa economia dependesse de importações. Nós temos produção nacional, mas estamos reajustando os preços como se não produzíssemos no Brasil. A Petrobrás pratica os preços lá de fora, com preços de importação, acrescidos dos custos de logística, ou seja, de distribuição dos combustíveis.
Se a população é prejudicada por esse preço de importação, quem é beneficiado? Quem ganha com o PPI?
O principal setor que está sendo beneficiado são os importadores de derivados. Até 2015, a gente importava muito pouco derivados para abastecer o mercado interno. Tinha algumas importadoras e a própria Petrobrás importava uma parte dos derivados para complementar a produção nacional. A partir de 2016, quando a diretoria da empresa adotou o PPI (sob o comando de Pedro Parente, indicado pelo governo Temer), foi também implementada uma outra política na época, referente à gestão das refinarias. Ao invés de utilizar todo o parque de refino, a empresa foi deixando de refinar parte do petróleo que produzia e o país passou a importar combustíveis. Com isso, cresceu consideravelmente o número de importadores. Então, toda vez que a Petrobrás demora a reajustar os preços de derivados, esse setor de importadores, que inchou e cresceu, começa a gritar. É o que mais pressiona a Petrobrás.
Quem são esses importadores?
É um setor muito heterogêneo. Tem desde importadoras pequenas, até as grandes distribuidoras e gigantes multinacionais que atuam no mercado de trading.
O que o país perde ao abrir mão de refinar todo o petróleo aqui no Brasil?
Até 2015, o parque de refino da Petrobrás operava com 90% de sua capacidade. Isso caiu para menos de 70% no governo Temer e no ano passado, chegamos a 80%. Os grandes países produtores de petróleo refinam o máximo que podem no mercado interno e exportam o que sobram. Com isso, quando o preço do barril sobe, em vez de aumentaram o preço na bomba, eles usam a margem de lucro das exportações para subsidiar os preços internos, para que não haja grandes variações para a população. Quanto mais se produz internamente, fica menos dependente de importações e menos refém do preço internacional, e agrega valor à sua indústria. Vender nafta e vender diesel dá mais retorno financeiro do que vender petróleo cru. Além disso, gera emprego e renda no país.
Então o Brasil está na contramão ao vender refinarias…
As grandes empresas de petróleo são justamente as que têm muito refino e muita exploração e produção. A Petrobrás está abrindo mão desse modelo integrado e isso é muito grave para a empresa e para o país. Uma empresa que comprar uma refinaria da Petrobrás, por exemplo, não necessariamente vai ser obrigada a vender derivados no mercado interno. Pode ser que uma empresa chinesa compre uma refinaria no Brasil e decida exportar todo o diesel que produza aqui para a China. Haverá menos controle sobre a distribuição no mercado interno. Então, são vários problemas decorrentes, tanto de subutilizar o parque de refino, quanto de privatizar as refinarias.
Um dos argumentos que o mercado defende é que vender refinarias e até mesmo privatizar toda a Petrobrás vai acabar com o monopólio da empresa, o que garantiria a livre concorrência. Isso é verdade? Se isso acontecer, os preços dos combustíveis podem baixar?
É muito improvável que isso aconteça. Há estudos, como o da PUC do Rio de Janeiro, que mostram que as refinarias no Brasil não competem umas com as outras. Nós temos poucas refinarias no país e cada uma atende mercados específicos. Nós temos, por exemplo, três refinarias no Nordeste, duas no Sul, cada uma delas atende a sua região. Então, vender refinaria na Bahia e vender refinaria no Rio Grande do Sul não faz com que uma concorra com a outra. Além disso, as refinarias têm perfis diferentes. A Lubnor, no Ceará, por exemplo, produz muito asfalto. A Rnest, em Pernambuco, produz mais diesel e óleo combustível. A Rlam, na Bahia, produz de tudo, mas tem um peso grande na produção de gás de cozinha e de gasolina. Então, é muito difícil que a gente veja concorrência afetando o preço. O que deve acontecer é a transferência de ativos para o setor privado que terão poder de mercado em vez da Petrobrás. Por isso, a tendência é que os preços continuem seguindo algum tipo de paridade e, portanto, fiquem sensíveis a qualquer variação no mercado internacional. E, mais grave, é que não há, no nosso modelo regulatório, um órgão que substitua a Petrobrás na coordenação do mercado de abastecimento. Isso, a depender da estratégia das refinadoras privadas, pode gerar uma descoordenação do abastecimento, resultando até em escassez para alguns mercados.
