Com a participação de mais de 40 pessoas de diversos países, foi realizada na quarta-feira (14) a mesa “Lutas em Defesa da Água: Casos de Correntina-BA e Bacia do Rio Doce-MG”, durante o Fórum Social Mundial 2018, em Salvador. A atividade foi proposta e coordenada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O agronegócio, hidrelétricas e mineração foram apontados como os principais causadores de problemas com água, desde a sua contaminação até a captação irresponsável, colocando em risco a vidas das bacias no Brasil e no mundo.
A moradora da Bacia do Rio Corrente, no oeste da Bahia, e militante do MAB Andreia Neiva relatou a luta pela água travada há muitos anos na região contra o agronegócio, e intensificada e intensificada após manifestação da população na Fazenda Igarashi em novembro do ano passado.
A região conta com uma extensa bacia de rios e afluentes que abastecem sua população e produção da agricultura familiar, mas suas águas também servem ao agronegócio. Apenas a Fazenda Igarashi, produtora de algodão e grãos pra exportação, retira diariamente 182.203m³ de água, o suficiente para abastecer mais de 6 mil cisternas de uso doméstico. Na manhã de 01 de novembro de 2017, cerca de mil pessoas moradoras da região impediram a captação de água pela empresa.
Andreia conta que após a manifestação, a população ribeirinha passou a ser criminalizada e perseguida, mas os municípios da bacia foram solidários e uma manifestação com 10 mil participantes demonstrou a coragem e força de luta na região. “De lá pra cá estamos resistindo e denunciando o abuso do capital internacional sobre nossas águas. O povo de Correntina não irá parar enquanto não garantirmos as águas para nossa produção e famílias”, afirma a militante. Ela conta que com a intensa captação da Igarashi e outras transnacionais na região os agricultores familiares têm ficado sem condições de produzir.
Em Minas Gerais, Joceli Andrioli denuncia ao caso da vazão de lama toxica na Bacia do Rio Doce, em novembro de 2015, causando destruição e morte por onde passou. Com o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco (Vale/BHP), a contaminação afetou o abastecimento de água de mais de um milhão de pessoas.
A população que teve suas casas dominadas pela lama ainda não têm a garantia de uma local para reassentamento, como em Gesteira (Barra Longa), onde os atingidos vivem há dois anos em casas temporárias. Joceli traz anda as consequências da contaminação, como doenças respiratórias, de pele, queda de cabelo. “Temos o caso de uma criança de três anos que apresenta laudos médicos de intoxicação de alto nível de níquel no organismo. Desde o rompimento da barragem ela nunca mais esteve saudável”, lamenta.
Geovani Krenak é representante do povo Krenak, natural da região da Bacio do Rio Doce. Emocionado, ele lamente o que sua tribo chama de morte do “espírito do rio” e acredita que as ações de reparação dos direitos humanos e da terra só serão atendidas com muita luta. “Nós sempre fomos taxados como os impedidores do desenvolvimento, mas na verdade estávamos impedindo que coisas como estas acontecessem. Devemos estar unidos e traçar planos de luta efetivos pelos nossos direitos”, enfatiza.
No México, a situação não diferente. Rosalinda Hidalgo conta que no país há mais 170 mil atingidos que foram retirados de suas terras nas décadas de 60 e 70 para a construção de barragens e até hoje não foram reconhecidos. E o mesmo segue acontecendo nos atuais projetos. “Em poucos anos contabilizamos a construção de 45 novos projetos de barragens. Há um rio que tem tantas hidrelétricas que a sua água não chega ao mar”, indigna-se.
Rosalinda explica que há uma teia de exploração dos recursos em toda a América Latina, onde o uso da água e energia das barragens são destinados a outros grandes projetos como mineração e exploração de gás natural e petróleo, que por sua vez trazem também uma rede de violações de direitos. “São atingidos espalhados por todo o país sem garantia de seus direitos, os recursos naturais explorados sem limites e uma série de danos à saúde que até hoje não foram reconhecidos pelo governo do México”, relata como consequência de megaprojetos.
Os participantes dialogaram com a mesa presente trazendo também suas experiências de defesa da água. Um morador do estado do Ceará conta que apesar da seca já de três anos que passa a sua região, uma grande barragem instalada no local não mudou sua vazão, que segue sendo de cerca de 300 mil litros por segundo. “Por todos os exemplos vemos que o poder está acima da necessidade, da vida das pessoas”, afirma ele.
Na Itália, segundo um morador do país, a exploração da água é parecida, e o abuso do capital se intensifica com o grande número de gasodutos espalhados pelo país, especialmente em áreas de ocorrência de terremoto. “Há muito risco de explosão e eles não ligam. O capital financeiro é global, por isso a luta deve ser de todos nós”, convida.
O debate apontou a importância da organização popular e o enfretamento como principais formas de defesa das águas, além do diálogo institucional como a ocupação de espaços jurídicos e o debate com a sociedade em geral. A militante Andreia reforça a importância de ocupação de todos os espaços, como a via institucional. No entanto lembra que a mudança real só é possível com a organização popular. “A saída é no coletivo e de forma organizada, com inteligência, ousadia e enfrentamento”, garante.
[Via MAB]