Na noite desta terça-feira (28), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) organizou uma conferência online denominada “Alternativa e saídas para a crise brasileira: duas visões”. Como sugerido no título, a atividade reuniu pensadores de espectros políticos que tiveram posições diametralmente opostas nas últimas décadas.
De um lado, o jornalista, cientista político e professor titular da Universidade de São Paulo (USP), André Singer, que atuou como porta-voz e secretário de imprensa da Presidência da República (2003-2007) durante o governo Lula; de outro, o cientista político e superintendente da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, que foi assessor de diversos Ministérios durante o governo de FHC.
Entretanto, apesar de divergências pontuais, a atual conjuntura parece ter aproximado as análises dos ex-colegas de universidade. E, como elemento central, está o movimento de ascensão de Jair Bolsonaro (sem partido) e, consequentemente, do autoritarismo ao cargo máximo do Poder Executivo brasileiro.
André Singer explica o atual fenômeno como a consolidação de um “autoritarismo furtivo”. O termo foi traduzido de um livro, ainda sem tradução para o português, lançado nos Estados Unidos em setembro do ano passado pelo também cientista político polonês Adam Przeworski.
De acordo com o professor da Universidade de Nova York, o autoritarismo furtivo se trata de uma ação antidemocrática incremental, ou seja, que ocorre gradualmente; dentro das leis, sem o rompimento formal com o Estado democrático de Direito; e conduzida por líderes democraticamente eleitos.
Com isso, na explicação de Singer, a transição da democracia para o autoritarismo ocorre sem golpe, ou seja, sem uma ação concentrada e conduzida por atores externos do sistema político como, por exemplo, as Forças Armadas.
Essa nova fórmula, na opinião de Singer, cria um grande problema para a oposição. “A oposição não encontra o que eu chamaria de ponto de corte, aquele momento da cena no qual o diretor de cinema diz ‘corta’, para então transitar a outra cena. Na verdade, na medida que a democracia vai deslizando para o autoritarismo de maneira imprescindível, a oposição encontra dificuldade em identificar o momento de dizer: ‘agora está mudando’. E justamente porque não está mudando ‘agora’, mas é um processo de mudança”, afirma.
Ponto de corte brasileiro
O professor da USP relata que o Legislativo e o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), iniciaram um movimento no ano passado para tentar barrar o autoritarismo de Bolsonaro. “Criou-se um sistema de vasos comunicantes entre o Legislativo e Judiciário. As mesas da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal passaram a agir de forma coordenada. Dois dos três poderes se coordenaram para tentar bloquear aquilo que já parecia claro, que era a tendência do Poder Executivo, na figura do atual presidente, de tentar anular os outros poderes”.
Entretanto, para Singer, Bolsonaro cruzou a linha democrática quando participou de atos antidemocráticos, nos dias 15 e 19 de março, desrespeitando as orientações sanitárias de isolamento social. “O Artigo 85 da Constituição diz que é crime de responsabilidade atentar, por parte do presidente, contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes Constitucionais das unidades federativas”, opina.
Nesse cenário, todavia, os Poderes Legislativo e Judiciário se omitiram mesmo diante da gravidade dos fatos. “Em condições normais, um presidente que vai a um ato de pede o fechamento do Congresso e do STF seria imediatamente submetido a um processo de impeachment. Entretanto, não foi o que ocorreu. O presidente da Câmara, por exemplo, deu declarações tímidas. Já o presidente do Senado disse que era inconsequente estimular aglomerações. E o presidente do STF, rigorosamente, não disse nada”, aponta Singer.
A resposta foi receber, na segunda-feira posterior ao primeiro ato, o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que estava confrontando publicamente às declarações contrárias de Bolsonaro em relação à quarentena. “Eles pensaram que poderiam isolar o Bolsonaro e governar na forma de um parlamentarismo”, indica Singer.
Consciente dessa estratégia, Singer afirma que Bolsonaro respondeu em “altíssima voltagem” com as demissões dos ministros da Saúde e da Justiça, Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro, respectivamente. “Ele [Bolsonaro] forçou a demissão do ministro Moro, mesmo assim o processo de impeachment continua pairando no ar”.
Fragilidades do bolsonarismo
Sergio Fausto concordou com a conjuntura traçada por Singer, mas também apontou certas fragilidades que podem impedir a manutenção ou crescimento do autoritarismo de Bolsonaro no poder. “O Brasil não é uma República unitária, mas federativa, bastante descentralizada. O Fato do Brasil ser bagunçado cria maiores problemas para a instauração de um sistema autoritário”, opina Fausto.
O cientista político chamou atenção para a aproximação de Bolsonaro à denominado “Velha Política”, na qual predominam os partidos do “centrão”, para evitar o processo de impeachment. Entretanto, frisou que muitas retrações do atual presidente fazem parte de uma estratégia para alcançar maiores objetivos. “Os recuos do presidente são sempre táticos para depois dar alguns passos no sentido de tencionar os limites das outras instituições”, explica Fausto.
Além disso, Fausto fez questão de destacar o papel das Forças Armadas no atual governo. “A fronteira entre as instituições militares e este governo se borrou devido ao grande número de cargos do primeiro, segundo e terceiro escalões ocupados por militares”, acredita Fausto.
Diferentemente de Singer, que vê ressalvas na ascensão do general Hamilton Mourão na hipótese de impeachment, Fausto considera que dentro das possibilidades esta seria uma figura que traria racionalidade ao país. Os dois, entretanto, consideram urgente a consolidação de uma frente ampla democrática para barrar o movimento autoritário em vigência no Brasil.
[Via Sindipetro Unificado SP]