Por Eduardo Costa Pinto, professor de economia da UFRJ e pesquisador do INEEP (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra)
A estratégia da Petrobras de concentrar suas atividades de E&P em águas profundas aumenta a sua exposição a variáveis não que ela não controla, aumentando riscos, e reduz a agregação de valor da cadeia brasileira.
O novo Presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em seu discurso de posse e em entrevista ao setor de comunicação da Petrobras, deixou explicito a manutenção dos principais eixos estratégicos das gestões anteriores (Pedro Parente e Ivan Monteiro) assentadas: (i) na desalavancagem financeira (redução da relação dívida líquida/LTM EBITDA); (ii) no foco em atividades de exploração e produção (E&P) em águas profundas do pré-sal em detrimento das outras atividades (refino, logística, distribuição, E&P em campos maduros em terra e em águas rasas); e (iii) no desinvestimento (venda de ativos operacionais) em atividades não vinculadas ao pré-sal destinado a geração de recursos para redução do endividamento.
Apesar da manutenção dos eixos estratégicos, Roberto Castello Branco falou sobre a possibilidade de realizar ajustes marginais no Plano Estratégico (2040) e no Plano de Negócios e Gestão (2019-2023) da Petrobras, tais como: 1) reduzir ainda mais a alavancagem financeira, pois segundo ele “os níveis de endividamento reduziram bastante, mas ainda são altos em relação ao que se requer de uma empresa que produz commodities minerais (petróleo)”; e 2) acelerar a exploração e produção no pré-sal, pois para o novo presidente “em função do desenvolvimento de energias renováveis e da eletrificação, o petróleo tende a perder importância ao longo do tempo”.
Esse é um argumento utilizados por muitos analistas do setor de petróleo que acreditam que ocorrerá a partir de 2030 uma redução contínua da demanda de petróleo (peak oil demand) em virtude do crescimento de energias alternativas para o transporte automotivo (expansão do carro elétrico). É evidente que a utilização de fontes alternativas no transporte automotivo pode alterar o consumo do petróleo num determinado momento do tempo. No entanto, o petróleo continuará por um bom tempo como importante recurso estratégico.
Esses possíveis ajustes aventados pelo atual presidente da Petrobras intensifica a estratégia em curso, mantém a gestão curto prazista (geração de caixa no curto prazo com a venda de ativos para reduzir o endividamento) e amplia o processo de desintegração vertical da empresa (menor atuação na cadeia de energia).
É evidente que a atual gestão da dívida e do portfólio de ativos da Petrobras conseguiu melhorar os indicadores de endividamento em 2018 em virtude da venda de ativos operacionais (como, por exemplo, fatias dos campos de Lapa, Sururu, Berbigão, Oeste de Atapu e Roncador localizados no pré-sal, entre outros ativos) e da elevação da geração de caixa operacional decorrente da elevação dos preços internacionais do petróleo e das mudanças na estratégia do refino.
Se, por um lado, esse tipo de gestão melhorou os indicadores financeiros, por outro, teve como efeito colateral a redução significativa de 5,5% da produção de petróleo da Petrobras no Brasil em 2018 (de 2.154 milhões de barris por dia em 2017 para 2.035 milhões de barris por dia em 2018), mesmo com a entrada em operação de quatro novos sistemas de produção. Maior queda anual na produção de petróleo desde 2003 e abaixo da meta estipulada pela Petrobras de 2.100 milhões de barris por dia em 2018.
Essa queda na produção reflete a venda de ativos de campos em operação no pré-sal e a redução dos investimentos dos campos maduros, sobretudo na bacia de Campos. Isso evidencia que a atual gestão da dívida e do portfólio de ativos ao invés de enfrentar o desafio financeiro de curto prazo da empresa pensando no longo prazo, optou-se por uma atuação curto prazista míope cuja aceleração da venda de ativos criou resultados operacionais negativos, como a expressiva redução na produção de petróleo e gás natural em 2018. Cabe observar que essa redução não gerará maiores problema na geração de caixa operacional da empresa em 2018 em virtude da elevação do preço do petróleo.
Além dos resultados operacionais, a estratégia da Petrobras de concentrar suas atividades na produção e exploração de petróleo e gás natural em águas profundas (pré-sal), em detrimento de outras áreas da cadeia de energia (midstream e downstream), provoca o direcionamento da empresa no sentido da ampliação das exportações de petróleo cru para o mercado internacional. Isso necessariamente aumenta a exposição da empresa a variáveis não que ela não controladas (taxa de câmbio, preço do petróleo e demanda externa de óleo), aumentando riscos, e reduz a agregação de valor da cadeia de petróleo e gás brasileira.
