Os petroleiros se mobilizam esta semana em torno de duas importantes agendas de luta, que podem impactar a soberania nacional. Na sexta-feira, 28, a FUP e outras entidades de trabalhadores de empresas estatais participam de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), para debater a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu as vendas de ativos e privatizações de empresas estatais, sem autorização do Poder Legislativo.
Lewandowski atendeu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ingressada por integrantes do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, que questionam a legitimidade da Lei das Estatais (13.303/2016), que alterou os estatutos das empresas federais, estaduais e municipais de capital aberto, para que atuem como sociedades privadas, permitindo, entre outros absurdos, a dispensa de licitações públicas e a transferência de controle acionário para terceiros.
No mesmo dia da audiência no STF, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) colocará à venda mais 16,5 bilhões de barris de petróleo do Pré-Sal, em uma nova rodada de licitação que pretende entregar ao mercado cinco blocos nas Bacias de Santos e Campos. Das 12 petrolíferas que participarão do leilão, a única brasileira é a Petrobrás.
Em entrevista à FUP, o coordenador licenciado, José Maria Rangel, destaca a urgência de mudanças estruturais nos rumos do país para que o Pré-Sal e a Petrobrás voltem a ser geridos com foco na soberania energética e no desenvolvimento nacional. “O pré-sal brasileiro é hoje a grande fronteira de novas reservas de petróleo no mundo e, por isso, foco de grande disputa entre as petrolíferas globais. O impacto da venda das nossas reservas para essas empresas não está simplesmente na transferência de petróleo para o exterior, mas sim na incapacidade de utilizarmos essas reservas para desenvolvermos nossa indústria, uma cadeia de fornecedores nacionais, institutos de pesquisa, ou seja, estão comprometendo o futuro do país”, afirma.
Para José Maria Rangel, a audiência no STF será “uma grande oportunidade de demonstrar o equívoco das privatizações”. Ele ressalta que somente a reversão da política de desmonte do governo Temer e da gestão Pedro Parente/Ivan Monteiro poderá “retomar o projeto de soberania energética e de desenvolvimento do pré-sal para os interesses do povo brasileiro”.
“A reversão desse quadro somente pode ocorrer com uma mudança nos rumos do governo federal e, principalmente, pela mudança do perfil do Congresso Nacional que foi central para operacionalizar todas essas medidas que, em resumo, entregaram o pré-sal para as petrolíferas estrangeiras”, alerta José Maria Rangel.
Leia íntegra da entrevista:
FUP – Na sexta-feira, 28, a ANP realizará a 5ª rodada de licitação do Pré-Sal no modelo de Partilha de Produção. Doze empresas disputarão 16,5 bilhões de barris de petróleo em cinco blocos nas Bacias de Santos e Campos: Saturno, Titã, Pau Brasil e Tartaruga Verde. Com exceção da Petrobrás, todas as outras petrolíferas que participarão do leilão são multinacionais. Qual o impacto disso para o povo brasileiro e para a Petrobrás?
José Maria Rangel – A conquista de novas reservas de petróleo é o principal aspecto da disputa entre as grandes petrolíferas. A sustentabilidade de tais empresas no longo prazo depende, por um lado, das suas reservas de petróleo e, por outro, de mercados de consumo que comprem esse petróleo e seus derivados. O pré-sal brasileiro é hoje a grande fronteira de novas reservas de petróleo no mundo e, por isso, foco de grande disputa entre as petrolíferas globais. O impacto da venda das nossas reservas para essas empresas não está simplesmente na transferência de petróleo para o exterior, mas sim na incapacidade de utilizarmos essas reservas para desenvolvermos nossa indústria, uma cadeia de fornecedores nacionais, institutos de pesquisa, ou seja, estão comprometendo o futuro do país. Com a Petrobrás como operadora do pré-sal, associada à política de conteúdo nacional, a exploração do pré-sal ocorria junto com o desenvolvimento da indústria nacional, das nossas universidades e da nossa engenharia. Com as empresas estrangeiras no pré-sal, todo esse processo deve ocorrer no exterior. Não por o acaso, nossos estaleiros e empresas de construção pesada estão amargando os prejuízos do deslocamento da Petrobrás para uma posição em favor das petrolíferas estrangeiras.
O governo Temer também corre para aprovar no Senado o Projeto de Lei Complementar 078/2018, que autoriza a Petrobrás a abrir mão de 70% dos cinco bilhões de barris de petróleo da Cessão Onerosa e cujas reservas excedentes podem chegar a 15 bilhões de barris de petróleo. Para onde caminha o Pré-Sal brasileiro em meio a mais este ataque? Esse quadro ainda pode ser revertido?
