Do dia primeiro de janeiro de 2016 até hoje, foram registrados 435 assassinatos de lideranças sociais na Colômbia, entre camponeses, indígenas, negros, sindicalistas, líderes comunitários, comunicadores populares e defensores dos direitos humanos. O agravamento da situação de criminalização das lutas sociais foi relatado esta semana por Sonia Milena López Tuta. presidenta da Fundação de Direitos Humanos Joel Sierra e integrante do Congresso dos Povos Capítulo Centro Oriente, que veio ao Brasil para uma série de encontros onde tem denunciado a situação vivida em seu país. A colombiana participou da VII Plenária Nacional da FUP realizada entre os dias 01 e 05 de agosto no Rio de Janeiro
Em entrevista concedida por email ao Portal Sul21, ela acusa o governo colombiano de patrocinar “execuções extrajudiciais, detenções em massa, arbitrarias e seletivas onde só se persegue a líderes e militantes dos movimentos sociais, assassinatos de lideranças sociais e agressões aos projetos comunitários”. “Na Colômbia há uma perda total da soberania nacional e dos recursos naturais, os quais tem sido entregues ao capital transnacional. Nossos territórios são entregue por concessão a corporações transnacionais para explorarem os recursos naturais. A violação sistemática dos direitos humanos é o comum de todo dia”, afirma.
Por Marco Weissheimer, do Portal Sul 21
Como você avalia a situação dos Direitos Humanos, hoje, na Colômbia?
A situação dos direitos humanos na Colômbia é crítica. O governo colombiano, na ânsia de cumprir os ditames do mundo imperial e do capital transnacional, desencadeou uma estratégia criminosa de agressão contra o povo colombiano. Por um lado, tem acomodado a legislação do país para privatizar direitos fundamentais da população, como o caso da saúde e da educação, fazendo deles uma mercadoria pela qual se tenha que pagar altos custos, ou legalizando a desapropriação de terras por meio de leis tais como a Lei ZIDRES (Áreas de Interesse para o Desenvolvimento Rural, Econômico e Social) e a lei de demarcação das montanhas. Além disso, limita e criminaliza o protesto social por meio da Lei de Segurança do Cidadão ou do Código Nacional de Polícia.
Da mesma forma, implementou execuções extrajudiciais, detenções em massa, arbitrarias e seletivas onde só se persegue a líderes e militantes dos movimentos sociais, assassinatos de lideranças sociais e agressões aos projetos comunitários. Em resumo, a insistência para poder re-implementar a estratégia ‘paramilitar’ ao serviço da classe política e das multinacionais desatou toda uma serie de violência contra as mulheres, as organizações e movimentos sociais estigmatizando-os, ameaçando-os e tirando seu direito à privacidade. É uma continuidade do Plano Colômbia, agora chamado de “Paz Colômbia”, da corrupção política e administrativa e da extrema militarização do cotidiano das comunidades.
O processo de negociação de paz com as FARC prometia abrir um novo período político e social para o país. Qual o balanço desse processo?
A Colômbia vive há décadas um conflito armado e também político e social, que tem suas bases nas desigualdades e iniquidades resultantes de um modo de produção mesquinho, que comercializa a vida e a dignidade dos povos, o qual sujeita as maiorias do povo à miséria e exclusão social para os propósitos de uma pequena classe que permanece no poder usando métodos violentos. O processo de diálogo ocorrido entre o governo e as FARC, que terminou com a assinatura de um acordo e o desarmamento da força guerrilheira, não contemplou a discussão do modelo econômico e da doutrina militar, indispensável para superar as causas estruturais que originaram e mantêm o conflito armado.
É por isso que ainda hoje a situação de conflito continua, pois o Estado não tem cumprido parte dos acordos pactuados. Neste cenário de desconfiança, as chamadas ‘dissidências’, uma pequena parte da estrutura das FARC que não tem se acolhido aos acordos, ainda permanece em armas. No que diz respeito à violência contra os movimentos sociais, esta continua. Do dia primeiro de janeiro de 2016 até hoje, foram registrados 435 assassinatos de líderes sociais dentre os quais: camponeses, indígenas, negros, sindicalistas, líderes comunitários, comunicadores populares e defensores dos direitos humanos. O Estado quer esconder a natureza política destes assassinatos, relacionando-os a situações de violência comum, como: “problemas de rabo de saia” ou “briga entre vizinhos por terreno”, ou como se diria popularmente: “por qualquer dá cá aquela palha”.
Então, para alcançar a paz, é preciso um amplo processo de participação dos diferentes setores sociais, populares, institucionais e empresariais que permita superar essas causas estruturais de conflito social, político, econômico, ambiental e armado. A paz deve construir-se na base das garantias de uma vida digna para a maioria da população, o respeito à integridade física e a vida de líderes sociais e das organizações sociais e populares. Não se pode falar de paz enquanto o povo colombiano ainda é assassinado.
Como tem sido a atuação do Judiciário neste contexto de violação de direitos e criminalização das lutas sociais?
Na Colômbia reina a impunidade em relação às violações de direitos humanos. O sistema de justiça é ágil quando se trata de investigar e processar membros do movimento social. É assim que muitos dos nossos companheiros e companheiras estão na cadeia respondendo a processos criminais, acusados de serem participantes de organizações armadas. Baseados nos relatórios da “inteligência” militar e dos depoimentos de supostas “testemunhas”, foram preparadas assembleias judiciais do Gabinete do Procurador com o qual nossos líderes foram postos na cadeia. Exemplos disso são o caso de companheiros do Congresso dos Povos como Julian Gil e Milena Quiróz ou a investigação criminal contra o companheiro camponês Alberto Castilla, Senador da República pelo partido Polo Democrático Alternativo, que é acusado de ter ligações com o ELN. Isso ocorre por ele se ousar defender os direitos do povo de permanecerem nos seus territórios em condições de dignidade. No entanto, essa mesma agilidade não é evidente nas investigações que o Ministério Público deve realizar pelos assassinatos dos 435 companheiros e companheiras assassinados pelo Estado através de suas estruturas paramilitares.
Quais são os principais problemas sociais vividos na Colômbia hoje?
Na Colômbia há uma perda total da soberania nacional e dos recursos naturais, os quais tem sido entregues ao capital transnacional. Nossos territórios são entregue por concessão a corporações transnacionais para explorarem os recursos naturais. O governo avança na política de privatização dos direitos fundamentais da população. A extração de minerais não corresponde às necessidades sociais da população, nem visa melhorar suas condições de vida, gerando uma catástrofe ambiental, social e humanitária. Alem disso, o direito de participação popular nas decisões que nos afetam é reduzido ao exercício do voto. A violação sistemática dos direitos humanos é o comum de todo dia.
Apesar desse panorama social e político, o povo colombiano insiste na materialização dos seus planos de vida em seus territórios, fortalecendo as organizações sociais, mobilizando-se na defesa e reivindicação do seus direitos, articulando propostas políticas e organizacionais com outros processos sociais da Colômbia, da América e do mundo. Tentando, no dia a dia, transformar sua realidades sociais na procura de construir esse mundo melhor possível. Neste dia 7 de agosto, a gente vai se mobilizar em favor da vida em condições de dignidade, pelas transformações econômicas e sociais, pela liberdade de nossos companheiros presos e por uma paz com justiça social e ambiental.
[Via Sul21]