Daniel Yergin, em seu livro O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder, explicitou a trajetória da formação dos grandes conglomerados petrolíferos e o papel decisivo desempenhado pela estratégia de integração vertical ao minorar riscos associados a especialização em decorrência das características especificas do setor (formação de preço do petróleo, estrutura de mercado, regulação, elevados investimentos, etc.).
A integração vertical permite a ampliação da acumulação de capital na indústria do petróleo. Nas palavras de Carmem Alveal (em seu livro denominado Os desbravadores: a Petrobras e a construção do Brasil): “Razões de ordem econômica mais do que técnica exigem a integração vertical para realizar o elevado potencial de acumulação da indústria petrolífera, dado os riscos e custos financeiros associados a cada segmento da cadeia produtiva são diferentes”.
A despeito disso, a atual gestão da Petrobras acelera na linha da especialização na exploração e produção no pré-sal, que tem como contra face a venda de ativos operacionais de outras atividades, implicando necessariamente na desintegração vertical. Não por acaso a Petrobras retomou sua política de desinvestimentos ao anunciar, em dezessete de janeiro de 2019, as vendas dos seguintes ativos operacionais: i) 90% da participação na Transportadora Associada de Gás (TAG); ii) 100% da Araucária Nitrogenados; e iii) de parte do Refino da empresa por meio da formação de parcerias. Nesse projeto estão incluídas as refinarias RNEST em Pernambuco, a RLAM na Bahia, a Refap no Rio Grande do Sul e a Repar) no Paraná, bem como os dutos e terminais (ativos logísticos) vinculados a essas refinarias.
O PNG (2019-2023) da Petrobras sinalizou uma retomada dos investimentos, sobretudo na E&P do pré-sal e do pós-sal, para os próximos cinco anos (US$ 84,1 bilhões sendo que desse total US$ 68,8 para o E&P e US$ 8,2 para o Refino). O balanço do 3º trimestre da Petrobras já tinha apontado para uma reversão na tendência de queda dos investimentos dos últimos anos. Com a maior geração de caixa operacional (decorrente do aumento do preço do petróleo, da redução dos custos operacionais e das mudanças na estratégia do nível de utilização das refinarias), a empresa pretende retomar os investimentos, uma medida fundamental ainda mais com a redução da produção de petróleo da Petrobras no Brasil em 2018.
A atual gestão Roberto Castello Branco deverá manter as linhas gerais do PGN (2019-2023) da Petrobras, no entanto, caso seja realizado ajuste no que diz respeito à ampliação da redução da alavancagem financeira (relação dívida líquida/LTM EBITDA) poderá ocorrer redução nos investimentos projetados para os próximos anos.
Em linhas gerais, a nova gestão da Petrobras, sob o comando do Roberto Castello Branco indicado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes ( que comanda o núcleo de poder econômico liberalizante do governo Bolsonaro), deverá adotar mais do mesmo observado nas gestões anteriores, sob o governo Temer, com algum destravamento do investimento.
Mesmo com a maior atuação do núcleo militar do governo Bolsonaro na Petrobras (escolha do Almirante Leal Ferreira para presidir o Conselho de Administração da Petrobras) e no Ministério de Minas e Energia com o comando do almirante Bento Albuquerque, não há sinais de reversão na atual estratégia da Petrobras. As “disputas veladas” entre os núcleos econômico liberal e militar do governo Bolsonaro para comandar a política energética, em especial a Petrobras, não parece estar vinculada a divergências do papel estratégico que a Petrobras deve desempenhar. Tanto para os militares como para o núcleo liberal, a Petrobras deve se orientar pelos objetivos estritamente microeconômicos vinculados a acumulação interna de capital, endividamento, fluxo de caixa, etc.
Os militares parecem ter abandonado a ideia de que a Petrobras possui uma face estatal que deve ser orientada pelos objetivos políticos, atrelados a um projeto nacional, e de ordem macroeconômico (inflação, balança comercial, etc.). A ala desenvolvimentista das Forças perderam representatividade com a crise do desenvolvimentismo na década de 1980 e com o avanço do liberalismo difuso entre os servidores militares que defendem a pátria, a nação e a tradição brasileira, mestiça e cristã, mas não enxergam nenhum perigo com controle estrangeiro da Embraer, a exploração do petróleo do pré-sal por empresas estrangeiras ou a venda de parte do refino para empresas estrangeiro.
[Via Blog do Ineep]