Essa é mais uma medida do governo golpista para reduzir a participação da Petrobrás na exploração do pré-sal. Nesse caso, mais uma vez, há uma transferência direta do pré-sal brasileiro para o exterior. E, nesse caso, é mais grave porque as empresas terão menor risco de produção e não precisarão ingressar num leilão pagando bônus, concorrendo com outras empresas etc. É a simples venda de petróleo para empresas estrangeiras sem nenhuma contrapartida para a União. Tendo em vista essa operação e a inexistência de benefícios para a União, a única hipótese que me parece razoável é que o governo continua pagando a conta de golpe ocorrido no Brasil. A reversão desse quadro somente pode ocorrer com uma mudança nos rumos do governo federal e, principalmente, pela mudança do perfil do Congresso Nacional que foi central para operacionalizar todas essas medidas que, em resumo, entregaram o pré-sal para as petrolíferas estrangeiras.
Neste mês de setembro, os trabalhadores da Petrobrás comemoram dez anos de produção no Pré-Sal, cujos campos registraram em julho a marca histórica de 1,821 milhão de barris de óleo e gás por dia. Isso representa 55,1% de toda a produção nacional. Como você vê essa conquista?
Os dez anos do pré-sal são fruto do conhecimento adquirido pelos trabalhadores da Petrobrás ao longo de sua história e pela insistência dos governos Lula e Dilma em investir em projetos ambiciosos da nossa empresa. A descoberta do pré-sal não ocorreu da noite para o dia, foi um longo processo de acúmulo de conhecimento e pesquisa de diferentes áreas, como geologia, engenharia naval, engenharia do petróleo, oceanografia que ocorreu durante anos. No entanto, o êxito somente foi possível no governo Lula, que acreditou na viabilidade do pré-sal, a despeito dos elevados custos envolvidos. Como exemplo deste fato, cabe lembrar que, na exploração do primeiro poço do pré-sal na área de Parati, a Chevron desistiu de participar desse consórcio em razão do custo de exploração que já superava US$ 100 milhões. A Petrobrás manteve a perfuração deste poço e, posteriormente, não apenas encontrou petróleo na região, como descobriu um volume gigantesco de reservas na camada do pré-sal. Ou seja, o sucesso de uma empresa pública de petróleo depende da competência dos seus trabalhadores, da execução de um projeto de longo prazo e de um governo que acredite nesse projeto e, principalmente, seja soberano aos interesses de terceiros.
No mesmo dia da 5ª Rodada da ANP, o STF fará uma audiência pública para debater a liminar que o ministro Lewandowski concedeu aos trabalhadores, impedindo a venda de ativos de estatais sem autorização do legislativo. Qual a importância dessa audiência? Você acredita que os trabalhadores podem sair vitoriosos dessa batalha?
Primeiro é importante destacar que a liminar e essa audiência pública foram resultados de um forte enfrentamento que os petroleiros, seus sindicato e a FUP travaram diante das investidas do governo golpista, visando a entrega de diversas partes da nossa empresa. Por isso, a audiência vai ser uma grande oportunidade de demonstrar o equívoco das privatizações.
Quanto a sairmos vitoriosos, isso vai depender muito do resultado de outra batalha que estamos enfrentando nesse momento. Afinal o congresso que irá decidir se pode ou não vender o patrimônio do povo, segundo a decisão do ministro, será aquele que sair das urnas em 7 de outubro. Hoje 73% dos deputados são empresários ou latifundiários, se isso se repetir provavelmente todas as votações de vendas serão autorizadas.
Ainda há alguma luz no fim do túnel diante de tantos ataques à soberania nacional?
O que nos alenta é que há uma parcela relevante do pré-sal que ainda está nas mãos da Petrobrás. Além disso, existe um volume importante de reservas a ser recuperado na Bacia de Campos. Junto disso, a Petrobrás ainda mantém investimentos em áreas renováveis – apesar da forte redução ocorrida nos últimos dois anos – como biocombustíveis e eólica. Portanto, todos esses ativos permitem que, se revertida a política de desmonte do governo Temer e da gestão Parente-Monteiro, a Petrobrás possa recuperar sua trajetória de grande investidora no Brasil e, principalmente, de assegurar nossa soberania energética. No entanto, é importante que, além da mudança da Petrobrás, as medidas aprovadas pelo governo Temer que transferiram as reservas do pré-sal para empresas estrangeiras sejam revertidas. Somente dessa forma poderemos retomar o projeto de soberania energética e de desenvolvimento do pré-sal para os interesses do povo brasileiro.
[FUP]