[Da imprensa do NF e do RS]
O segundo painel de debates desta quinta-feira, 16, do Congresso Nacional da FUP tratou das transformações em curso no mundo do trabalho, que foram ainda mais aceleradas pela pandemia.
Através de uma live no youtube da FUP, que teve início às 15h, a socióloga do trabalho, Selma Venco, e a pesquisadora Marilane Teixeira, professora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp falaram sobre o impacto das novas tecnologias na vida do trabalhador e as mudanças nas relações trabalhistas.
Selma Venco fez uma breve recuperação histórica do mundo do trabalho citando dois momentos: o Taylorismo e o Fordismo. “O Taylorismo se caracterizou pelo controle do tempo dos trabalhadores, os ganhos por produtividade que acabavam causando diferenças salariais e a chamada seleção científica” – explicou.
Em sua visão, o Fordismo pegou os princípios do Taylorismo e intensificou, com a máquina determinando a velocidade do trabalho. “ Nesse período as grandes concentrações de trabalhadores no mesmo ambiente facilitaram a organização da classe trabalhadora e a realização de greves por férias e melhoria das jornadas de trabalho. Um período de muito avanço para o movimento sindical, que não agradava aos capitalistas” – disse.
A globalização aparece depois com amplificando a lógica da competitividade, a flexibilização da forma da produzir e das relações de trabalho. Nesse contexto aparece a terceirização que se caracteriza pela forte dispersão dos trabalhadores e a perda de muitos direitos e dos vínculos com sua categoria original. Inicia aí um período de muito desemprego e de intensificação do trabalho, com um recuo nas organizações dos trabalhadores que passam a se afastar dos sindicatos por medo de perder seu emprego.
Uberização
“Quando a gente pensa que as relações já estão aprofundadas surgem inovações e inicia o fenômeno da uberização, que é baseado na economia compartilhada” – explica. “Surge como um modelo econômico baseado nas plataformas colaborativas, onde a pessoa “divulga” o seu trabalho”
Existem pontos na uberização que do ponto de vista socióloga já existiam em outros modelos como o trabalho desprotegido de direitos, as jornadas de trabalho estendidas, o cadastro de autônomo, a necessidade de estar disponível e de ser avaliado.
A novidade é que elas funcionam através de plataforma digitais e as pessoas “pagam” para trabalhar. No caso do Uber, 25% do serviço vai para a empresa e o trabalhador ainda tem que arcar com todos os custos desse trabalho.
Para a socióloga a lógica da uberização veio para ficar e vai se alastrar para muitas outras ocupações e profissões, como acontece em outros países.
Ela alerta que o serviço dos entregadores segue a mesma linha do uber. “Na lógica de trabalho dos entregadores, há obrigações de trabalho fixo, mas sem nenhum tipo de direito” – disse Selma Venco.
Capitalismo e organização do trabalho
Venco explicou que a relação entre a organização do trabalho e a organização dos trabalhadores caminharam ao longo da história de mãos dadas. “Já estava em curso uma forte dispersão dos trabalhadores pelo local de trabalho e isso ajudou no esfacelamento dos coletivos que é um dos grandes objetivos do capitalismo” – comentou.
A crença na resistência por parte da classe trabalhadora é muito forte para a socióloga exemplificando através de ações organizadas de trabalhadores do Uber e a greve dos entregadores no Brasil.
Ela alerta para o que está por vir na o pandemia, por isso a necessidade de atenção. “O capitalismo não entra no distanciamento social, ele não tira férias. A crueldade desse sistema vai se aproveitar da fragilidade da vida para usurpar ainda mais” – chamou atenção lembrando como será a situação em nosso país.
“O capitalismo no Brasil tenta impor perdas de direitos e medo. Com isso quem mais sairão perdendo são as mulheres, os negros e infelizmente, as mulheres negras serão as que mais sofrerão” – encerrou reforçando que “É importante saber que sempre vão tentar nos explorar, mas nós temos formas de resistir”.
O pós-pandemia
A economista e professora da Universidade de Campinas (Unicamp), Marilane Teixeira, apontou para a necessidade de enfrentamento de uma das maiores crises vivenciadas no país e com impactos gigantes nas relações trabalhistas, desemprego e flexibilização de direitos.
Em sua apresentação, a economista trabalhou com duas dimensões: o cenário da pós pandemia do mercado de trabalho e o avanço tecnológico pós crise.
“A pandemia evidência a realidade social e acelera o movimento já em curso na sociedade e no trabalho, estamos vindo de uma crise ligada as reformas, o trabalho informal e o aumento da pobreza e desigualdade social, representando um período de profundas incertezas. Não sabemos quando vamos retornar aos nossos trabalhos com segurança, quando as atividades econômicas serão normalizadas e os desempregados inseridos no mercado de trabalho. Atrelados a isso, no Brasil existe uma combinação de várias crises, a sanitária, a econômica, ambiental, social e política” – comentou.
Novas Tecnologias
Dentro deste contexto, Marilane falou que as revoluções históricas muitas vezes se deram a partir das crises e que não será preciso optar entre o avanço tecnológico e a exclusão da mão de obra: “As mudanças tecnológicas transformam a realidade, mas são determinadas fundamentalmente pela relação de poder. Apesar das novas tecnologias, o trabalho nunca teve tanta centralidade. Precisamos discutir o lugar do trabalho frente às novas tecnologias ou as novas tecnologias dentro do mundo do trabalho. Não existe uma substituição, esse fundamento de que está se perdendo a importância do trabalho não se confirma”.
Marilane finalizou sua apresentação comentando sobre uma possível antecipação de décadas com a crise pós pandemia e do processo de inserção de novas tecnologias – como é o caso do teletrabalho, experiência já vivenciada por alguns petroleiros. “Isso tudo é um processo de disputa política, a tecnologia pode ser disputada e equilibrada do ponto de vista do interesse do nosso trabalho. Vai depender da forma como a gente realiza essa disputa na sociedade”, concluiu.
O debate foi mediado pelo diretor da FUP, Alexandro Guilherme.