Por Isadora Coutinho e Sérgio Trabali Neto, pesquisadores do INEEP
Há possibilidades de que o setor petróleo melhore as condições socioeconômicas deste país com baixo grau de desenvolvimento no médio prazo. De todo modo, alguns obstáculos e desafios que o país terá de enfrentar nos próximos anos devem ser considerados. Dentre eles, questões relacionadas à instabilidade política e à administração governamental das receitas petrolíferas, à baixa experiência em regulamentação de uma indústria petrolífera ou em negociação com empresas internacionais, além da falta de infraestrutura necessária para sustentar um cenário de boom do petróleo.
A Guiana tem se destacado como fronteira promissora de exploração e produção de petróleo na América do Sul, em razão das descobertas offshore realizadas em seu território desde 2015. No final de 2019, a descoberta de petróleo no bloco Stabroek no sudeste do campo de Liza, anunciada pela petrolífera ExxonMobil, foi mais um marco desse processo. Essa descoberta acrescenta mais de 6 bilhões de barris equivalentes de óleo aos reservatórios daquele bloco.
No mesmo mês, no bloco Stabroek no campo de Liza, a primeira produção de petróleo na história do país foi iniciada pelo FPSO Liza Destiny. A plataforma que deve atingir sua capacidade total de 120 mil barris por dia nos próximos meses. Um segundo FPSO está em construção para poder entrar em operação por volta de 2022, com intuito de produzir 220 mil barris/dia. Operadora do bloco, a ExxonMobil (45%) tem como sócias a estadunidense Hess Corp. (30%) e a chinesa CNOOC (25%).
O presidente da ExxonMobil, Darren Woods, declarou que a Guiana assumiu uma posição estratégica no portfólio de investimentos da empresa. Exemplo disso foi o anúncio da petrolífera de um investimento de US$ 200 bilhões em projetos de óleo e gás pelo mundo nos próximos sete anos. Segundo o relatório financeiro publicado em 2018, as principais áreas de investimento estão localizadas na Guiana, na Bacia do Permiano e no Brasil.
5 milhões até 2025
Desse modo, a Guiana surge como um dos projetos de desenvolvimento mais importantes da Exxon, sendo fundamental para o objetivo da petrolífera de atingir 5 milhões de barris de produção de óleo equivalente até 2025. De acordo com o vice-presidente de Exploração e Novos Empreendimentos da ExxonMobil, Mike Cousins, há ainda a possibilidade de lançarem novos projetos de desenvolvimento no bloco Stabroek, prevendo atualmente uma produção no local de mais de 750 mil barris por dia até 2025.
Outras empresas petrolíferas estão interessadas na costa da Guiana. A britânica Tullow Oil, a francesa Total e a canadense Eco Atlantic Oil & Gas também estão envolvidas na exploração de petróleo na Guiana, tendo descoberto em setembro de 2019 um novo poço no bloco Orinduik. Neste, a britânica é operadora e conta com 60% de participação, enquanto a francesa possui 25% e a canadense,15%. Já em janeiro de 2020, a Tullow Oil fez nova descoberta no bloco Kanuku, com 37,5% de participação, mesma porcentagem que a espanhola Repsol, operadora do bloco. A Total também participa com os 25% restantes.
Alguns estudos geológicos sugerem que a quantidade de reservas ainda pode aumentar nos próximos anos, gerando um clima de muito otimismo em relação à produção petrolífera no país. Com uma população de 780 mil habitantes, a Guiana já possui mais de 3,9 mil barris de petróleo por dia por pessoa, índice superior ao dos Emirados Árabes Unidos, da Noruega e da Arábia Saudita. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia do país deve crescer 86,5% em 2020 em função do setor petrolífero, o qual vai representar cerca de 40% da economia em cinco anos.
Melhorias
Há possibilidades de que o setor petróleo melhore as condições socioeconômicas deste país com baixo grau de desenvolvimento no médio prazo. De todo modo, alguns obstáculos e desafios que o país terá de enfrentar nos próximos anos devem ser considerados. Dentre eles, questões relacionadas à instabilidade política e à administração governamental das receitas petrolíferas, à baixa experiência em regulamentação de uma indústria petrolífera ou em negociação com empresas internacionais, além da falta de infraestrutura necessária para sustentar um cenário de boom do petróleo.
Chama a atenção o fato de o país não possuir uma empresa petrolífera nacional e nem mesmo refinaria. Sem previsões de que haja mudança nesse quadro, a Guiana se mantém dependente da atuação das companhias multinacionais estrangeiras. A Exxon, por exemplo, conta com um contrato de exploração e produção bastante generoso e favorável à empresa: inicialmente, os termos do contrato assinado em 1999 nem mesmo previam o pagamento de royalties ao Estado guianense. Revisado em 2016, o contrato prevê ao país uma taxa de 2% de royalties e uma retenção de menos de 54% de receitas do setor, o que é menos do que costuma ocorrer em contratos comparáveis.
Ainda assim, à época, houve resistência da Exxon para mudar os termos do contrato. Já em 2019, o diretor do Departamento de Energia do país, Mark Bynoe, anunciou que a Guiana está planejando aumentar a porcentagem dos royalties de 2% para 5% em contratos futuros. Esses episódios sugerem que o país enfrentará dificuldades para se apropriar da riqueza gerada pelo petróleo. Isso se agrava quando se considera que a Guiana é altamente dependente da atuação de operadoras estrangeiras para explorar as gigantescas reservas descobertas em território nacional.
Fundo soberano
Nessa mesma linha, é também sugestivo o fato de que, enquanto as grandes empresas estrangeiras avançam rapidamente sobre o território guianense, o país ainda está pensando em como criar um fundo soberano para guiar o direcionamento e investimento das receitas advindas do petróleo.
Junto à ausência de uma regulação mais favorável à apropriação da renda petrolífera e de uma empresa nacional para explorar as reservas recém descobertas, a inexistente política energética autônoma deve limitar os benefícios econômicos para a sociedade guianense.
Ao observar essa conjuntura, não se pode deixar de salientar que decisões relacionadas às questões regulatórias, institucionais e estratégicas do setor de petróleo no país devem considerar também a dimensão geopolítica. As recentes descobertas e o início da produção de petróleo no país aumentam a relevância estratégica da região, demonstrando a importância do continente sul-americano como fornecedor para os mercados mundiais de petróleo. Reforçando, desse modo, a tese de reposicionamento da América do Sul na indústria petrolífera mundial, atrás da Venezuela e do Brasil em termos de reservas estimadas, a Guiana desponta enquanto nova fronteira de exploração e produção de petróleo, garantindo maior visibilidade mundial à sua costa e, desse modo, o interesse das empresas petrolíferas estrangeiras nas potencialidades ali existentes.
[Via Ineep | Artigo publicado originalmente no jornal Le Monde Diplomatique]