Trabalhadores offshore, testados para o coronavírus apenas no embarque, estão apreensivos com avanço da doença e têm medo de levar a covid-19 para suas casas
Por Leonardo Maia –
Campos – Enquanto a disseminação do novo coronavírus avança pelo país, cresce a apreensão de que o mesmo possa se repetir nas plataformas de petróleo da Bacia de Campos. Monitoramento do Ministério das Minas e Energia apontava, até o dia 27, 510 pessoas contaminadas, além de 1301 com suspeita da doença entre os mais de 46 mil funcionários da Petrobras. Existe o temor de um surto eminente entre os trabalhadores embarcados, confinados a um espaço exíguo e de difícil acesso, a centenas de quilômetros do continente.
Recentemente, a Petrobras passou a realizar testes rápidos em todos os homens e mulheres que embarcam para as plataformas dos aeroportos e heliportos de Jacarepaguá, Vitória (ES), Macaé, Cabo Frio e do Farol de São Thomé, praia do litoral campista. No entanto, o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) questiona a confibalidade dessas análises e critica as medidas gerais de prevenção adotadas pela empresa.
Em resposta, a empresa diz, em nota, que os exames rápidos “são úteis para identificar pessoas que possam estar com uma infecção ativa há alguns dias, porém sem manifestação de sintomas, assim como aquelas que tenham tido uma infecção assintomática no passado”.
“Os testes não bastam. Eles têm sua lógica, mas não são 100% confiáveis. O que deixa os trabalhadores preocupados”, comenta Ricardo Duarte, médico do trabalho do Sindipetro-NF.
Duarte também aponta outro problema. Os petroleiros vêm de diversas cidades e regiões do país, compartilham ambientes como aviões, ônibus, vans, carros, antes de chegar ao ponto de embarque.
“Uma pessoa que se contamine três dias antes de embarcar, não vai aparecer (a contaminação) nesse teste”, diz o médico. “E o ´relógio´ da infeção diz que ela pode levar até 14 dias para apresentar sintomas. Até lá, ela já passou o vírus para vários colegas embarcados”.
A Petrobras diz que realiza o exame mais preciso (RT-PCR, reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) em todos aqueles que apresentam sintomas, e os retira das plataformas imediatamente, encaminhando para atendimento e isolamento domiciliar monitorado. Também informa que mudou escalas e reduziu o número de operários em cada plataforma ao mínimo necessário.
O sindicato identificou a presença do coronavírus em pelo menos 9 plataformas da Bacia de Campos: P-26, P-50, P-35, PCE-1, P-43, P-47, PNA-1, P-48 e P-33.
Um operário, que falou à reportagem em condição de anonimato, revela que é frequente a chegada de helicópteros às bases marítimas para levar trabalhadores com sintomas da covid-19.
A reportagem também pediu confirmação à Petrobras de uma informação de que, há duas semanas, um helicóptero desembarcou 21 pessoas no heliporto da Praia do Farol. Dias depois, 14 delas apresentaram resultado positivo para o coronavírus.
A empresa não confirmou nem negou. Alegou, por nota, respeito ao sigilo médico, e que não divulga informações individuais, apenas números gerais. “A companhia entende que, em linha com nosso valor de respeito às pessoas, a garantia da privacidade e do sigilo se sobrepõe nessas situações”.
No entanto, os petroleiros têm manifestado entre si o temor de levarem a doença para suas famílias, uma vez que a Petrobras não realiza os mesmos testes rápidos no desembarque. A empresa não respondeu a esse ponto específico quando questionada.
“Os trabalhadores perguntam que garantia eles têm de que estão voltando para casa sem estarem contaminados”, pondera Rafael Crespo, diretor do Sindipetro-NF. “Além disso , os trabalhadores contaminados podem perder direitos trabalhistas porque a empresa se recusa a reconhecer as contaminações como relacionadas ao trabalho, não emitindo, assim, as CAT (Comunicados de Acidente/Doença do Trabalho)”.
“Os caras já vivem o tempo todo no fio da navalha, agora você tem o coronavírus e a ameaça de contaminar sua própria família”, lamenta Duarte. “É uma lógica perversa”.