UNIVERSIDADE DISTÓPICA – O saber numa ditadura anti-intelectual

 

Relembre os clássicos “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, e “1984”, de George Orwell. Como seriam as universidades nessas sociedades?

Muito provavelmente a produção do saber se limitaria aos objetivos pragmáticos imediatos, gerida pela empobrecida “razão instrumental”, aquele arremedo de razão que combatemos a cada dia, e que conduz da mesa do pesquisador aos centros de extermínio, em linha reta e acrítica, contra a qual nos alertou Adorno.

E, claro, na construção dos consensos indispensáveis à dominação social, as universidades distópicas ensinariam que não só descendemos de Adão e Eva, como que a Terra, plana, por suposto, é o centro do Universo.

Pois bem…

Muitos ainda não tiveram a devida percepção do movimento anti-intelectual que se apossou do Poder, em vitória muito mais significativa do que a meramente eleitoral, na medida em que predominantemente ideológica.

Outros, supostamente “realistas”, tentam se adaptar à linguagem do diálogo anti-intelectual – quase um oxímoro – em grotescos esforços de capitulação pela preservação de bolhas, ou nichos.

No dia 12 de fevereiro deste congestionado 19, o boletim de serviços da Universidade Federal Fluminense publicou portaria do Reitor a criar uma “assessoria” responsável pela “articulação” e “cooperação” entre a UFF e as Forças Armadas.

Questionado pela associação de docentes, o Magnífico naturalizou seu gesto e, num bom momento do realismo fantástico latino-americano, assumiu sua morte política ao declarar que a intervenção militar na universidade só ocorreria “por cima de seu cadáver”.

É triste. Em tempos outros a ingerência da “força”, armada ou não, na produção do “saber”, contou com reações prontas, que se inscreveram na história por transcender o raso formalismo.

O Reitor poderia ter lembrado a lendária fala de Miguel de Unamuno, na Salamanca de 1936: “Vencer não é convencer. Para convencer há que persuadir, e para persuadir necessitaríeis de algo que vos falta: razão e direito na luta”.

Poderia, também, limitando-se a Pindorama, rememorar o não menos homérico dito de Pedro Calmon, ao barrar as investidas da meganhada, na ditadura anterior: “…entrar na Universidade só através de vestibular”.

Não o fez. Em lugar de reverenciar Pedro Calmon, o Reitor preferiu a invocação finória do mesmo dito por Dias Toffoli, que condenou as ações fascistas do Judiciário contra as universidades, porém convenientemente a destempo, como bem calha a quem trabalha, na presidência do STF, com o bafo quente de um general à nuca.

Talvez o Reitor espere que a intromissão da “força” no “saber” se limite à antessala. Neste caso lhe seria útil a breve leitura do genial conto “Casa Tomada”, de Cortázar. Quem sabe, ali, descobrisse que as intenções da “força” vão além?

Vão além porque à “força” não basta escorraçar pretos e pobres para fora da universidade. Este era o modesto programa de Temer, que declaradamente pretendia retroceder 20 anos em 2. À Ditadura Nacional-Bocialista importa não só retroceder 50 anos – tal como Temer, o Grande Líder explicitou a intenção – como sequestrar o futuro.

Seja como for, a realidade se sobrepôs ao Reitor. Dois dias após publicar sua portaria, o pedestre Moro, em reunião com o iletrado colombiano, desenhou a “Lava a Jato da Educação”, anunciada aos quatro ventos pelo chefe da milícia.

A porta da antessala foi cortesmente aberta, e a “força” adentrou o “saber” mediante polido convite. Mas todas as outras portas serão arrombadas.

É provável, pois, que em meia geração, para além da “razão instrumental”, nossas universidades ensinem que não só descendemos de Adão e Eva, como que a Terra, plana, por suposto, é o centro do Universo.

Por Normando Rodrigues