Outro argumento usado para justificar a privatização da Petrobrás é acabar com a corrupção. Isso tem fundamento?
O Ineep tem um estudo sobre corrupção que demonstra que a indústria de petróleo é a que tem os maiores casos de corrupção no mundo. E isso ocorre em diversos países, não é uma especificidade do Brasil. Em segundo lugar, aparecem as empresas de construção civil, que muitas delas prestam serviço para a indústria de petróleo. Então boa parte dos problemas relacionados a corrupção no mundo estão associados a empresas de petróleo. E o que a gente observa é que os países adotam medidas diferentes para lidar com esse problema, que, em geral, não estão relacionadas à privatização. São medidas de caráter regulatório, para se tentar melhorar regulação e governança das empresas para evitar problemas desta natureza, e processos e punições muito duras para pessoas que participam deste esquema.
O Ineep tem um estudo que mostra que a Refinaria Landulpho Alves foi vendida pela Petrobrás pela metade do preço. Se de fato isso aconteceu, estamos diante de um prejuízo que supera em 100 vezes as perdas com os casos de corrupção detectados na empresa. Pode explicar como foi feita essa estimativa?
O Ineep fez um estudo de valuation, para determinar o valor real da Rlam, com premissas que traçamos para três cenários. No cenário mais pessimista, a refinaria valeria em torno de 3 bilhões de dólares. Ela foi vendida por cerca de 1,7 bilhão de dólares, ou seja, 45% a menos do que seu valor real. No cenário mais otimista, a Rlam valeria quase 4 bilhões de dólares. Então, na nossa avaliação, a Petrobrás vendeu a refinaria por um valor muito abaixo do que ela vale. Nas premissas que utilizamos nesse estudo, identificamos quanto que a refinaria vai gerar ao longo do tempo e trouxemos essa conta para os dias de hoje. E não é só o Ineep que está dizendo isso. O BTG Pactual e a XP Investimentos também têm estudos que apontam a venda da Rlam por preço subvalorizado.
Há alguma chance desse crime que está acontecendo com a Petrobrás e o povo brasileiro vir a ser revertido em um próximo governo?
Isso vai depender muito até onde o governo atual vai conseguir avançar na privatização da Petrobrás. Se a gente sair desse governo com a venda das refinarias e a Petrobrás concentrada só no pré-sal, é muito pouco provável que consigamos ter uma mudança da estrutura do setor de petróleo em um outro governo. Vamos ter vários atores privados produzindo, coordenando os seus mercados. Pode ser que a Petrobrás em alguns segmentos possa ter um peso mais importante, como a distribuição, mas acredito que no setor de produção e exploração e no setor de refino, nós vamos ter daqui pra frente uma realidade muito diferente, que vai ser muito difícil de ser revertida.
E o que vai acontecer se as refinarias forem privatizadas? Os preços dos combustíveis vão cair, como muita gente acredita?
Na minha opinião, o que vai acontecer no mercado de refino no Brasil é que vamos ter mercados mais regionais. Ou seja, os preços do Nordeste vão ser diferentes dos preços do Sul e Sudeste, por exemplo, pois são atores diferentes, com lógicas diferentes. Vamos ter mercados mais regionalizados, pois não teremos uma empresa nacional coordenando o mercado. Esses atores vão ter o poder de monopólio privado, parecido com o que os produtores de etanol fazem hoje. Vão colocar o preço mais alto que eles podem para aumentar a margem de lucro deles. Então, eles tendem a seguir o preço internacional ou tentar de alguma maneira manter esse preço no limite mais alto que pode ser mantido. Se no setor elétrico, a gente reza para chover para não pagar tarifas ainda mais altas de luz, no setor petróleo, vamos ter que rezar para que não haja guerra lá fora que faça disparar o preço dos combustíveis aqui dentro.