Procuradores da Lava Jato burlaram a lei para lucrar com a operação

 

As últimas revelações trazidas pelo jornal Folha de São Paulo, em parceria com The Intercept Brasil, mostram que o procurador Deltan Dallagnol, ao articular para lucrar com a venda de palestras sobre a Operação Lava Jato, inverteu toda a lógica do Direito.

Segundo a reportagem, ele e o procurador Roberson Pozzobon discutiram um “plano de negócios para lucrar com a fama” da operação baseada em Curitiba. O objetivo era criar uma empresa em nome de terceiros para ganhar dinheiro fazendo eventos e palestras sobre a Lava Jato, além de se beneficiar com os contatos obtidos durante as investigações.

Para os integrantes da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), as revelações do Intercept demonstram uma série de desvios cometidos pela operação Lava Jato, como desvirtuamento do devido processo legal, parceria entre juízes e acusação, partidarização, desvio de função de agentes do Ministério Público Federal, além de fraude para ocultar atividade negocial.

Em entrevista à TVT, a juíza Simone Nacif destaca que é expressamente proibido a juízes e procuradores atuarem como sócios em empresas com fins lucrativos, e classifica como “fraude” a estratégia criada pelos procuradores para burlar a lei, segundo ela. Por isso, Dallagnol e o também procurador Roberson Pozzobon articulavam para não figurarem como os representantes legais da empresa – que ficaria em nome de suas mulheres – que gerenciaria os lucros obtidos com palestras e outros eventos que tinham como objetivo lucrar com a fama adquirida com a Lava Jato. “O MP é fiscal do ordenamento jurídico, e deve zelar pela correta aplicação da lei. Então não pode um dos seus integrantes construir uma negociata para burlar a lei”, destaca a juíza.

No dia 11 de março, a FUP, através do seu coordenador, José Maria Rangel, denunciou os procuradores da Lava Jato à Justiça Federal, acusando-os de ato lesivo contra a Petrobrás e a União, ao desviarem R$ 2,5 bilhões da empresa para um fundo de financiamento de uma entidade privada, cuja gestão seria feita por eles. “É ato lesivo por desvio da finalidade do MPF. Nos termos da Lei Complementar 75/93, não é função do Ministério Público Federal a criação de fundação de direito privado para gerir dinheiro público. Por sua vez, tal desvio de finalidade, até por também conter uma ‘doação’ indevida, caracteriza o ato lesivo”, destacou na época a ação movida pelo petroleiro.

“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?”

Em dezembro de 2018, em diálogo com sua mulher e com o procurador Roberson Pozzobon, um dos sócios do negócio, Deltan afirmou que a notoriedade obtida com a Lava Jato precisava ser aproveitada para gerar lucros “monetários”, como mostrou a reportagem da Folha. Os dois, então, criaram um grupo de mensagens destinado a discutir o tema, com a participação de suas esposas.

“Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, disse Deltan Dallagnol no grupo. Pozzobon respondeu: “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro”.

Em um diálogo com sua mulher, Deltan evidenciou seus objetivos. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu. “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, comentou ainda o procurador.

Em 14 de fevereiro de 2019 Deltan propôs que a empresa fosse aberta em nome de suas mulheres, com a organização dos eventos ficando sob responsabilidade de Fernanda Cunha, dona da firma Star Palestras e Eventos.

A legislação proíbe que procuradores gerenciem empresas, permitindo somente que sejam sócios ou acionistas de companhias.

A realização de parcerias com uma firma organizadora de formaturas e outras duas empresas de eventos também foi debatida nas conversas.

Ainda segundo a reportagem, as mensagens mostram que o procurador incentiva outras autoridades ligadas ao caso a realizar palestras remuneração, entre eles Moro e o ex-procurador-geral, Rodrigo Janot.

Ao analisar uma denúncia contra Deltan em junho, membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) avalizaram as palestras como legais e filantrópicas. Depois das denúncias do Intercept, integrantes do conselho planejam reabrir investigação sobre o procurador do Paraná por suposta dobradinha com o ex-juiz Sérgio Moro.

À reportagem, o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, voltou a afirma com a convicção que lhe é característica que realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção. Segundo ele, o trabalho ocorre de maneira compatível com a atuação no Ministério Público Federal. Deltan afirma ainda que não abriu empresa ou instituto de palestras em nome dele e do procurador Roberson Pozzobon ou de suas esposas e que não atua como administrador de empresas.

Confira a íntegra da matéria aqui.

[Com informações da Rede Brasil Atual e da Folha de São Paulo]